quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A intolerância e o predomínio da paixão na política: o começo do início ou o início do fim

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"Entendida como uma atitude ou estado de espírito, a tolerância descreve algumas possibilidades. A primeira delas, que remonta às origens da tolerância religiosa nos séculos XVI e XVII, é simplesmente uma resignada aceitação da diferença para preservar a paz. As pessoas vão se matando durante anos e anos, até que, felizmente, um dia a exaustão se instala, e a isso denominamos tolerância." (WALZER, Michael. "Da tolerância." São Paulo: Martins Fontes, 1999)
Num primeiro momento as pessoas se matam até se cansarem da carnificina. Daí, se instala a tolerância.
Haveria necessidade disso, no Brasil? Grupos se polarizaram em torno de uma "guerra santa", e cada um deles se considera o mais correto, o mais justo e o mais abençoado, tal como se cada um deles fosse o povo fustigado, porém, escolhido pela divindade para prevalecer no País.
A ideologia político-partidária converteu-se em religiões civis, não no sentido de "culto" às instituições do Estado, conforme Jean-Jacques Rousseau, mas em facções que se digladiam pelo poder, em nome de uma pretensa moralidade.
As facções se mobilizam pelas redes sociais numa velocidade espantosa, aglutinando cada vez mais indivíduos que são absorvidos pelo pensamento em rede.
Divergir é seguir contra a maré. A reflexão de ordem mais crítica torna-se ofensa. O importante é sentir-se parte de algo para disfarçar a solidão cotidiana ou mesmo qualquer tipo de frustração.
O outro, que pertence a outra facção, é o objeto do desrecalque. É nele, qualquer um que seja, que será objeto da ira e das mágoas contidas, no qual se despejará o ódio irracional canalizado em nome de uma "causa".
Em nome da pátria, ou em nome de um classe social, de uma denominação religiosa, dos incluídos ou dos excluídos, quem sejam, o desejo de descontar o ódio é muito grande.
E isso se manifesta de maneira irracional e intolerante onde quer que se passe.
Os membros das facções não toleram que não se filie a um lado ou outro. Caso assim se opte, simplesmente, utilizam o argumento de que a neutralidade é assumir "o outro lado".
Abandona-se a razão, para aderir à paixão. Paixão, num certo sentido, não seria o encantamento dos enamorados, mas, no sentido original, no grego "pathos", seria doença. Algo que ofuscaria a razão.
"Há um problema oculto no centro das atuais discussões sobre o nacionalismo, a política de identidade e o fundamentalismo religioso. Esse problema é a paixão. Os adversários desse fenômeno temem a retórica veemente, o engajamento impensado e a ira contra os opositores, que eles associam ao surgimento dos homens e mulheres impetuosos na arena política. Associam paixão à identificação coletiva e à crença religiosa - ambas as quais levam as pessoas a agir de maneira que não podem ser previstas por nenhuma explicação racional de seus interesses e que não decorrem de nenhum conjunto de princípios racionalmente defensáveis.
Os interesses podem ser negociados, os princípios podem ser debatidos e as negociações e debates são processos políticos que, tanto na prática quanto na teoria, estabelecem limites sobre o comportamento de todos os que deles participam. Mas, de acordo com aquele ponto de vista, a paixão não conhece limites e varre tudo à sua frente. Diante da contradição ou do conflito, ela exige inexoravelmente soluções violentas. A política propriamente dita, a política em sua versão razoável e liberal, é um assunto a ser discutido com calma (...). A paixão, ao contrário, é impetuosa e sem mediação; é tudo ou nada." (WALZER, Michael. "Política e Paixão - rumo a um liberalismo mais igualitário. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 161-162)
É esse tudo ou nada, nos termos de Walzer, que torna a paixão na política um barril de pólvora que tem como consequência bilhões de vítimas.
A paixão ilimitada que varre tudo à frente não conhece limites e, não raro, resolve os conflitos ou contradições na violência verbal ou física.
A elegância da política liberal, com seus argumentos pretensamente racionais, se perde diante da selvageria instalada a pretexto de se defender uma vida melhor, dentro de trincheiras imaginárias, que, invariavelmente, levam as pessoas a lutarem umas contra as outras com tamanha voracidade que relacionamentos de anos, como os de família ou de amizade, sejam destroçados em questões de segundos.
Sem a devida reflexão racional acerca dos problemas, na busca de soluções reais e concretas, pautadas na reflexão científico-filosófica, o baixo nível das discussões prevalecerá.
Já diziam os antigos gregos, como Aristóteles, que as paixões não devem se sobrepor à razão. Caso contrário, os vícios se instalariam em vez da virtude.
As formas de governo, para ele, seriam cada vez mais aperfeiçoadas quanto o fossem em nível de razão, justiça e amizade.
Hoje, parece tudo o contrário. A democracia tende a converter-se na sua forma degenerada, a demagogia, na qual impera, não a vontade racional do povo, mas a irracionalidade, a injustiça e a inimizade.
Quem sabe, pode ser o início de algo muito bom e novo. Ou, simplesmente, pode ser o início do fim.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Sobre as eleições presidenciais de 2018



