domingo, 24 de março de 2019

IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS ‘INTER VIVOS’ (ITBI)



Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

            O imposto sobre a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI) é de competência dos Municípios, segundo o artigo 156, II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. E também do Distrito Federal (DF).
            O ITBI também é conhecido como ITIV. Alguns o denominam de “sisa”, do francês “saisine”, que significa posse. Essa imposição tributária depende de conceitos do Direito Civil. “Bem imóvel por natureza é o solo; bem imóvel por acessão física é tudo que a ele se incorpora, natural ou artificialmente, como plantações e construções (art. 79, CC)”, ensina Regina Helena Costa (p. 403).
            O tributo é devido no Município da situação do bem, preceitua o artigo 156, § 2º, II, CF. Os direitos reais sobre imóveis são a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso, preceitua o artigo 1.225, CC.
            Há três hipóteses de imunidade ao ITBI. Uma delas, de caráter político e disposta no art. 156, II, CF, abrange os direitos reais de garantia sobre imóveis, como o penhor (art. 1.431, CC), a hipoteca (art. 1.473, CC) e a anticrese (art. 1.506, CC). Trata-se de uma maneira de não onerar ainda mais o sujeito passivo.
            As outras duas imunidades ao ITBI estão no art. 156, § 2º, I, CF: “Não incide sobre a transmissão de bens e direitos incorporados ao de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de imóveis ou arrendamento mercantil.”
            Regina Helena Costa explica (p. 404):

Como se extrai da dicção constitucional, ambas as hipóteses de imunidade não se configuram no caso de a atividade preponderante do adquirente ser a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. A atividade preponderante do transmitente ou cedente, portanto, é irrelevante. A finalidade é facilitar a formação, transformação, fusão, cisão e extinção de sociedades civis e comerciais.


SUJEITO PASSIVO

            De acordo com o artigo 42 do Código Tributário Nacional (CTN), o sujeito passivo do ITBI pode ser tanto o transmitente quanto o adquirente. Contudo, é mais comum que o adquirente seja definido como o sujeito passivo da obrigação tributária, conforme disposição de lei municipal ou distrital.
            Com relação ao sujeito passivo do ITBI, Regina Helena Costa faz importantes considerações:

Além dos contribuintes, há os responsáveis pelo pagamento do imposto. É a hipótese, por exemplo, do art. 134, VI, CTN, que estabelece que, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, responderão pelos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis ‘os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício’. Assim, se numa compra e venda de bem imóvel, por ocasião da lavratura da escritura, tais pessoas não verificarem o recolhimento do ITBI pelo contribuinte, poderão vir a arcar com o ônus do pagamento do tributo.


FATO GERADOR

            A transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos e sua aquisição são o fato gerador do ITBI.
            Eduardo Sabbag explica (p. 1053):

1. a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza;
2. a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por acessão física;
3. a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia
4. cessão (onerosa) de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

            Com relação ao fato gerador do ITBI, há quatro parâmetros conceituais: a) onerosidade, b) bem imóvel por natureza versus bem imóvel por acessão física; c) direito real sobre imóvel e; d) cessão de direitos.
            Onerosidade ocorre numa relação bilateral em que há enriquecimento de uma parte e empobrecimento de outra. O “contrato de gaveta” e o compromisso de compra e venda não impõem obrigatoriedade do pagamento do ITBI, pois não há transmissão do domínio do bem imóvel.
            A transmissão imobiliária só ocorre jurídica e efetivamente com a transcrição com a averbação do título, geralmente escritura pública, no Cartório Cível de Registro de Imóveis (art. 1.245, CC).
            De acordo com a Súmula nº 108, do STF, o imposto incide sobre o valor do imóvel na data da transmissão e não na data da celebração da promessa, porém, em conformidade com a legislação local.
            Usucapião não é considerado transmissão com caráter de onerosidade. Porém, incide o ITBI em arrematação de imóvel em leição judicial.  Com relação à partilha do bem imóvel pela metade, em divórcio, não incide o tributo por haver somente a partilha do bem. Contudo, se uma parte, por exemplo, ficar com mais da metade do bem imóvel, entende-se que houve transmissão a propriedade, então, cabe a cobrança do ITBI.
            O excesso de meação gera a tributação. É oneroso se houver compensação por outras transferências ocorridas durante a partilha. Se for por ato não oneroso, incide o Imposto de Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação (ITCMD), de competência dos Estados.
            No Imposto Territorial Rural (ITR), a incidência é somente no imóvel por natureza. Contudo, no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e no ITBI, há incidência tanto sobre os bens imóveis por natureza, quanto nos bens imóveis por acessão física.
            O ITBI também incide sobre os direitos reais sobre bens imóveis, tais como propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel. Porém, não abrange penhor, anticrese e hipoteca.
            O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, se o usufrutuário pode ser contribuinte de IPTU, também pode ser sujeito passivo de ITBI. Com relação a cessão de direitos, só há incidência do ITBI quando essa cessão de direitos equivaler à própria transmissão do bem.


BASE DE CÁLCULO

            O ITBI tem como base de cálculo o valor venal dos bens imóveis transmitidos ou dos direitos reais cedidos, segundo o art. 38, CTN. “Vale dizer que a base de cálculo será o valor de mercado (ou preço à venda, à vista, ou em condições normais de mercado), sendo irrelevante o preço da venda constante da escritura”, explica Eduardo Sabbag (p. 1060).
            Geralmente, o valor venal, uma estimativa do valor de mercado, é estabelecido em lei municipal e reajustado periodicamente. Caso o Fisco discorde do valor, pode fixá-lo por meio de arbitramento (art. 148, CTN).

ALÍQUOTAS

            As alíquotas do ITBI expressam-se em percentagem única sobre a base de cálculo. Alguns autores, como Regina Helena Costa (p. 406), entendem que a progressividade se aplicaria ao ITBI, embora não haja previsão constitucional. Contudo, por ser um imposto de natureza real, o Supremo Tribunal Federal (STF), na Súmula 656, entendeu que é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o ITBI.


