terça-feira, 22 de novembro de 2011

Eficácia da Lei Penal quanto às Pessoas




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

            O Brasil adotou o princípio da territorialidade temperada (artigo 5º do Código Penal), desta forma lembrou os casos previstos em tratados, convenções e normas de Direito Internacional. Os tratados e convenções internacionais prescrevem a imunidade diplomática. Por outro lado, a fonte da imunidade parlamentar é a Constituição Federal de 1988.


1.   Imunidades diplomáticas

Fundamentam-se na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, acolhida no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964, com ratificação de 23 de fevereiro de 1965. Com este dispositivo, não se exclui o crime, muito menos a pena. Apenas, se estabelece que a competência para julgar é do país de origem do infrator (art. 29; art. 31, § 1º, art. 37, §§ 1º a 3º, Convenção de Viena).
Para estes fins, as embaixadas são consideradas território nacional (do país que a embaixada representa), sendo invioláveis, salvo se abrigar criminosos ou houver, nelas, prática de crimes.
Nos termos da Convenção de Viena, a imunidade agracia os diplomatas de carreira e sua família (art. 29, Convenção de Viena), os funcionários do quadro administrativo e técnico da sede diplomática (mas estes devem ter sido recrutados no país de origem) e seus familiares. São incluídos no rol os membros de organizações internacionais, ou a seu serviço, os diplomatas “ad hoc”, mais os chefes de estado e sua comitiva.
Desta feita, não podem ser presos, obrigados a testemunhar (art. 31, Convenção de Viena), porém, podem ser investigados pela polícia e devem respeito às leis locais de onde estão servindo. Esta proteção não abrange os empregados particulares dos agentes diplomáticos, mesmo estes sendo da mesma origem daqueles.
E com relação aos cônsules? Eles são agentes administrativos representantes de interesses de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Todavia, nada impede que se celebre tratado ou convenção internacional para lhes conferir imunidade com relação aos atos funcionais. Portanto, o cônsul-geral, o cônsul e o vice-cônsul e o agente consular, mais os funcionários consulares e integrantes do corpo técnico e administrativo do consulado, no exercício das suas funções, possuem imunidade diplomática, no exercício das suas funções consulares. Atenção: tal imunidade não se estende aos seus familiares e empregados particulares.


2.   Imunidades parlamentares

As imunidades parlamentares fundamentam-se no artigo 53 da Constituição Federal. São certas prerrogativas conferidas aos membros do Poder Legislativo brasileiro, com o intuito de assegurar o livre exercício de representantes populares.
As imunidades parlamentares absolutas (inviolabilidades ou imunidades penais) – natureza material ou substantiva – são inerentes ao mandato, com previsão no caput do artigo 53 da Constituição Federal, conferindo-lhe inviolabilidade por palavras, votos e opiniões no exercício da função, mesmo após o término da legislatura (eficácia temporal absoluta e perpétua). São irrenunciáveis. Então, o inquérito policial e a ação penal sequer se iniciam, mesmo que o parlamentar consinta.
No entanto, se houver corréu do crime, a imunidade não se estende ao mesmo, nos termos da Súmula 245 do Supremo Tribunal Federal. Importante frisar que, segundo a Emenda Constitucional nº 35/2011, a imunidade também se estendeu a atos civis, o que lhe impede ser processado por danos materiais ou morais, no exercício do mandato, por opiniões, palavras ou votos.
Os §§ 1º ao 6º do artigo 53 da Constituição Federal versam sobre as imunidades parlamentares relativas (formais ou processuais), cuja eficácia temporal é limitada (proteção no exercício do mandato): a-) prerrogativa de foro (art. 53, § 1º, CF) – Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal; b-) prisão (art. 53, § 2º, CF) – desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável[1], daí não pode ser preso por crime afiançável; c-) ao processo (art. 53, § 3º, CF) – recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros (absoluta), poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação que, enquanto durar o mandato, suspende o prazo prescricional (art. 53, § 5º, CF).[2]
Na vigência de Estado de Sítio – artigos 137 a 141 da CF -, permanecem em vigor as imunidades penais (absolutas ou relativas). Só podem ser suspensas segundo os ditames do artigo 53, § 8º, da Constituição Federal, ou seja, “voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.
A respeito dos deputados estaduais, nos termos do artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, conferem-se as mesmas imunidades parlamentares.
Os vereadores possuem apenas imunidade absoluta (material) por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município (artigo 29, VIII, da Constituição Federal). Por não terem imunidade relativa (processual), podem ser presos em flagrante por crimes afiançáveis ou inafiançáveis. E deliberação da Câmara de Vereadores não tem o condão de suspender o processo.
A imunidade material torna a conduta atípica.