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Independentemente de quem tenhamos votado, o que nós brasileiros devemos lembrar, principalmente, nos dias de hoje, é o que diz a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
O fato de o seu candidato ter ganhado a eleição não lhe confere os poderes de violar os direitos de quem quer que seja. Se você é evangélico, como eu, isso não lhe dá o direito de ser intolerante ou desrespeitar a religião alheia, poís o Estado Brasileiro é laico.
E, creio eu, na minha ignorância, que Cristo não pregou a perseguição de quem é diferente ou pensa de maneira diferente. Quando ele disse que era para amar o inimigo como a si mesmo, penso que quis dizer para amar quem é diferente, inclusive, quem pensa diferente, quem vota diferente, quem ama diferente e quem tem religião diferente.
Quem é de esquerda não pode ser perseguido simplesmente pelo fato de ser de esquerda. Quem é de direita não pode ser perseguido simplesmente pelo fato de ser de direita. Isso não é democracia. Isso é guerra tribal.
O diferente deve ser tolerado. Porém, há limites com relação a isso. Se a intolerância se mostrar prejudicial à existência da coletividade, medidas devem ser tomadas. Mas tudo dentro da lei.
Quem diz agir, em nome de candidato "A" ou "B", para promover espancamento coletivo, homicídio ou destruição da propriedade alheia não é patriota. É criminoso. Espancar alguém, em grupo, de modo que impossibilite a defesa da vítima ou por motivo fútil ou torpe é circunstância agravante da pena, nos termos do art. 61, do Código Penal.
Caso incida em morte, por motivo fútil ou torpe ou meio que impossibilite a defesa da vítima, é homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, I, II e II, do Código Penal. Além disso, é crime hediondo.
O crime de "ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato relativo a ele" é assim definido pelo Código Penal:
"Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência."
Tudo isso é crime. As atuais autoridades e as autoridades eleitas devem coibir essas atividades e fazer valer a lei penal contra os criminosos.
A lei deve ser aplicada para todos e não só para quem votou no outro candidato ou quem pensa de maneira diferente, tem religião diferente ou o que quer que seja.
Votar no candidato vencedor não é cláusula excludente de responsabilidade jurídica. Você não pode fazer o que quiser. Só o pode na medida da lei. Se cometer crime, deve ser processado e, eventualmente, preso.
É assim que funciona uma democracia. É dessa forma que deve ser um Estado Democrático de Direito. A lei vale para todos, inclusive, para aqueles que ocupam os cargos mais importantes do Estado.
Tem que ser brasileiro todos os dias, com fidelidade ao Direito, às leis e à vontade das pessoas que elas representam.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

FONTES DO DIREITO DO TRABALHO E HIERARQUIA DE NORMAS


Fonte é de onde emana o Direito, sendo o fundamento de validade e exteriorização do mesmo. Em termos materiais, só a União pode legislar, conforme a Constituição Federal de 1988, a respeito de Direito do Trabalho, não havendo competência dos Estados-Membros, do Distrito Federal ou dos Municípios inovar originariamente a respeito do tema.
A respeito das fontes, dos §§ 1º a 3º, do artigo 8º da CLT, há a seguinte disposição:

“Art. 8º (...)
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”

O direito comum constante no art. 8º, § 2º, trata-se do Direito Civil e do Direito Comercial.
Jurisprudência são as decisões reiteradas dos tribunais. Não são decisões isoladas ou tomadas por um ou outro magistrado. Há um colegiado por trás das mesmas, o que reforça a necessidade de unidade e uniformidade na apreciação das questões pelo Poder Judiciário. Súmulas são como resumos das jurisprudências dominantes nos tribunais. A jurisprudência, incluindo as súmulas, não são obrigatórias para os membros do Poder Judiciário.
Porém, somente as súmulas vinculantes são obrigatórias para os poderes executivo, legislativo e judiciário, autarquias, empresas públicas, dentre outras, de todas as pessoas políticas da Federação, nos termos do art. 103-A, da Constituição Federal de 1988:
“O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir da sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como fazer a sua revisão ou cancelamento na forma estabelecida em lei”, ensina Sérgio Pinto Martins (p. 29).
De acordo com Sérgio Pinto Martins (p. 30), as fontes do Direito do Trabalho são: Constituição, leis, decretos, costumes, jurisprudência, sentenças normativas, acordos coletivos de trabalho, convenções coletivas de trabalho, regulamento de empresa e contratos de trabalho.
No arcabouço normativo, a norma fundamental, a mais importante, é a Constituição. Ela dá fundamento e validade a todo o ordenamento jurídico, segundo o jusfilósofo austríaco Hans Kelsen. Portanto, todas as demais normas lhes devem conformidade e subordinação.
Em seguida, vêm as leis – produções do poder legislativo. No Brasil, a grosso modo, há as leis complementares e as leis ordinárias. Para alguns autores, as leis complementares (por serem mais difíceis de serem alteradas) estariam num patamar superior às leis ordinárias. Ademais, as leis ordinárias seriam as normais mais comuns no Direito do Trabalho, tanto que a CLT, atualmente, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei ordinária.
O Poder Executivo também expede atos normativos. Antigamente, editava decretos-leis, tal como a própria CLT. Atualmente, pode elaborar Medidas Provisórias, com força de lei por 60 dias (com uma prorrogação), até ser aprovada ou rejeitada pelo Poder Legislativo. O chefe do Poder Executivo pode emitir decretos, para regulamentar ou dar concreção a leis, não podendo extrapolar, entretanto, a legalidade. Os órgãos do Poder Executivo também podem expedir portarias, ordens de serviço, resoluções, dentre outros atos.
Quando o dissídio coletivo de trabalho termina de maneira “amigável”, dá-se origem a um acordo coletivo de trabalho ou a uma convenção coletiva de trabalho. No entanto, quando o dissídio coletivo não se compõe dessa maneira, vai para julgamento dos tribunais trabalhistas, que proferem sentenças normativas, estabelecendo normas e condições de trabalho às partes envolvidas.
Como dito no parágrafo anterior, se o dissídio coletivo de trabalho se resolver amistosamente, surgem a convenção coletiva de trabalho e a convenção coletiva de trabalho. O artigo 611, da CLT, conceitua: “convenções coletivas são negócios jurídicos firmados entre dois ou mais sindicatos sobre condições de trabalho, tendo de um lado o sindicato patronal e do outro o sindicato dos trabalhadores”.
Já o § 1º, art. 611, da CLT, define “acordos coletivos de trabalho como ajustes celebrados entre uma ou mais de uma empresa e o sindicato da categoria profissional a respeito de condições de trabalho”.
Sobre a preponderância da lei, da convenção coletiva de trabalho ou do acordo coletivo de trabalho, discorrer-se-á mais à frente, ao se abordar hierarquia de normas e princípios do Direito do Trabalho.
Os regulamentos de empresa são fixados pelo empregador, sendo fonte extraestatal, autônoma. Compreendem os procedimentos operacionais padrão, os códigos de ética, as ordens de serviço, dentre outras normas elaboradas pelas empresas.
Os contratos de trabalho estabelecem regras com condições de trabalho, firmando direitos e deveres para o empregador e empregado.
Os usos e costumes, quando reiterados, passam a ser fontes de direitos e obrigações. A gratificação de Natal era uma liberalidade dada pelos empregadores. Porém, com sua habitualidade passou a ter natureza salarial.
O Direito é um sistema e como tal possui princípios que o regem, dentro de uma ordem. Para dar coerência, coesão e unidade ao sistema, o jusfilósofo Hans Kelsen elaborou uma hierarquia de normas, cujos patamares inferiores devem obedecer os patamares superiores, sob pena de invalidade.
Trata-se de organizar e fundamentar o Direito conforme um critério de validade ou invalidade, tendo como norma referencial a Constitução. Assim,  num primeiro momento, a hierarquia de normas, no Direito do Trabalho, do patamar inferior aos patamares inferiores se dá na seguinte escala:

- Constituição Federal
- Lei Complementar
- Lei Ordinária
- Atos normativos do Poder Executivo
- Sentenças normativas / acordos ou convenções coletivas de trabalho
- Jurisprudência
- Regulamento de empresa e contratos de trabalho
- Usos e costumes

Quando se segue essa hierarquia, com os patamares inferiores curvando-se aos superiores, as normas são válidas, ou seja, constitucionais. Se não observam essa hierarquia, as normas são inválidas, inconstitucionais. Trata-se de um critério de justiça legal, e não moral.
  

BIBLIOGRAFIA

MARTINS, Sérgio Pinto. “Direito do Trabalho”. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SILVA, Homero Batista da. “Comentários à reforma trabalhista: análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo.” 2. ed. rev. atua. São Paulo: RT, 2017.




quarta-feira, 14 de março de 2018

CONCEITO E HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO



Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

“Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas”, ensina Sérgio Pinto Martins (p. 25)
Embora haja normas cogentes (de Direito Público no Direito do Trabalho), há a predominância de normas dispositivas (de Direito Privado). Dessa maneira, hoje os doutrinadores entendem o Direito do Trabalho como um ramo do Direito Privado.
A principal norma trabalhista é a Consolidação das Leis do Trabalho.

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Agora, um pouco de história. Durante muito tempo, perdurou na humanidade a escravidão. Geralmente, a escravidão se dava em virtude de dívidas, ser feito prisioneiro de guerra ou em naufrágio. A escravidão exclusivamente pela cor da pele é algo relativamente moderno, inaugurado no continente americano.
Juridicamente, o escravo não tinha o “status” de pessoa, de sujeito de Direito. Era considerado coisa, não tinha direitos, podia ser comprado, vendido, maltratado, não tinha salário, personalidade, muito menos benefícios de ordem trabalhista.
Com o advento do feudalismo, durante a Idade Média, a vida nas cidades praticamente desapareceu. As pessoas passaram a se concentrar na zona rural. Os servos da gleba não eram escravos, porém, a situação era de como se estivessem acoplados às terras onde viviam, geralmente pertencentes a um Senhor Feudal. Os servos deveriam pagar parte significativa da sua produção rural aos Senhores Feudais, em troca de proteção militar e política e o uso da terra.
No começo da Idade Moderna, os antigos servos da gleba fogem do campo e vão para a cidade, onde se tornam burgueses. Acostumados com o trabalho, se tornam empreendedores e dão início ao capitalismo. Nas cidades também surgem as corporações de ofício, compostas por mestres, companheiros e aprendizes.
Os donos das oficinas eram os mestres, que detinham todo o conhecimento da profissão. Os companheiros recebiam salários dos mestres. E, entre 12 e 14 anos, os aprendizes aprendiam com os mestres uma profissão. Se fosse aprovado, passava a companheiro. Se o companheiro conseguisse realizar uma obra mestra, se tornaria um mestre.
A Revolução Francesa, em 1789, dilapidou as corporações de ofício, pois se concebia que as mesmas eram incompatíveis com a liberdade humana.
Já no século XIX, a burguesia já está sacramentada como classe dominante e surge uma nova: o proletariado. O proletariado nada tem, além da sua força de trabalho. No entanto, o liberalismo econômico sem limites faz com que haja exploração do proletariado.
Diversos setores da sociedade passaram a se preocupar com isso. A Igreja Católica lançou-se contra as péssimas condições laborais e o tratamento desumano do proletariado com as encíclicas “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII (1891), “Quadragesimo Anno” e “Divini Redemptoris”, de Pio XI; “Mater et Magistra”, de João XXIII, “Populorum Progressio”, de Paulo VI; “Laborem Exercens”, de João Paulo II (1981).