Leia mais:
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

domingo, 17 de março de 2019

COMENTÁRIOS À LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku


INTRODUÇÃO

            A Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, é conhecida como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Antigamente, era conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC, Decreto-Lei nº 4.567, de 4 de setembro de 1942).
            É uma lei anexa, mas autônoma ao Código Civil. Tem caráter universal, aplicando-se a todos os ramos do Direito Brasileiro. É um repositório de normas preliminares a todo o ordenamento jurídico nacional. “A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é um conjunto de normas sobre normas, visto que disciplina as próprias normas jurídicas, determinando o seu modo de aplicação e entendimento, no tempo e no espaço”, explica Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 46).
            O dispositivo do art. 4º que manda aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito em casos omissos, aplica-se em todo o direito, exceto no Direito Penal e no Direito Tributário, que possuem princípios e regramentos próprios.
            No Direito Penal, só se admite analogia “in bonan partem”. O Código Tributário Nacional (CTN) só admite analogia como critério de hermenêutica (interpretação), mas não tem o poder de criar ou majorar tributos.
            O artigo 3ª da LINDB aponta que ninguém pode se escusar de cumprir a lei, alegando não conhecê-la. Isso se aplica a todo ordenamento. Contém princípios de Direito Público e de Direito Privado no tempo e no espaço (art. 1º a 6º), normas de Direito Internacional Privado (arts. 7º a 19) e de segurança jurídica (arts. 20 a 30).




FONTES DO DIREITO

            Fontes do Direito pode significar o poder de criar normas jurídicas ou a forma de expressão das mesmas (cognição). “Nesse sentido, pode-se dizer que a Lei é o objeto da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a principal fonte do Direito”, explica Gonçalves (2019, p. 48). Fonte é o meio técnico da realização do direito objetivo.
            Fontes históricas são as pesquisadas pelos doutrinadores, no passado, para analisar o sentido e a origem de algum instituto jurídico. Fontes atuais são as que os indivíduos utilizam como base, sendo estas utilizadas para pleitear o seu direito e para o juiz fundamentar a sentença.
            O costume é a primeira fonte do Direito. É a observância constante de determinadas regras no tempo, com a convicção de obrigatoriedade. É o direito não escrito, típico de sistemas de “Common Law”. Contudo, com a evolução social e a organização do Estado, a lei passa a ser a principal fonte do Direito, sendo produzida pelo Estado e imposta coativamente. “Surge o Direito escrito, em contraposição ao anteriormente mencionado, adotado em quase todos os países do Ocidente”, narra Gonçalves (2019, p. 48).
            De acordo com o art. 4º, da LINDB, são fontes formais do direito: a lei, a analogia, o costume e os princípios gerais do Direito. As fontes informais seriam a doutrina e a jurisprudência.
            Alguns autores não consideram a jurisprudência como fonte formal do Direito, sendo apenas indicativo intelectual ou informativo. Contudo, no mundo da prática, a jurisprudência revela-se como fonte criadora do Direito, principalmente, com a instituição da Súmula Vinculante, a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF).
            As fontes formais dividem-se em principais (a lei) e acessórias (demais). As fontes diretas (ou imediatas) são a lei e os costumes. As fontes indiretas (ou mediatas) são a doutrina e a jurisprudência.



BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI

            A lei, num sentido amplo, é critério de certeza e de objetividade. Não é revestida da subjetividade dos costumes ou da moral. “A lei, a sentença, o costume e o contrato constituem formas de expressão jurídica resultantes do processo legislativo, da atividade jurisdicional, da prática consuetudinária e do poder negocial”, narra Gonçalves (2019, p. 49).
            O processo legislativo está referido no art. 59 da Constituição da República Federativa do Brasil, e nos regimentos internos das casas legislativas, dentre outra legislação. Para entrar em vigor, deve ser promulgada e publicada, geralmente, em Diário Oficial.
            A lei deve ser revestida de generalidade (dirige-se a todos), imperatividade (impõe um dever), autorizamento (autoriza e legitima o uso da faculdade de coagir, por exemplo, pedir a coação para a reparação do mal sofrido), permanência (não se esgota numa só aplicação, perdura até ser revogada por outra lei) e emanação de autoridade competente (segundo as competências dispostas na CF).
            A União, Estados, Municípios e Distritos Federal, cada qual, possui sua capacidade legiferante. Contudo, cada qual em sua espera de competência. Cada pessoa política têm competência para legislar sobre determinados assuntos. Legislar sobre Direito Civil, por exemplo, é de competência da União.


VIGÊNCIA DAS LEIS

            As leis possuem um ciclo vital, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 57), “nascem, aplicam-se e permanecem em vigor até serem revogadas”. Marcam-se o início da vigência, a sua continuidade e a sua cessação.
            Uma lei para ser criada passa por três fases: elaboração, promulgação e publicação. Com a promulgação, ela nasce. Com a publicação no Diário Oficial, entra em vigor, iniciando a vigência, tornando-se obrigatória.
            A vigência se inicia com a publicação e se estende até o término do seu prazo de validade ou com a sua revogação. Assim dispõe o art. 2º, da LINDB: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.”
De acordo com o art. 1º, da LIND, a lei, salvo disposição contrária, “começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”, fala Gonçalves (2019, p. 57).
            A lei pode entrar em vigor na data da sua publicação, se assim dispuser, ou em outra, mais remota, se assim o dispuser. O intervalo entre a data da publicação e a da sua entrada em vigor é conhecido como “vacatio legis”.
            Se durante a “vacatio legis”, houver nova publicação de seu texto para eventuais correções, o prazo da vigência será contado a partir da nova publicação (art. 1º, § 3º, LINDB). E isso só vale para a parte corrigida, ou emendada.
            Caso a lei já esteja em vigor, as correções serão consideradas lei nova, com obrigatoriedade condicionada ao fim da “vacatio legis” (art. 1º, § 4º, LINDB). Quando admitida a aplicação da lei brasileira em países estrangeiros, ela só se torna obrigatória depois de três meses de oficialmente publicada.

