Roger Moko Yabiku
Praticamente em toda a história da
humanidade, desde que o ser humano aprendeu a fabricar instrumentos, as armas
estiveram presentes, seja para combater outros homens, para se proteger dos
animais, ou, como hoje, para finalidades culturais e esportivas.
Certamente, a invenção da pólvora
pelos chineses, em torno de 700 depois de Cristo (D.C.), foi um marco divisório
entre os tipos de armas. Atualmente, é muito comum dividi-las, simplesmente, em
armas de fogo (com uso de pólvora) e armas brancas (espadas, facas, arco e
flecha, machados, dentre outros instrumentos).
Nem sempre, ao longo do tempo, houve
o monopólio legal do uso da violência por parte do Estado. Não raro, as partes
eram responsáveis pela execução das penas, o que levaria, paulatinamente, à decadência
da paz social.
Geralmente, os países regulamentam (ou
proíbem) a utilização, porte ou posse de armas (de fogo, principalmente), para evitar
que as pessoas façam “justiça com as próprias mãos”. Observa-se que, na
República Federativa do Brasil, “fazer justiça com as próprias mãos” é, no
mínimo, o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, do
Código Penal).
A respeito das armas, a Lei de Contravenções
Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941) dispõe:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de
dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil
réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente
já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a
três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo
arma ou munição:
a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade,
quando a lei o determina;
b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa
inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;
c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se
apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em
manejá-la. (BRASIL, 1941)
Com relação às armas de fogo, é pacífico que se
emprega os dispositivos do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003) para os crimes de porte e posse de arma de fogo, em suas
diversas modalidades (art. 12, 14 ou 16, por exemplo), em vez do art. 19 da Lei
de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941).
Entretanto, há uma polêmica com
relação à aplicação do art. 19 da Lei de Contravenções Penais ao porte ou à
posse de armas brancas. Primeiro ponto. O que é arma branca? Por exclusão,
pode-se dizer que são aquelas que não se enquadram no conceito de arma de fogo.
Contudo, a problemática em sua definição permanece.
As armas brancas podem ser próprias,
com finalidade de ataque e defesa, como espadas, machados, arcos e flexa e
punhais, por exemplo. Já as armas brancas impróprias seriam facas de cozinha, martelos,
chaves de fenda, enxada, garfos, instrumentos agrícolas, entre vários outros objetos
utilizados no cotidiano.
Um promotor de Justiça do Ministério
Público do Estado de São Paulo (MPSP), nos autos nº 673.10.001012-9, promoveu o
arquivamento do feito, o que não foi acatado pelo Juiz de Direito da Vara
Criminal da Comarca. O argumento ministerial é que não há norma regulamentadora
para o porte de arma branca. O elemento normativo “sem licença da autoridade”,
entendeu o magistrado, aplicava-se somente para arma de fogo, e não arma
branca.
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ), por sua vez, no julgamento do RHC nº 56128 / MG entendeu que,
relativamente às armas brancas, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais continua
em vigor.
No caso examinado pelo STJ,
policiais militares, em Três Corações (MG), encontraram um homem perambulando
pelas ruas da cidade com uma facão de 22 centímetros. O argumento da Defensoria
Pública de Minas Gerais foi pela atipicidade da conduta, visto que não existe
licença para se comprar o artefato em questão. O STJ não acatou esta tese.
O assunto também está a ser
apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no ARE 901623, tendo como
relator o Ministro Edson Facchin. Em despacho de 18 de abril de 2023, Facchin
determinou a suspensão dos autos por 90 dias, até que a Diretoria de Assuntos
Legislativos, da Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos, do Ministério da
Justiça e Segurança Pública, se manifestasse acerca de eventual regulamentação
do art. 19 da Lei de Contravenções Penais.
No Estado de São Paulo, o Decreto Estadual nº
6.911/1935 define como armas brancas (art. 5º, § 1º, “f” e “h”): punhal, bengalas
ou guarda-chuvas ou quaisquer outros objetos contendo punhal, punhal, espada,
estilete ou espingarda; facas cuja lâmina tenha mais de 19 centímetros de comprimento,
e navalhas de qualquer dimensão, salvo quando as circunstâncias justifiquem o
fabrico, comércio ou uso desses objetos como instrumentos de trabalho ou utensílios.
Todavia, essa norma estadual não pode ser
aplicada em conjunto à legislação penal, visto que a produção do Direito Penal é
de competência privativa da União.
Muitas atividades culturais e
esportivas utilizam armas brancas, devidamente adaptadas à segurança dos
praticantes e terceiros, organizando-se de maneira profissional e adequada à
realidade jurídica brasileira, colaborando para o desporto nacional e mundial.
Pode-se afirmar que os praticantes
dessas atividades culturais e esportivas não cometem crime, visto que realizam
suas condutas em “exercício regular de Direito” (art. 23, III, do Código
Penal), uma excludente de ilicitude.
Não raro, esses equipamentos são
confeccionados sob critérios de qualidade padronizados por entidades
representativas em nível internacional, como a esgrima européia e o arco e
flecha, que são, aliás, esportes olímpicos.
Várias artes marciais de origem
oriental utilizam armas brancas, dentro de todos os padrões de uniformização e
segurança já descritos acima, com entidades representativas em nível nacional e
internacional.
Isto posto, não há crime por parte
dos praticantes dessas modalidades esportivas e culturais ao portarem ou
possuírem, mesmo fora de casa, seus equipamentos de treino, por estarem agindo
em exercício regular de Direito, em conformidade com a legislação brasileira.
Caso contrário, isso impossibilitaria o treino
ou mesmo os torneios e campeonatos dessas modalidades esportivas, ocasionando
um atraso significativo do Brasil no cenário mundial.