Além da direita religiosa, a esquerda também denunciou as péssimas condições a que eram submetidos os proletários. Autores como Karl Marx e Friedrich Engels construíram a base do chamado socialismo científico, denunciando a sociedade de classes. Mikhail Alexander Bakhunin, Piort Kropotkin, dentre outros, sistematizaram o anarquismo contemporâneo.
Tais movimentações começaram a alertar os Estados Nacionais acerca desta questão. Com o chamado Constitucionalismo Social, o Direito do Trabalho passou a ser inserido nas cartas magnas dos Países, paulatinamente.
A Constituição Mexicana, de 1917, foi a pioneira. Seu art. 123 previa: jornada de 8 horas, limitação ao trabalho de menores de 12 anos, jornada de 6 horas para menores de 16 anos, jornada noturna de no máximo 7 noras, proteção à maternidade, salário mínimo, direitos sindicais e de greve, seguridade social e proteção contra acidentes de trabalho.
Em 1919, a Constituição da República de Weimar, autorizou a associação dos trabalhadores e criou um sistema de seguros-sociais.
Em 1919, é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, mais tarde, seria incorporada pela Organização das Nações Unidas.
Com a “Carta del Lavoro”, de 1927, na Itália, institucionalizou-se o corporativismo de linhagem fascista. Isso influenciou Portugal, Espanha e Brasil. Nesse sistema, o Estado é centralizado e interfere na vida das pessoas, tendo a economia girando em seu redor. A “Carta del Lavoro” instituía o sindicato único (que até hoje prevalece), o imposto sindical (diferente de contribuição sindical), a representação classista, e a proibição da greve e do “lock out” (greve do empregador).
No Brasil, com o ditador Getúlio Vargas, a partir de 1930, começam a surgir as primeiras normas trabalhistas, editadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com regulamentação de profissões, trabalho das mulheres (1936), dentre outros assuntos.
Em 1939, é criada a Justiça do Trabalho. Num primeiro momento, ela é atrelada ao Poder Executivo. Somente com a redemocratização do País, depois da era Vargas, que a Justiça do Trabalho passou ao Poder Judiciário propriamente dito.
A Constituição brasileira de 1937, inspirada no corporativismo da “Carta del Lavoro” e na autoritária constituição polonesa, declarou explicitamente no seu art. 140 que se organizava a economia em corporações. Essas corporações seriam órgãos do Estado, com função delegada do Poder Público. É também dessa época o sindicato único, criado por lei, ligado ao Estado, com funções delegadas do poder público, com possibilidade de intervenção estatal.
Também se criou o imposto sindical (não confundir com contribuição sindical), tendo o Estado participação com relação ao total arrecadado.
Os tribunais do trabalho ganharam competência normativa para monopolizar as negociações, evitando o entendimento direto entre os empregados e empregadores. A Carta de 1937 proibiu a greve e o “lock out”.
Já em 1943, Getúlio Vargas promulga o Decreto-Lei nº 5.442, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o principal estatuto jurídico do trabalho subordinado.
A Constituição de 1946 trouxe a participação dos empregados nos lucros e resultados, descanso semanal remunerado, estabilidade, direito de greve, por exemplo.
A Constituição Federal de 1988, em vigor, dispõe sobre os direitos trabalhistas dos artigos 7º a 11.
Aliás, a Magna Carta de 1988 elenca em seu artigo 6º os direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, transporte, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados.
Com Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, houve uma grande reforma na CLT, alterando aproximadamente 100 artigos, o que vem causando controvérsias não só na opinião pública, mas também na aplicação pelo Poder Judicário.
Ainda no mesmo ano, ocorreram novas alterações com a Medida Provisória nº 808/2017.


