quinta-feira, 2 de julho de 2009

Pitadas de teoria do conhecimento


A teoria do conhecimento, ou epistemologia, é uma disciplina que tenta dar explicações filosóficas para o conhecimento humano. Essa teoria não se iniciou de forma complexa e acabada e ainda é assunto de muita discussão, tendo em vista que existem, ao longo da história, várias escolas que tentaram explicar o conhecimento humano numa perspectiva filosófica, consoante com o devido contexto histórico de cada uma delas. Há, portanto, diferentes visões a respeito da teoria do conhecimento, sua metodologia e objeto de estudo.

A doutrina conhecida como dogmática já pressupõe que o conhecimento existe, porém, não procura verificar as condições da sua existência ou o próprio processo de conhecimento em si. A aceitação do conhecimento se dá de forma até mesmo ingênua, demonstrando uma relação óbvia entre sujeito e objeto, sem que haja maiores problemas, pois não tenta explicá-la, ou simplesmente a ignora. Por outro lado, o sujeito também é ignorado. (HESSEN, 1987, p. 38)

O dogmatismo pode ser ingênuo (as coisas são conforme percebidas), racional (a razão é dotada de capacidade de conhecer as coisas, independentemente de qualquer tipo de experiência) ou irracional (não explicado pela razão, mas por outros fatores como a fé ou as crenças). “Tal posição assenta numa confiança na razão humana, que ainda não está enfraquecida pela dúvida.” (HESSEN, 1987, p. 37)

No oposto, o ceticismo vislumbra a impossibilidade do conhecimento, seja relativa ou absoluta. Se o dogmatismo não considera o sujeito, o ceticismo desconsidera o objeto. Há condicionantes do meio e da cultura, entre outros, que influenciam a possibilidade do conhecimento pelo sujeito. Existe uma abstenção de juízo, que não afirma ou nega algo a respeito de o conhecimento ser ou não ser possível. (HESSEN, 1987, p. 40-41)

O ceticismo, por sua vez, pode ser absoluto ou relativo. Por ceticismo absoluto, entende-se aquele que nega totalmente a possibilidade de se conhecer, por isso, não se teria como falar em certeza ou verdade, restando, ao ser humano, a dúvida constante. Entretanto, o ceticismo relativo concebe a possibilidade parcial de se conhecer. Algumas parcelas do conhecimento apenas não podem ser conhecidas, as outras, sim. O ceticismo relativo pode ser explicado pela frase de Heráclito de que o homem é a medida de todas as coisas. Assim, o conhecimento das coisas varia de homem para homem. No entanto, o ceticismo não se restringe à classificação entre absoluto e relativo. Também se pode falar em ceticismo metafísico, ético, religioso, metódico e sistemático. (HESSEN, 1987, p. 41)



Com relação ao ceticismo relativo, cabe falar de algumas das suas subdivisões como o subjetivismo, o pragmatismo e o criticismo. No subjetivismo (HESSEN, 1987, p. 46), a validade da verdade se concentra ao sujeito que conhece e julga, seja como indivíduo ou como agrupamento (gênero humano). O pragmatismo deu uma nova dimensão ao ceticismo. O ceticismo é a negação da possibilidade do conhecimento, enquanto o pragmatismo fornece um novo conceito de verdade. “Segundo ele, verdadeiro significa útil, valioso, fomentador da vida.” (HESSEN, 1987, p. 50-51)
O criticismo tenta conciliar o dogmatismo e o ceticismo, tendo como principal representante o prussiano Immanuel Kant. Versa que o conhecimento é possível, nos seguintes termos: “(...) junta à confiança no conhecimento humano, em geral, a desconfiança perante todo o conhecimento determinado. O criticismo examina todas as afirmações da razão humana e não aceita nada despreocupadamente. (...) seu comportamento não é dogmático nem céptico, mas sim reflexivo e crítico.” (HESSEN, 1987, p. 54-55)

Quanto à origem do conhecimento, há de se falar em racionalismo, empirismo, intelectualismo, apriorismo e senso crítico. No racionalismo (HESSEN, 1987, p. 60), o conhecimento só é possível se é necessário em termos lógicos e válido universalmente. A razão é a principal fonte do conhecimento. Na outra ponta, o empirismo discorda, ressaltando que “a única fonte do conhecimento humano é a experiência”. (HESSEN, 1987, p. 68) O espírito humano estaria, inicialmente, vazio e seria instruído pela experiência. Já o intelectualismo é uma proposta, segundo Hessen, (1987, p. 74) que tenta mediar racionalismo e empirismo, tendendo mais a este, já que deriva os elementos da experiência. Quer dizer, há “juízos logicamente necessários e universalmente válidos e, não apenas sobre os objectos ideais – isto é também admitido pelos principais representantes do empirismo -, mas também sobre objetos reais.” Doutrina semelhante é o apriorismo, porém, que tende mais ao racionalismo, pois o conhecimento apresentaria conhecimentos a priori. “No apriorismo, o pensamento não se conduz receptiva e passivamente perante a experiência como no intelectualismo, mas sim espontânea e activamente.” (HESSEN, 1987, p. 78)

Os conhecimentos acerca das doutrinas da teoria do conhecimento são importantes para que o sujeito possa florescer, em si mesmo, o senso crítico, ou seja, construir a capacidade de analisar as coisas e a própria realidade de maneira metódica, reflexiva, afastando, na medida do possível, interferências do senso comum, ou mesmo concepções míticas.

Essas doutrinas, porém, devem ser estudadas em conjunto com o contexto histórico nas quais surgiram, para que os alunos possam “entrar na cabeça” da época, despojando-se do olhar caricato da realidade contemporânea na qual vivem. Ajuda a ter um olhar do cientista, ou mesmo do filósofo, que se distancia das intempéries cotidianas para adquirir um conhecimento mais profundo acerca das coisas. A atitude filosófica proporciona ao indivíduo uma visão do todo, de modo que se dê conta das interconexões entre as áreas do saber, dando sentido ao que, quando isolado, não parece ter relação com as demais. A teoria do conhecimento tenta ir além dos preconceitos e questiona até mesmo seu objeto de estudo, o conhecimento e o processo de conhecimento, para o divagar filosófico e o questionamento sejam constantes, sem que se arraiguem verdades levianas ou simplesmente carregadas de senso comum. Nas aulas de filosofia, a teoria do conhecimento contribui no momento de se questionar as verdades pré-estabelecidas do “status quo”, fazendo com que todos os envolvidos no processo pedagógico possam questionar a realidade institucional, visando a plena realização das suas potencialidades pela sua libertação intelectual.

BIBLIOGRAFIA
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. 8. ed. Armênio Amado: Coimbra, 1987.

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