[1] Os autos são enviados em 24 horas à Casa Legislativa à qual pertence o parlamentar que, por meio de maioria dos membros (absoluta) decide sobre a prisão. Igualmente, não cabe outro tipo de prisão, seja cautelar ou civil.
[2] O pedido de sustação será apreciado pela respectiva casa no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora (artigo 53, § 4º, CF).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO


 

Prof. Ms. Roger Moko Yabiku[1]




1.   1. Lei Penal no Tempo

Refere-se a quando a Lei Penal entra em vigor. Em regra, aplica-se lei penal vigente aos fatos ocorridos na sua vigência (tempus regit actum). No entanto, podem existir conflitos de leis no tempo, objeto de estudo do Direito Intertemporal.


1.1.        Abolitio criminis

A Lei Penal nova deixa de considerar crime determinada conduta (artigo 2º, CP), fazendo desaparecer os efeitos penais, sejam principais e acessórios, porém não os civis. Assim, declara-se inexistente a condenação, retira-se o nome do condenado do rol dos culpados, em virtude da retroatividade da Lei Penal.
      Segundo o artigo 107, III, do Código Penal, tem natureza jurídica de causa extintiva de punibilidade. Fundamenta-se no fato de o Estado não ter mais interesse em punir o sujeito, visto que a sociedade não considera a conduta ofensiva aos seus valores.


1.2.        Novatio legis in mellius

A previsão legal está no artigo 2º, parágrafo único do Código Penal. A Lei Penal nova, embora não retire o caráter criminoso da conduta, favorece de qualquer forma o acusado, retroagindo a seu favor. Tem natureza jurídica de norma aplicativa.


1.3.        Diferença entre abolitio criminis e novatio legis in mellius

A abolitio criminis tem como efeito tornar o fato atípico, ab-rogando a lei penal anterior. Já a novatio legis in mellius modifica a lei penal anterior, mantendo a incriminação da conduta, porém beneficiando de qualquer outra maneira o acusado.


1.4.        Novatio legis incriminadora e novatio legis in pejus

Na novatio legis incriminadora, Lei Penal nova considera crime determinada conduta, porém, em seus efeitos, será irretroativa, pois é mais prejudicial ao infrator. Já a novatio legis in pejus não incrimina a conduta, porém, agrava a situação do acusado, portanto, seu efeito será irretroativo.


1.5  . Lei penal no tempo e norma penal em branco

Se a normal penal em branco for homogênea, obrigatoriamente incide a retroatividade da Lei Penal mais benéfica. Porém, no caso da norma penal em branco heterogênea, se o seu complemento for editado em caráter de excepcionalidade, não há retroatividade da lei mais benéfica. Entretanto, se o complemento da norma penal em branco heterogênea não for execepcional – ou seja, editado em situação de normalidade – retroage a Lei Penal mais benéfica.

1.6  . Leis ultra-ativas

As leis intermitentes – temporárias e excepcionais – estão previstas no artigo 3º do Código Penal. A lei temporária vigora dentro de período previamente fixado pelo legislador, depois disso é revogada. Já a lei excepcional vigora enquanto permanecer situação anormal – cessada a situação que a determinou, é revogada. Nos dois casos, são autorrevogáveis, ou seja, sua revogação é automática. Mesmo que sejam autorrevogadas, continuam a ser aplicadas aos fatos ocorridos no período da sua vigência.


            1.7. Retroatividade ou irretroatividade da Lei Penal mais benéfica?
           
Em virtude do prolongamento da consumação da conduta no tempo, aplica-se a lei penal nova mais severa nos crimes permanentes. Nos casos de crimes continuados, se os crimes foram praticados em sua vigência, aplica-se a lei penal nova mais severa. Atente-se à Súmula 711, do Supremo Tribunal Federal (STF): A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Se o agente continuar a reiterar as condutas, nos crimes habituais, aplica-se a lei penal nova mais severa. Com relação às medidas de segurança, se forem prejudiciais, não podem ser aplicadas.