BIBLIOGRAFIA
MARTINS, Sérgio Pinto. “Direito do Trabalho”. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.







quarta-feira, 7 de março de 2018

Ramos do Direito

Prof. Ms. Roger Moko Yabiku


Numa visão mais didática que prática, o Direito pode ser dividido em ramos. Explica-se. O Direito deve ser visto como um sistema com várias interações entre seus diversos segmentos, visando a sua unidade. No entanto, para fins de ensino, o Direito é dividido em ramos.
Primeiramente, se divide em Direito Natural e Direito Positivo. O Direito Natural é uma noção de que existem princípios de Justiça oriundos de uma ordem cósmica e/ou divina, superiores aos regramentos dos homens, que podem ser apreendidos/compreendidos por meio da razão e/ou fé.
Na versão de que o Direito Natural deriva mais do cosmos que da divindade, os princípios de Justiça estão inseridos numa ordem que rege o universo, conforme dispunham os gregos antigos. Assim, ordem seria Justiça. E o que seria ordem? Cada coisa do seu devido lugar. E, desordem, injustiça. Ou seja, quando as coisas estão fora do seu lugar, permeia a injustiça.
Na vertente do Direito Natural em que os princípios de Justiça são emanados da própria divindade, ordem é aquilo que está de acordo com os desígnios superiores, divinos. Já a desordem (injustiça) é aquilo que contraria a divindade.
Verifica-se, pois, que muitas vezes, o senso de Justiça que se utiliza cotidianamente, e popularmente, está mais afeito ao Direito Natural, ou seja, a essa noção de ordem cósmica ou divina.
Por sua vez, há o Direito Positivo. Positivo de posto, produzido pelo ser humano. É o Direito produzido pela vontade humana e não derivado simplesmente da natureza ou da divindade. É esse o Direito utilizado no dia-a-dia, o que é ensinado nas faculdades, produzido pelos legisladores e aplicado pelos juízes.
O Direito Positivo é algo sujeito às variações culturais, econômicas, sociais, dentre outras, de cada país. Assim, o que vale dentro do Brasil, por exemplo, pode não valer para a China. E vice-versa.
O Direito Positivo, por sua vez, se divide em dois grandes ramos: Direito Nacional e Direito Internacional. Note-se que, normalmente, não se usam os termos Direito Positivo Nacional ou Direito Positivo Internacional, mas somente Direito Nacional e Direito Internacional.
O Direito Internacional se divide em Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado. Ao se falar em Direito Internacional Público, há de se ter em mente questões mais direcionadas à coletividade, aos países, aos organismos internacionais, aos Direitos Humanos e assuntos regulatórios de guerra e paz.
São temas de Direito Internacional Público os tratados e convenções internacionais, as relações entre os Estados Nacionais, a declaração e o término das guerras, a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas ramificações, dentre outros.
Já com relação ao Direito Internacional Privado, os tópicos são mais relacionados à autonomia da vontade de sujeitos de Direito em países diferentes. Pode abordar noções de emissão de visto / passaporte, conflito de leis no espaço (lei que qual país deve ser aplicada?), comércio internacional, contratos internacionais, etc.
O Direito Nacional se ramifica em Direito Público e Direito Privado. Observe-se que se emprega as terminologias Direito Público e Direito Privado e não Direito Nacional Público e Direito Nacional Privado.