REVOGAÇÃO DA LEI

            De acordo com o art. 2º, da LINDB, “a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Geralmente, a  lei é feita para vigorar em caráter permanente, até ser revogada por outra lei. É o princípio da continuidade. Costume não tem força para revogar lei. E também não perde eficácia pelo seu não uso.
            Em algumas situações, a lei pode ter vigência temporária. Pode findar por causa de:
a-) ocorrência de termo fixado para sua duração.
b-) implemento de condição resolutiva.
c-) consecução dos seus fins.
            Com isso, ocorre a caducidade da lei. Torna-se sem efeito, sem necessidade de uma norma revogadora.
            Leis de vigência permanente perduram até ocorrer a sua revogação. Não podem “ser extintas por costume, jurisprudência, regulamento, decreto, portaria e simples avisos”, ensina Gonçalves (2019, p. 62).
            “Revogação é a supressão da força obrigatória da lei, retirando-lhe a eficácia – o que só pode ser feito por outra lei, da mesma hierarquia ou de hierarquia superior.” (GONÇALVES, 2019, p. 62)
            A revogação pode ser total ou parcial, quanto à extensão. A revogação total também é chamada de “ag-rogação”. Suprime totalmente a norma anterior. Por sua vez, a revogação parcial é conhecida como “derrogação”. Atinge somente uma parte da norma, sendo que o restante permanece em vigor.
            A perda de eficácia pode decorrer, além do seu próprio termo, da decretação da sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o Senado Federal deve lhe suspender a execução, segundo o artigo 52, X, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
            O princípio da hierarquia não tolera que uma lei inferior sobreviva à uma norma superior que a contrarie. Com a Constituição de 1988, muitas normas não foram recepcionadas. “Não se trata propriamente de revogação das leis anteriores e contrárias à Constituição: apenas deixaram de existir no plano do ordenamento jurídico estatal, por haverem perdido seu fundamento de validade”, diz Gonçalves (2019, p. 63).
            Por sua vez, as normas constitucionais de conteúdo programático, que necessitam de leis complementares ou ordinárias, para lhe dar eficácia, não revogam disposições anteriores, “que continuam vigentes até a aprovação dos novos textos legislativos que concretizem as determinações constitucionais”, analisa Gonçalves (2019, p. 63).
            Com relação às normas que precisam de regulamento para se tornarem obrigatórias, entende-se que o prazo de vigência conta-se a partir da publicação do regulamento, observados os períodos de “vacatio legis”. “Se apenas uma parte ada lei depender de regulamentação, só a ela é aplicável a restrição”, arremata Gonçalves (2019, p. 63).
            Por mandado de injunção pode-se suprir a falta de regulamentação, junto ao judiciário, segundo o art. 5º, LXXI, da CF, no caso de haver pessoas que se considerem prejudicadas pela omissão legislativa e a impossibilidade de exercer os direitos constitucionalmente previstos.
            Também pode ser a revogação expressa ou tácita, quanto à forma de execução. A lei nova declara taxativa e inequivocamente que lei anterior, ou parte dela, foi revogada (primeira parte do art. 2º, § 1º, da LINDB). Trata-se da revogação expressa. “Tácita, quando não contém declaração nesse sentido, mais mostra-se incompatível com a lei antiga ou regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2º, § 1º, última parte). A revogação, nesse caso, ocorre por via oblíqua ou indireta”, narra Gonçalves (2019, p. 64).
            O parágrafo anterior trata do critério cronológico.
            Agora, passa-se a analisar o critério da especialidade (“lex specialis derrogat legi generali”), conforme preceitua o art. 2º, § 2º, da LINDB: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
            Podem coexistir normas de caráter geral e normas de caráter específico. Em caso de incompatibilidade entre ambas, há de se verificar, no caso concreto, se é a situação de se preferir a norma geral em vez da especial, ou a norma especial em vez da geral. “Não se pode, portanto, acolher de modo absoluto a fórmula ‘lei especial revoga a geral’, pois nem sempre isso acontece, podendo perfeitamente ocorrer que a especial introduza uma exceção ao princípio geral, que deve coexistir ao lado deste. Havendo incompatibilidade haverá revogação tanto da lei geral pela especial como da lei especial pela geral”, analisa Gonçalves (2019, p. 66).
            Chama-se antinomia quando há duas normas conflitantes. Para resolver isso, há três critérios: a-) cronológico; b-) especialidade; c-) hierárquico. Quando o conflito envolve apenas um dos critérios, trata-se de antinomia de primeiro grau. Se envolver dois desses critérios, é uma antinomia de segundo grau.
            Divide-se a antinomia, também, em aparente e real. Por antinomia aparente, a resolução é com base nos critérios acima explicitados. Contudo, antinomia real não pode ser resolvida por esses critérios. “Ocorre, por exemplo, entre uma norma superior-geral e outra norma inferior-especial. Não sendo possível remover o conflito ante a dificuldade de se apurar qual a norma predominante, a antinomia será solucionada por meio dos mecanismos destinados a suprir as lacunas da lei (LINDB, arts. 4º e 5º”, assinala Gonçalves (2019, p. 66).
            Não se admite repristinação no Direito Brasileiro. Basicamente, seria a restauração de lei revogada pelo fato de lei revogadora ter perdido sua vigência, explica Carlos Roberto Gonçalves (2019). O art. 2º, § 3º, da LINDB, diz que “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

Leia mais:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 1. Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Saraivajur, 2019.






                                 

sábado, 16 de março de 2019

IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU)




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

            O imposto predial e territorial urbano (IPTU), de competência dos Municípios e do Distrito Federal (DF), é previsto no art. 156, I, da Constituição da República Federativa do Brasil. Suas normas de caráter geral estão no artigo 32 e seguintes do Código Tributário Nacional. Cabe aos Municípios e ao Distrito Federal instituir o IPTU pela edição de lei ordinária.
            Onde estiver localizado o imóvel é o Município competente para a cobrança do mesmo. O Município e o DF, por meio de lei, pode incluir hipóteses de isenção do IPTU.
            Contudo, se houvesse um território não dividido em Municípios, a União poderia instituir IPTU nesses casos, segundo o art. 147, parte inicial, CF.
            O IPTU só pode ser cobrado de imóveis situados na zona urbana do Município. Aos da zona rural, o tributo incidente é o Imposto Territorial Rural (ITR).
            Lei Municipal, seja por plano diretor ou lei de zoneamento, por exemplo, definem se determinada área da cidade é rural ou urbana. Contudo, existem áreas urbanas de uso rural, que não podem ser confundidas também como zonas rurais.

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SUJEITO PASSIVO

            O sujeito passivo do IPTU é definido a partir da leitura dos artigos 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
(...)
Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

            Então, são sujeitos passivos do IPTU:

a)    o proprietário (pleno, de domínio útil ou na condição de copriprietário
b)    o titular de domínio útil (enfiteuta e usufrutuário)
c)    possuidor (posse ‘ad usucapionem’, por exemplo).