           


2.   Tempo do crime

Este estudo visa descobrir o momento da realização do crime, para resolver problemas relacionados à aplicação da lei penal, com a imputabilidade, a prescrição e a anistia, por exemplo.


2.1. Teorias da atividade, efeito (ou resultado) e mista (ou ubiquidade)

Segundo a teoria da atividade, o crime se realiza no momento da ação ou omissão. Pela teoria do efeito (ou resultado), o crime se realiza no momento do resultado. Segundo a teoria mista (ou ubiquidade), realiza-se o crime seja no momento da ação ou omissão ou do resultado. O Brasil, nos termos do artigo 4º, do Código Penal, adotou a teoria da atividade, por ser considerada a que mais se conecta à vontade do agente.


3.   Contagem de prazos

O prazo penal conta-se da seguinte forma: inclui-se o dia do começo, independentemente da hora, ou se é domingo ou feriado, excluindo-se o dia do vencimento (artigo 10º, do Código Penal). Já o prazo processual penal, segundo o artigo 798, § 1º, do Código de Processo Penal exclui o dia do começo e inclui o dia do vencimento.
Se o Código Penal e o Código de Processo Penal versarem sobre a mesma matéria – como a decadência, por exemplo, artigos 103, do Código Penal, e 38 do Código de Processo Penal – a contagem que for mais favorável ao réu prevalecerá. No caso, o prazo penal.
O prazo penal, no seu decurso, tem como efeito a extinção do Direito de punir do Estado, pois tem como objetivo que tanto mais breve, mais favorável ao réu, não pode, inclusive, ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente. O decurso do prazo processual penal não acarreta na perda do Direito de punir do Estado, tendo sempre em mente, no objetivo da sua aplicação: quanto mais longo, melhor para o réu, podendo findar no primeiro dia subseqüente se não houver dia correspondente ao início do prazo (Súmula 310, do STF).
De acordo com a Lei 810/49, a contagem dos dias, meses e anos são feitas pelo calendário gregoriano (comum). Nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, desprezam-se as horas no cômputo da pena.



4.   Lei Penal no Espaço

4.1. Territorialialidade

Estuda-se o lugar em que incide a Lei Penal. No Brasil, vige o princípio da territorialidade temperada (artigo 5º, do Código Penal), ou seja, predominantemente a territorialidade é a regra, com algumas exceções.[2] Por princípio da territorialidade, entende-se que a Lei Penal de um Estado é aplicada aos crimes cometidos em seu território.

           
4.2. Extraterritorialidade incondicionada e condicionada

Em se tratando de extraterritorialidade, ou seja, aplicação da Lei Penal brasileira aos crimes ocorridos no exterior, há de se falar em extraterritorialidade incondicionada e incondicionada.
Como o próprio nome diz, na extraterritorialidade incondicionada não há condição. Mesmo que haja condenação ou absolvição no exterior, aplica-se a Lei Penal Brasileira. Se a pena da Lei Penal estrangeira for diferente da pena cominada na Lei Penal brasileira, atenua-se, aqui, a pena imposta pelo mesmo crime. Todavia, se pena é idêntica, computa-se a pena cumprida no exterior ao sê-la cumprida no Brasil.
            Alguns casos de aplicação da extraterritorialidade incondicionada – princípio da proteção ou defesa real (considera a nacionalidade do bem jurídico lesado): crimes contra a vida do Presidente da República e crimes contra a liberdade do Presidente da República, crimes contra o patrimônio da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, Territórios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, crimes contra a fé pública da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, Territórios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, crimes contra a administração pública (por parte de quem estiver a seu serviço); princípio da justiça universal (criminoso julgado e punido onde cometeu o crime) – crime de genocídio em caso de agente brasileiro ou domiciliado aqui.
            Já na extraterritorialidade condicionada, requer-se a entrada, no território nacional, do agente que cometeu o crime, que o fato – no país em que foi praticado – também seja punível, que o crime esteja no rol daqueles que a Lei Penal brasileira autoriza a extradição, que o agente não tenha sido absolvido ou cumprido pena no estrangeiro, que o agente não tenha sido perdoado ou tenha a sua punibilidade extinta, nos termos da Lei Penal (brasileira ou estrangeira) mais favorável.
            Ainda com relação à extraterritorialidade condicionada, há mais outras condições se o crime for cometido por brasileiro no estrangeiro: não ter pedida sua extradição ou, se foi pedida, ter sido negada, requisição do ministro da Justiça.
            Situações de aplicação da extraterritorialidade condicionada: princípio da justiça universal – crimes previstos em tratados ou convenções internacionais que o Brasil se obrigou a reprimir (artigo 7º, II, “a”, do Código Penal); princípio da nacionalidade passiva (Lei do Estado só é aplicada se o agente cometeu crime no exterior que ofenda bem jurídico no seu próprio Estado ou de um patrício, ou concidadão) – crimes praticados por estrangeiro fora do território brasileiro contra brasileiro; princípio da nacionalidade ativa (Lei é a do país do sujeito ativo) – crimes praticados por brasileiro; princípio da representação (Lei Penal deve ser aplicada aos crimes praticados em embarcações ou aeronaves brasileiras privadas quando em território estrangeiro e nele não forem julgados).