Por Direito Público, se entende o ramo do Direito em que há prevalência das normas cogentes. Normas cogentes são aquelas que dizem mais respeito à ordem pública e que, portanto, não poderiam ser alteradas pela vontade das partes. Existe uma supremacia do público sobre o privado, numa relação de subordinação. E os principais ramos do Direito Público são estes:
Direito Constitucional – versa sobre os direitos e garantias fundamentais, direitos sociais, direitos políticos, a organização do Estado, a separação dos poderes e os limites da autoridade estatal.
Direito Administrativo – lida com questões das relações entre os administrados e a Administração Pública, em geral, sobre as limitações administrativas ao direito de propriedade, o poder de polícia (administrativa, e não de segurança pública), os servidores públicos (funcionários públicos ou empregados públicos), licitações e contratos administrativos, controle interno e externo e improbidade administrativa.
Direito Processual – são as regras do processo. Simplificando, estabelece os parâmetros objetivos de como se processa alguém e como se defender no processo. Estabelece prazos, requisitos das peças processuais, preparo (custas processuais, etc), recursos, dentre outras questões. As vertentes mais comuns do Direito Processual são: Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Processual do Trabalho e Direito Processual Tributário.
Direito Penal – estabelece, por meio da lei, quais são as infrações penais (contravenções penais ou crimes), lhes cominando suas respectivas consequências jurídicas (penas ou medidas de segurança).
Direito Financeiro – estuda a atividade orçamentária do Estado, prevendo arrecadação e autorizando despesas por meio de lei. Engloba principalmente um conjunto de Leis: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual.
Direito Tributário – disciplina a atividade arrecadatória do Estado por meio da tributação. Os tributos são criados por lei e cobrados mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Direito Previdenciário – trata das questões de previdência social, regulamentando as contribuições previdenciárias e os seus benefícios.
Direito Ambiental – tutela o meio ambiente, estabelecendo normas para garantir a todos o Direito a um “habitat” saudável, por meio de atividades como o licenciamento ambiental, ou o tratamento adequado da fauna e da flora.
No Direito Privado, também há normas cogentes. Contudo, é mais caracterizado pela prevalência de normas dispositivas. Quer dizer, normas que dizem mais respeito aos particulares, cujas disposições poderiam ser alteradas pela vontade das partes, por não se tratar tanto de uma questão de supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Suas relações são de coordenação. O Direito Privado se divide em:
Direito Civil – seu principal estatuto é o Código Civil. Dispõe sobre direitos da personalidade, pessoa natural, pessoa jurídica, domicílio, prescrição, decadência, obrigações, contratos, coisas, família e sucessões.
Direito do Consumidor – alicerça-se no Código de Defesa do Consumidor. Disciplina as relações entre o consumidor e o fornecedor, estabelecendo princípios próprios, que tratam aquele como sendo o hipossuficiente.
Direito Empresarial – estuda o empresário, as sociedades empresariais e sua organização, as responsabilidades dos sócios, os contratos empresariais, os títulos de crédito e a falência e a recuperação judicial ou extrajudicial.