Propriedade não se confunde com locação. O locatário não se enquadra como contribuinte, nem como responsável tributário do IPTU. O locatário é mero detentor da coisa alheia. Pode ocorrer que, nos contratos de locação, seja deslocada a obrigação do pagamento do IPTU para o inquilino.
Entretanto, por força do artigo 123, do Código Tributário Nacional, o instrumento particular, o contrato de aluguel, não tem poder de modificar a situação de sujeito passivo perante o Fisco.
Contudo, em termos de imunidade de patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu:

“Súmula 724 – Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo artigo. 150, VI, ‘c’, da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”

            Com relação ao domínio útil, cabe falar sobre a enfiteuse e o usufruto. Pelo STJ, é constitucional a cobrança do IPTU tanto do enfiteuta quanto do usufrutuário.
            Também é possível que o superficiário, que tem o domínio útil, seja responsável pelo pagamento do IPTU, nos termos do Estatuto das Cidades:

Art. 21 (...)
§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
            Também versa sobre o mesmo assunto o art. 1.371 do Código Civil. Pelo direito de superfície (direito real), o proprietário, por escritura pública, pode outorgar ao superficiário, de modo gratuito ou oneroso, o direito de usar o solo (ou espaço aéreo), de modo temporário ou gratuito.
            A respeito da posse, há polêmicas. Até que ponto a posse pode ser fato gerador do IPTU?

“A posse que enseja a tributação do IPTU é aquela que, em situações excepcionais (ausência ou desconhecimento do proprietário, por exemplo, na pose ‘ad usucapionem’), detém configuração jurídica de título próprio, investindo o possuidor da indumentária de proprietário, ainda que a vontade seja ilegítima (v.g. posseiro).” (SABBAG, 2013, p. 1000).

            A fazenda pública pode escolher quem figurará no pólo passivo da ação de execução fiscal: proprietário, titular do domínio útil ou possuidor a qualquer título. De acordo com o STJ, o Fisco pode escolher por qualquer um  deles, conforme a conveniência de oportunidade de arrecadação.
            Em situações, em que um sujeito adquire, por compromisso de compra e venda, atendidos os requisitos legais, imóvel de propriedade de pessoa jurídica de direito público, aquele é sujeito passivo para fins de IPTU.


FATO GERADOR

            O fato gerador do IPTU está previsto no art. 32, CTN, como “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município”.
            De acordo com o Código Civil (art. 43, I), “os bens imóveis por natureza são o solo, com sua superfície, os seus acessórios naturais e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”.
            Os bem imóveis por acessão física (art. 43, II, CC) são “tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada ao solo, os edifícios e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano”. Explica Sabbag (2013, p. 1004): “Vale dizer que esses bens englobam a formação de ilhas, de aluvião, de avulsão, de abandono de álveo, e, sobretudo, aquilo que se une por construção e edificação, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.”
            Sabbag (2013, p. 1004-1005) diferencia propriedade, domínio útil e posse:

a)    propriedade – trata-se de instituto jurídico que indica o gozo jurídico pleno de uso, fruição e disposição do bem imóvel.
b)    domínio útil – refere-se a um dos elementos de gozo jurídico da propriedade plena e, sem confundir com o “domínio direto” (afeto à substância do bem), “compreende os direitos de utilização e disposição, inclusive o de alienação, conferidos ao foreiro, relativamente a prédio enfitêutico”.
c)    posse: “(...) a posse deflui do conceito de possuidor, como sento todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos opderes inerentes à propriedade (art. 1.196, CC).”

O conceito de zona urbana, além de ser delimitado por lei municipal, deve contemplar algumas melhorias descritas no Código Tributário Nacional:

Art. 32 (...)
§ 1º Para efeito deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 quilômetros do imóvel considerado.

         As áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, descritas no art. 32, § 2º, CTN, são consideradas urbanas, desde que assim previstas em lei municipal e estejam inseridas em loteamento aprovado pelos órgãos competentes.

            O fato gerador do IPTU tem como aspecto espacial o território urbano do município (art. 156, I, CF e art. 32, CTN) e como aspecto temporal o momento da apuração, ou seja, o ano (1º de janeiro de cada ano).
BASE DE CÁLCULO

            O Código Tributário Nacional (CTN) define a base de cálculo do IPTU:

Art. 33. A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel:
Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se considera valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.

            Conforme o art. 97, V, do CTN, a base de cálculo do tributo deve ser prevista em lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade tributária. A simples correção monetária por meio de decreto não é considerada majoração do tributo, segundo o art. 97, § 2º, do CTN.
            Porém, em se tratando de atualização, com o aumento de qualquer dos itens da base de cálculo do IPTU, então, isso deverá ser feito por meio de lei. O STJ já se posicionou nesse sentido: “É defeso ao Município atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”


ALÍQUOTAS

            Permite a aferição do “quantum” do tributo a ser pago. Deve ser prevista em lei (art. 97, IV, CTN). Seu aumento só pode se dar em virtude de lei, e não por decreto ou qualquer outro ato administrativo.
            A Constituição Federal (art. 182, § 4º, II, art. 156, § 1º, I e II) permite a progressividade do IPTU, ao admitir a variação das alíquotas. Lei Municipal deve prever a progressividade.
            Para a execução da política urbana, do art. 182, da CF, o Estatuto das Cidades, em seu art. 1º, dispõe que o mesmo estabelece normas de ordem pública e de interesse social, que regulam a propriedade urbana em prol do bem coletivo.
            O Estatuto das Cidades (art. 7º e parágrafos) também estabelece diretrizes relativas ao IPTU progressivo.
            O Supremo Tribunal Federal (STF), hoje, posiciona-se pela dupla progressividade:

1.     progressividade extrafiscal, que lhe é – e sempre foi – genuína, rotulada de progressividade no tempo (art. 182, § 4º, II, CF), única normatizada antes do textos constitucional de 1988;
2.     progressividade fiscal, prevista na EC nº 29/2000, com base no valor do imóvel (art. 156, § 1º, I, CF), sem embargo da seletividade trazida pela diferenciação de alíquotas em razão da localização e uso do imóvel. (SABBAG, 2013, p. 1015)


Lei mais:
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


























quinta-feira, 14 de março de 2019

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL II




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku


INÍCIO DO INQUÉRITO POLICIAL

            O inquérito policial, segundo Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 159), pode sei iniciar de cinco maneiras:

a)     de ofício (art. 5º, I, CPP) – autoridade policial, em conhecimento de infração penal de ação penal pública incondicionada, instaura a investigação para verificar a sua materialidade e autoria. Se for crime de ação penal pública condicionada (art. 5º, § 4º, CPP) ou ação penal privada (art. 5º, § 5º, CPP), depende da provocação do ofendido;
b)    por provocação do ofendido (art. 5º, II, segundar parte, CPP) – titular do bem jurídico lesado reclama a atuação da autoridade;
c)     por delação de terceiro – qualquer do povo leva ao conhecimento da autoridade a ocorrência de infração penal de iniciativa do Ministério Público;
d)    por requisição da autoridade competente, quando membro da magistratura do Ministério Público (art. 5º, II, primeira parte, CPP) exigir, legalmente, a realização da investigação policial;
e)     pela lavratura do auto de prisão em flagrante – agente é surpreendido nas condições do artigo 302, do Código de Processo Penal (CPP).