4.3. Território por extensão
           
            As aeronaves e navios públicos ou privados são considerados, por extensão, território brasileiro. Aí, incidem algumas regras. Se o crime foi cometido em navio ou aeronave pública, aplica-se a lei do pavilhão ou da bandeira. Em se tratando de crime cometido em navio ou aeronave privada, aplica-se a lei local, se em mar territorial estrangeiro, ou a lei da bandeira, se estiver em alto-mar. Se o crime for cometido em barco-salva vidas ou nos destroços de um navio naufragado, aplica-se a lei da bandeira.
            A competência para julgar crimes cometidos a bordo de navios de grande porte – e também contra a segurança do transporte marítimo – é da Justiça Federal. Porém, se for o crime cometido em embarcação de pequeno porte ou em área de fronteira, desde que não prejudique bens, serviços ou interesses da União – a competência é da Justiça Estadual.


5.   Lugar do crime

Seu estudo serve para resolver problemas relativos a crimes à distância – conduta realizada num país e resultado, em outro. As teorias aplicáveis são: atividade – lugar do crime é onde ocorreu a ação ou omissão; efeito (ou resultado) – lugar do crime é onde se produziu ou se deveria produzir resultado; ubiquidade – onde houve ação ou omissão e onde se produziu ou se deveria produzir resultado é o lugar do crime (artigo 6º, do Código Penal), com a aplicação, na punição, do artigo 8º do Código Penal.
Há de se salientar, porém, que nos Juizados Especiais Criminais (Jecrim), vale a teoria da atividade. Nos casos de tentativa, o lugar do crime é o local onde foram praticados os atos de execução (ou executórios) ou onde deveria ter sido produzido o resultado.


6.   Competência

Se a conduta for realizada no Brasil e o resultado, do crime consumado ou tentado, for no exterior, a competência é o do local do último ato executório no território nacional. Mas se a conduta for no exterior e o resultado, em crime consumado, for no Brasil, a competência é o do local do resultado. Entretanto, se a conduta for realizada no exterior e o resultado, em crime tentado, ocorrer no Brasil, a competência é o do local onde deveria ter ocorrido o resultado. E nos crimes plurilocais (conduta numa comarca e consumação em outra)? Segundo o artigo 70, do Código de Processo Penal (CPP), é o juízo da consumação do crime.






[1] Advogado, jornalista e professor universitário. Bacharel em Direito e Jornalismo, Graduado pelo Programa Especial de Formação de Professores de Filosofia, Pós-Graduado MBA em Comércio Exterior, Pós-Graduado Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal, Mestre em Filosofia (Ética). e-mail: ryabiku@adv.oabsp.org.br
[2] Exceções: extraterritorialidade – aplicação a Lei Penal brasileira a crimes ocorridos no exterior; intraterritorialidade – possibilidade de a Lei Penal estrangeira ser aplicada aos crimes cometidos no Brasil.