Direito do Trabalho – organiza as relações típicas do trabalho subordinado, principalmente, com relação ao empregador e empregado. Sua principal lei é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

domingo, 25 de fevereiro de 2018

LIBERDADE NEGATIVA E LIBERDADE POSITIVA: AGIR E QUERER


Prof. Ms. Roger Moko Yabiku



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O valor liberdade é permeado de polêmicas e de significações que, muitas vezes, são distorcidas pelo senso comum. Há, em termos de filosofia política, pelo menos dois significados acerca da liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva. Para Norberto Bobbio, em “Igualdade e Liberdade”, a liberdade negativa é a possibilidade de o indivíduo agir sem impedimentos, ou de não agir sem ser coagido por outras pessoas. Trata-se da emancipação da sujeição do homem a outro homem e também com relação às forças naturais.
A liberdade também é ausência de impedimento ou constrangimento. Você pode fazer, quando não se impõe o constrangimento da lei, ou não fazer, se não houver lei que o obrigue. A liberdade negativa consiste num fazer ou não fazer tudo o que as leis permitem ou não proíbem.
Para Thomas Hobbes, trata-se do “silentium legis”:      “como os movimentos e ações dos cidadãos nunca são em sua totalidade regulados por lei, e nem podem ser por causa de sua variedade, por isso há necessariamente uma quase infinidade de atos que não são comandados nem proibidos, e que cada qual pode fazer, livremente. É neles que cada qual goza de liberdade, e é nesse sentido que aqui se toma liberdade, a saber, como a parte do direito natural que é concedida e deixada aos cidadãos pelas leis civis (“De Cive”, XIII, 15)” (p. 50).
John Locke, por sua vez, afirma: “a liberdade dos homens submetidos a um governo consiste (...) na liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas não prescritas por essa regra; e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de um outro homem (“Segundo Tratado sobre o Governo Civil, IV, 22).” (p. 50)
E, por sua vez, o Barão de Montesquieu arremata: “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem” (“O Espírito das Leis, XII, 2)” (p. 50).
A liberdade negativa é definida mais como ausência de impedimento do que de constrangimento. Trata-se de uma conquista histórica travada contra a arbitrariedade e aos impedimentos e constrangimentos.




Por sua vez, liberdade positiva é a possibilidade de o indivíduo orientar-se, em seu próprio querer, junto a uma finalidade, para tomar decisões, sem haver interferência dos outros. Isso também é chamado de autodeterminação, ou autonomia. É não depender dos outros para formar a própria opinião, determinar-se, por si mesmo.
Para Bobbio, o termo liberdade positiva foi definida por Jean-Jacques Rousseau: “liberdade no estado civil consiste no fato de o homem, enquanto parte do todo social, como membro do eu comum, não obedecer a outros e sim a si mesmo, ou ser autônomo no sentido preciso da palavra, no sentido de que dá leis a si mesmo e obedece apenas às leis que ele mesmo se deu: a obediência às leis, que prescrevemos para nós é a liberdade (“Contrato Social, I, 8).” (p. 50-51).
Esse conceito foi retomado por Immanuel Kant, no ensaio “Para a paz perpétua”.  Para Kant, liberdade jurídica não é a faculdade de fazer tudo o que se queira contanto que não cause injustiça a ninguém. Essa definição foi adotada pelo art. 4º da Declaração de 1789 e pelo art. 5º da Declaração de 1793.
Kant, segundo Bobbio, ensina que: “é melhor definir minha liberdade exterior (isto é, jurídica) como a faculdade de só obedecer às leis externas às quais pude dar o meu assentimento” (p. 52). Em “Metafísica dos costumes”, Kant define “liberdade jurídica é a faculdade de não obedecer a outra lei que não aquela à qual os cidadãos deram o seu consentimento (II, 46)” (p. 52).
Um pouco mais tarde, Georg W. F. Hegel, reafirmou a liberdade como autonomia, desfazendo-se da noção de liberdade negativa. Só no Estado que a liberdade política se realizaria, pois teria uma manifestação de vontade racional, a lei. “A lei é a objetividade do espírito e a vontade em sua verdade; e somente a vontade que obedece à lei é livre: com efeito, ela obedece a si mesma, está em si mesma e, portanto, é livre” (p. 52).
Bobbio também ensina que liberdade negativa denota ação e liberdade positiva, vontade. Liberdade negativa seria liberdade de agir e liberdade positiva (não impedida, não forçada), liberdade de querer (vontade não viciada ou heterodeterminada, mas autodeterminada, ou autônoma).
Bobbio alerta que apesar de haver diferenciações entre os dois tipos de liberdade, ambas não são incompatíveis. “Aliás, como veremos, uma sociedade ou um Estado livres, na esfera política, são uma sociedade ou um Estado nos quais a liberdade negativa dos indivíduos ou dos grupos é acompanhada pela liberdade positiva da comunidade em seu conjunto, nos quais uma ampla margem determinada de liberdade negativa dos indivíduos ou dos grupos (as chamadas liberdades civis) é a condição necessária para o exercício da liberdade positiva do conjunto (a chamada liberdade política).” (p. 54).


Leia mais:
BOBBIO, Norberto. “Igualdade e Liberdade”. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.