DA PRESIDÊNCIA DO INQUÉRITO POLICIAL

            O presidente do inquérito policial é o Delegado de Polícia, ou, se for o caso, o Delegado Federal. Com relação à competência, esta pode ser fixada pelo lugar do crime (rationi loci) ou da natureza da infração (ratione materiae). Se o inquérito policial for instaurado contra uma autoridade policial, este será presidido por uma autoridade policial hierarquicamente superior.
            Caso o delegado seja considerado suspeito, não há possibilidade dessa arguição. Contudo, o próprio Delegado deveria declarar-se suspeito, numa situação dessas, ensinam Rogério e Daniela Cury (2018). Assim, descreve a doutrina, que a parte interessada deve pleitear o afastamento à autoridade responsável, seja o Delegado Geral de Polícia ou o Secretário de Segurança Pública.
            O Ministério Público pode acompanhar o inquérito policial na qualidade de fiscal da lei (custos legis). “Não há assistente de acusação no IP, mesmo porque trata de procedimento inquisitorial, investigativo e não contraditório”, ensinam Rogério e Daniela Cury (2018, p. 14).
            De acordo com a Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há impedimento ou suspeição para oferecimento de denúncia de membro do Ministério Público que participou do inquérito policial.
            O Ministério Público exerce o controle externo da atividade policial, nos termos do art. 129, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tais como os art. 9º e 10º, da Lei Complementar º 75/1993, e art. 80, da Lei nº 8.625/1993.
            Consta na Magna Carta, art. 129, VIII, que o Ministério Público pode requisitar diligências investigatórias. Assim, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017, que disciplina a instauração e a tramitação do Procedimento Investigatório Criminal a Cargo do Ministério Público.
            O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) regulamentou a investigação defensiva, por parte dos causídicos, com o Provimento nº 188, de 11 de dezembro de 2018, que regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução de processo administrativo e judicial.
           

ATOS PRATICADOS NO INQUÉRITO POLICIAL
            Quando toma conhecimento da ocorrência de uma infração penal, a autoridade policial, segundo o artigo 6º, CPP, deve realizar uma série de atos, como “preservar o local, interrogar o acusado, realizar a busca e apreensão dos objetos relacionados com o fato, reconhecimento de pessoas e coisas, bem como acareação, exame de corpo de delito, identificação do indiciado (art. 6º e incisos), entre outros atos não previstos neste rol, mas necessários para embasar futura ação penal”, ensinam Rogério e Daniela Cury (2018, p. 20).

            Ao exame de cada uma delas:
a) Art. 6º, I, CPP – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estão e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais: trata da preservação da cena do crime. Serve para evitar “alterações feitas pelos autores do delito ou por populares que possam prejudicar a realização de perícia”, segundo Alexandre Reis e Victor Gonçalves (2013, p. 59). “Evidente que só existe tal necessidade se o local estiver preservado, pois, do contrário, a diligência se mostra supérflua.”
Com relação ao tópico acima, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 312, dispõe: “Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito ou juiz”.
O Código Penal, no artigo 347, tipifica a fraude processual quando o agente “inova artificiosamente na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito”.

b) Art. 6º, II CPP – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais: esses objetos devem acompanhar o inquérito (art. 11, CPP), exceto se não mais interessarem para fins probatórios, caso em que serão restituídos aos seus donos. Os objetos apreendidos (art. 175, CPP) devem ser periciados para se constatar sua natureza e eficácia. Somente objetos relacionados com o ato criminoso podem ser apreendidos, os demais, não. Assim, devem ser apreendidos “os instrumentos do crime, o objeto material do delito, objetos que possam ser úteis à prova, bem como aqueles adquiridos com o produto do crime, já que estes últimos podem ser confiscados em caso de condenação (art. 91, II, “b”, CP)”, narram Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 60).
Pode ocorrer de o objeto ser apreendido e, depois de periciado, ser restituído ao dono mediante a apresentação da documentação. “Não podem ser restituídos os objetos cuja manutenção da apreensão interesse ao deslinde da causa (art. 118 do CPP), os instrumentos e produtos do crime sujeitos a confisco nos termos do art. 91, II, do Código Penal (art. 119, CPP), e os objetos em relação aos quais haja dúvida quanto à propriedade (art. 120 do CPP).

c) Art. 6º, III, CPP – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias: trata-se de dispositivo genérico para permitir à autoridade a realização de quaisquer coletas de provas, desde que não haja afronta à legislação. Geralmente, a mais comum é a oitiva de testemunhas, sendo que, diferente do processo penal, não há quantidade limite a ser ouvida. Em prisão em flagrante, pelo menos duas testemunhas devem ser ouvidas na lavratura do auto (art. 304, CPP). “Se a testemunha for notificada e não comparecer, poderá ser determinada sua condução coercitiva (art. 218 do CPP). A testemunha tem direito de ser ouvida na cidade onde reside, de modo que, se o inquérito tramita em outro município, deverá ser expedida carta precatória”, lecionam Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 61).

d) Art. 6º, IV – ouvir o ofendido: importante para compreender a ocorrência do ilícito. Se notificado e não comparecer, pode ser conduzido ao distrito policial, segundo o art. 201, § 1º, do CPP.

e) Art. 6º, V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura: é o interrogatório do indiciado. Tem que ser ouvido conforme o artigo 185 e seguintes do Código de Processo Penal. A autoridade policial não pode impedir o advogado do indiciado de acompanhar o ato, porém, este não pode interferir com perguntas ou manifestações.
Por força do art. 5º, LXIV, da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), é direito do indiciado ter a identificação da autoridade policial responsável pelo seu interrogatório.
O indiciado tem o direito ao silêncio durante o interrogatório (art. 5º, LXIII, CF). Porém, se assim quiser, se manifestar quando o delegado lhe perguntar, fazendo as respostas constarem no termo. Porém, ao ser devidamente notificado, tem o dever de comparecer perante à autoridade policial, em caso de não comparecimento, pode ter decretada sua condução coercitiva (art. 260, do CPP), que pode ser determina pela mesma.

f) O indiciamento – ato formal realizado no inquérito policial ao delegado se convencer de que determinada pessoa é autora da infração penal. Antes do indiciamento, o sujeito é suspeito ou investigado. “O indiciamento é um juízo de valor da autoridade policial durante o decorrer das investigações e, por isso, não vincula o Ministério Público, que poderá, posteriormente, requerer o arquivamento do inquérito”, narram Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 62). “Em caso de futuro arquivamento ou absolvição, o desfecho deverá também ser comunicado à Secretaria de Segurança para que seja anotado na folha de antecedentes.” Para barrar o indiciamento, a peça mais comumente utilizada é o “habeas corpus”, com o argumento de que não há elementos suficientes para o indiciamento formal.

g) Art. 6º, VI – proceder a conhecimento de pessoas e coisas e a acareações: visa apontar o autor do crime, devendo ser feito pela vítima e testemunhas. O indiciado não pode se recusar participar dele, podendo ser conduzido coercitivamente (art. 260, CPP). Não se trata da questão de não produzir prova contra si mesmo. Isso é utilizado em “procedimentos ativos (prerrogativa de não fornecer material grafotécnico para perícia comparativa de escrita, por exemplo) ou invasivos (negar-se a fornecer amostra de sangue, por exemplo)”, alertam Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 63).
Deve seguir, no reconhecimento, o procedimento do Título “Das provas”, do CPP, do art. 226 ao 228.
Também os objetos podem ser reconhecidos, sejam os instrumentos do crime (arma de fogo, faca, pedaço de pau, etc), ou o próprio objeto material da infração penal.
Entende-se por acareação o confronto entre duas pessoas que prestaram depoimentos divergentes (arts. 229 e 230, CPP), que, além das testemunhas, pode ser entre o indiciado e a testemunha ou com a vítima. “Assim, essas pessoas devem ser colocadas frente a frente e questionadas a respeito da divergência. A autoridade, então, deverá lavrar o respectivo termo constando os esclarecimentos prestados pelos acareados, bem como se eles mantiveram as suas versões anteriores ou as retificaram”, escrevem Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 63).

i) Art. 6º, VII, CPP – determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias: Segundo o art. 158 do CPP, o exame de corpo de delito é indispensável para provar a materialidade em caso de crimes que deixam vestígio. Sua ausência gera nulidade da ação (art. 564, III, “b”, CPP).

j) Art. 6º, VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópio, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes: O art. 5º, LVIII, CF, dispõe que a pessoa civilmente identificada não será submetida à identificação criminal (datiloscópia e fotográfica).
A identificação civil é regulamentada pela Lei nº 12.037/2009, cujo rol de documentos é fornecido pelo art. 2º: “a) carteira de identidade; b) carteira de trabalho; c) carteira profissional; d) passaporte; e) carteira de identificação funcional; f) outro documento público que permita a identificação do indiciado (carteira de motorista, por exemplo).
Contudo, o art. 3º desta lei, estabelece que, mesmo que se apresente qualquer um dos documentos anteriores, deve haver a identificação criminal quando: “I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público e da defesa; V – constar registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais”.
Se houver identificação criminal, esta deve ser acostada aos autos do inquérito policial, assim como cópia do documento de identificação civil apresentado.
Se apresentar provas suficientes da sua identificação civil, o indiciado, ou réu, se não houver oferecimento de denúncia ou for rejeitada, ou for absolvido em definitivo, pode requerer desentranhamento do registro de identificação fotográfica, mediante apresentação de suficiente identificação civil, aponta o art. 3º da Lei n
º 12.037/2009.
Mesmo que tenham sido identificadas civilmente, pessoas envolvidas em ações praticadas por organizações criminosas podem ter de passar por identificação criminal, segundo o art. 5º, da Lei nº 9.034/1995.

k) Art. 6º, IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter: é importante para que o juiz, depois de os elementos e informação passarem pelo crivo do contraditório e da ampla defesa, tenha elementos para aplicar a pena base (art. 59, do CP), que deve se graduar segundo a conduta social, a personalidade, os antecedentes e as circunstâncias do crime, dentre outras.


CADEIA DE CUSTÓDIA
            O pacote anticrime, Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, introduziu no Código de Processo Penal, o art. 158-A a F, que versa sobre a cadeia de custódia. De pronto, ressalta-se que cadeia de custódia nada tem a ver, num primeiro momento, com prisão, mas “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear a sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte (art. 158-A, CPP)”.
            Num primeiro momento, se pode dizer que houve maior detalhamento dos atos do inquérito policial, porém, não só este, inclusos nos incisos I ao III do art. 6º, do CPP.
            Segundo o art. 158-A, § 1º, CPP, o início da cadeia de custódia se dá com a preservação do local do crime. O mesmo se pode dizer com relação a procedimentos policiais ou periciais em que se detectem vestígios de crime.
            Pelo art. 158-A, § 2º, CPP, o agente público, e não somente a autoridade policial, tem o dever de preservar os elementos que reconhecer como sendo de potencial interesse para produção de prova pericial.
            O vestígio citado no art. 158-A, § 1º, CPP, é definido pelo § 3º do mesmo artigo: “é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido que relaciona à infração penal”.

AS ETAPAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA

            Os incisos do art. 158-B definem as etapas da cadeia de custódia no rastreamento de vestígios:

I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;
III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;
IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;
V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;
VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial. (BRASIL, 2019)


DA COLETA DOS VESTÍGIOS NA CADEIA DE CUSTÓDIA

            Preferencialmente, os vestígios devem ser coletados por perito oficial (art. 158-C, CPP), que os encaminhará para a central de custódia, ainda que não haja necessidade de realização mais exames.
            O art. 158-C, § 1º, CPP, afirma que todos os vestígios coletados em sede de inquérito policial ou de processo devem ser tratados conforme descritos na legislação processual penal pertinente. O cumprimento e o detalhamento dos requisitos para o cumprimento dos procedimentos é o órgão central de perícia criminal oficial.
            Por força do art. 158-C, § 2º, CPP, é proibido entrar em locais isolados, ou remover vestígios de locais do crime sem que haja liberação pelo perito responsável. O não cumprimento do descrito acarreta no cometimento de crime de fraude processual.

DO ACONDICIONAMENTO DOS VESTÍGIOS NA CADEIA DE CUSTÓDIA

            O art. 158-D, CPP, determina que o recipiente para acondicionar o vestígio dependerá da sua natureza material. Assim, cada um dos recipientes deve ser devidamente lacrado, com numeração específica, em garantia à inviolabilidade e idoneidade do vestígio em transporte (art. 158-D, § 1º, CPP).
            O vestígio deve ser individualizado, de modo a preservar suas características, impedindo a sua contaminação e vazamento. O recipiente também deve ter resistência adequada e espaço para registrar informações sobre o seu conteúdo (art. 158-D, § 2º, CPP).
            A abertura do recipiente só pode ser realizada pelo perito que trabalhará na análise do vestígio e, se houver justificativa, outra pessoa autorizada (art. 158-D, § 3º, CPP).
            Cada rompimento do lacre deve ser registrado na ficha de acompanhamento do vestígio, com “o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado” (art. 158-D, § 4º, CPP).
            Atenção! Não se pode descartar o lacre rompido. O lacre rompido deve ser guardado dentro de um novo recipiente, ordena o art. 158-D, § 5º, CPP.


CENTRAL DE CUSTÓDIA DE GUARDA E CONTROLE DE VESTÍGIOS

            De acordo com o art. 158-E, “todos os institutos de criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios”. A gestão dessa central deve ser conectada, necessariamente, ao órgão central de perícia de natureza criminal oficial.
            As centrais de custódia devem possuir serviços de protocolo, tal como instalações adequadas para conferir, recepcionar e devolver materiais e documentos, de formar a se selecionar, classificar e distribuir materiais. O local deve ser um espaço seguro com condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio (art. 158-E, § 1º, CPP).
            As entradas e saídas de vestígios, nas centrais de custódia, devem ser protocoladas juntamente com informações do inquérito policial relacionado (art. 158-E, § 2º, CPP). Deve haver registro da data e hora de acesso, assim como a identificação das pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado (art. 158-E, § 3º, CPP).
            Se houver tramitação do vestígio armazenado, devem ser registadas todas as ações, identificando o seu responsável, a destinação, data e horário (art. 158-E, § 4º, CPP).
            Depois de realizada a perícia no vestígio, o mesmo deve ser devolvido à central de custódia, ficando nela armazenado, preceitua o art. 158-F, CPP. Dispõe o parágrafo único do art. 158-F, CPP, que se houver espaço ou condições de armazenar o material, a autoridade policial ou judiciária pode determinar quais seriam as condições de depósito do mesmo em outro local. O requerimento deve ser feito pelo diretor do órgão central de perícia oficial criminal.


RECONSTITUIÇÃO DO CRIME

            Dispõe o art. 7º, do CPP, que a reconstituição do delito é facultativa. Para se apurar como foi realizada a infração penal, pode ser levada a cabo, desde que não contrarie a moralidade ou ordem pública. O réu não é obrigado a participar da reconstituição do crime, pois não é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

PRAZOS NO INQUÉRITO POLICIAL

            O inquérito policial tem um prazo para o seu encerramento e varia conforme o procedimento. Segundo o art. 10, do CPP, no procedimento comum (regra), no inquérito policial realizado pela Polícia Civil (estadual), o prazo é de 10 dias improrrogáveis para indiciado preso (em flagrante ou preventiva), contados da data da prisão. Em se tratando de flagrante, o prazo será contado se o juiz receber a cópia do flagrante em 24 horas a contar da prisão e convertê-la em preventiva (art. 310, II, CPP). Aí, o prazo é contado a partir da prisão em flagrante. Entretanto, se entre a data da prisão em flagrante e a sua “conversão em preventiva passarem-se dois dias, o inquérito terá dois dias para ser finalizado”, alertam Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 58).
            Nos casos em que, após receber cópia do flagrante, o juiz concede liberdade provisória, o prazo para a conclusão do inquérito é de 30 dias.
            Na situação de o réu estar solto e for decretada sua prisão preventiva, o prazo de dias é contado a partir do cumprimento do mandado e não do seu decreto.
Se o indiciado estiver solto, o prazo é de 30 dias, “podendo ser prorrogados por vários períodos, havendo comprovada necessidade, desde que não incida prescrição”, afirma Rogério e Daniela Cury (2018, p. 24). O pedido de dilação do prazo deve ser formulado pela autoridade policial a ser encaminhado ao juiz, que ouve o membro do Ministério Público. O Ministério Público pode discordar e, se considera que há suficientes elementos de informação, pode já ajuizar denúncia ou “promover” o arquivamento do IP.
Porém, se o Ministério Público concordar, juiz pode deferir novo prazo a ser fixado por ele mesmo. O recurso do Ministério Público, titular da ação penal pública, se o juiz indeferir o pedido de prazo, é a correição parcial.
            Nos crimes de competência da Justiça Federal, comentam Rogério e Daniela Cury (2018, p. 24), “o prazo para encerramento do IP é de 15 dias, se o indiciado estiver preso, podendo o prazo ser prorrogado por mais 15 dias”, de acordo com art. 66, da Lei nº 5.110/96, a pedido fundamentado da autoridade policial e deferido pelo juiz que tomar conhecimento. Se estiver solto, o prazo é de 30 dias, segundo a mesma lei, prorrogáveis por igual período.
            Nos crimes relacionados da Lei de Drogas (nº 11.343/2006), o prazo é de 30 dias para indiciado preso, podendo ser duplicado (art. 51). E para indiciado solto é de 90 dias, também podendo ser duplicado (art. 51, parágrafo único).
            Em crimes contra a economia popular, o prazo é de 10 dias para indiciado preso ou solto.
            Em decretação de prisão temporária (Lei nº 7.960/89), seu prazo máximo de duração é de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco, se houver extrema complexidade e comprovada necessidade, nos crimes comuns, e de 30 dias, prorrogáveis por igual período, em crimes hediondos, tráfico de drogas, terrorismo e tortura. “Tais prazos, entretanto, referem-se à duração da prisão, e não da investigação. Assim, encerrado o prazo sem que a autoridade tenha conseguido as provas que buscava, poderá, após soltar o investigado, continuar com as diligências, ao contrário do que ocorre com a prisão em flagrante e a prisão preventiva, em que o prazo de 10 dias para o término do inquérito policial é fatal”, salientam Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves (2013, p. 58).
            Contudo, cabe um adendo com relação aos comentários acima. O pacote anticrime, que criou o juiz de garantias, lhe atribuiu em suas competências o seguinte:
Art. 3º-B (...)
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.’ (BRASIL, 2019)

            Num primeiro momento, cabe salientar que, em 23 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de alguns dispositivos do pacote anticrime, decidiu em caráter liminar a suspensão da eficácia de todos os dispositivos referentes ao juiz de garantias, inclusive, o art. 3º-B.

Leia a decisão completa do ministro Luiz Fux no link: https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf

            O prazo de 15 dias de prorrogação do inquérito policial disposto no art. 3º-B, § 2º, CPP, serve para todas as hipóteses acima, em sede de inquérito policial? A resposta aplicabilidade do dispositivo dependerá da interpretação doutrinária e, principalmente, jurisprudencial.
            Nos crimes militares, conforme o Código de Processo Penal Militar (CPPM), o prazo para indiciado preso é de 20 dias, e para indiciado solto é de 40 dias, prorrogáveis por mais 20 dias.


ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

            Com o advento da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que alterou a redação do artigo 28 do Código de Processo Penal, dentre outras providências, o arquivamento do inquérito policial passa a ser feito pelo Ministério Público. Na antiga sistemática, a função era do juiz.
            Assim, conforme a atual redação do artigo 28 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, ao realizar o arquivamento, deve comunicar o feito à vítima e ao investigado.
            Automaticamente, o representante do Ministério Público (promotor de Justiça, nos Estados, e Procurador da República, no âmbito federal) deverá encaminhar os autos do inquérito policial para a instância ministerial para a devida homologação do arquivamento.
            Em 30 dias da comunicação do arquivamento do inquérito policial, a vítima ou seu representante legal, em caso de discordância, pode requerer à instância do Ministério Público a revisão do feito. (art. 28, § 1º, CPP).
            Se for o caso de ação penal de crime que prejudique à União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial deve ser requerida pelo chefe do órgão do ente público interessado. (art. 28 § 2º, CPP).
            Note que a redação do artigo 28, § 2º, CPP, olvidou-se do ente federado “Distrito Federal”. Também não se mencionou o prazo para a chefia do ente público interessado manifestar-se contrariamente ao arquivamento do inquérito policial.
            Entretanto, a mesma cautelar deferida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia do art. 28, CPP, com redação dada pelo pacote anticrime, que alterou a sistemática do arquivamento do inquérito policial.
            Portanto, volta-se a analisar a antiga sistemática de arquivamento de inquérito policial, antes da entrada em vigor do pacote anticrime:
_______________________________________________________________
            O arquivamento do inquérito policial é feito pelo juiz, e não pela autoridade policial como muitos pensam. A requerimento do Ministério Público, o juiz pode fazê-lo, assim, ocorre o arquivamento direto. Se o juiz considerar impertinente o pedido do Ministério Público, pode remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça (art. 28, CPP), que pode designar outro Promotor de Justiça para agir em seu lugar (“longa manus”).
            Em crimes contra a economia popular (Lei nº 1.521/1951), há recurso de ofício pelo juiz por expressa previsão legal. Nos outros casos, não há recurso. Muito embora, às vezes, se defenda a impetração de mandado de segurança.
            Cabe correição parcial, se o juiz arquivar o inquérito policial sem o requerimento do Ministério Público, nos termos da Lei Complementar nº 3/69.
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            Mesmo na constatação de excludente de ilicitude (excludente de antijuridicidade ou causa de justificação) ou de excludente de culpabilidade, deve ser instaurado inquérito policial, visto que as mesmas devem apreciadas em juízo para a eventual decretação de improcedência de condenação, entendem Rogério e Daniela Cury (2018, p. 24).
            Em algumas situações, o arquivamento gera coisa julgada material, como, quando, reconhece causas extintivas de punibilidade (prescrição, decadência, “abolitio criminis”, por exemplo.).
            No entanto, geralmente, as decisões que determinam o arquivamento do inquérito policial “fazem coisa julgada formal, sendo possível, com o surgimento de novas provas, o desarquivamento do procedimento em questão (art. 18 do CPP)”, constatam Rogério e Daniela Cury (2018, p. 25).
            Segundo o art. 18 do CPP, pode haver desarquivamento do inquérito policial se surgirem novas provas, capazes de alterar o panorama dos elementos de informação. Deve ser essencialmente inovadora, e não apenas nova. De acordo com a Súmula 524, do Supremo Tribunal Federal (STF), se o inquérito policial for desarquivado sem novas provas, ocorre constrangimento ilegal.


Leia mais:
BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Resolução CNMP nº 181, de 7 de agosto de 2017. Disponível em: < http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-181.pdf > Acesso em: 13 mar. 2019.
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (CFOAB). Provimento nº 188, de 11 de dezembro de 2018, que regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em processos administrativos e judiciais. Disponível em: < https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018?search=investiga%C3%A7%C3%A3o%20defensiva&resolucoes=True&provimentos=True&Normativas=True > Acesso em: 14 mar. 2019.
CURY, Rogério; CURY, Daniela. Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
ISHIDA, Válter Kenji. Prática Jurídica Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


ANEXO

Provimento Nº 188/2018
terça-feira, 11 de dezembro de 2018 às 12:00
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 - Estatuto da Advocacia e da OAB, e considerando o decidido nos autos da Proposição n. 49.0000.2017.009603-0/COP, RESOLVE: 

Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.

Art. 2º A investigação defensiva pode ser desenvolvida na etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução processual em juízo, na fase recursal em qualquer grau, durante a execução penal e, ainda, como medida preparatória para a propositura da revisão criminal ou em seu decorrer.

Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:
I - pedido de instauração ou trancamento de inquérito; 
II - rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa; 
III - resposta a acusação;
IV - pedido de medidas cautelares; 
V - defesa em ação penal pública ou privada; 
VI - razões de recurso; 
VII - revisão criminal; 
VIII - habeas corpus; 
IX - proposta de acordo de colaboração premiada; 
X - proposta de acordo de leniência; 
XI - outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal. 
Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do advogado inclui a realização de diligências investigatórias visando à obtenção de elementos destinados à produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária. 

Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.
Parágrafo único. Na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo. 

Art. 5º Durante a realização da investigação, o advogado deve preservar o sigilo das informações colhidas, a dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas. 

Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados.
Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.

Art. 7º As atividades descritas neste Provimento são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.

Art. 8º Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário. 

Brasília, 11 de dezembro de 2018.

CLAUDIO LAMACHIA
Presidente
NILSON ANTÔNIO ARAÚJO DOS SANTOS
Relator
(DEOAB, a. 1, n. 1, 31.12.2018, p. 4-6)