quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O CD do Daniel Laier

Conheci Daniel Laier no curso Itinerários de Leitura em Francês, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Aprendi a me virar um pouco na francofonia, pelo menos para questões de leitura. Mas acho que o Daniel é bem mais fera nesse sentido. O que não sabia é que ele também é músico. E dos bons. Lançou um CD recentemente e me mandou um post no Orkut, que reproduzo literalmente:


"Gostaria de te convidar para conhecer meu site www.myspace.com/daniellaier e ouvir meu primeiro disco, gravado em São Paulo e produzido por Beto Bertrami.Este disco possui canções de minha autoria e tem participação de importantes músicos da cena musical brasileira (entre parênteses estão alguns dos renomados artistas com quem já trabalharam):- Beto Bertrami: Piano, produção musical e arranjos (Leila Pinheiro, Wilson Simoninha);- João Parahyba: Percussão (Maria Bethânia, Jorge Ben Jor, Chico Buarque, Trio Mocotó);- Walmir Gil: Trumpete (Djavan, Orquestra Mantiqueira, Orquestra Jazz Sinfônica);- Ubaldo Versolato: Sax e Flauta (Fábio Júnior, Orquestra Mantiqueira, Orquestra Jazz Sinfônica);- Gustavo Lessa: Violoncelo (Orquestra Jazz Sinfônica);- Rudy Arnaut: Violão e Guitarra (Mariana Belém);- Airton Fernandes: Baixo (Roberta Miranda);- Lael Medina: Bateria (Roberto Menescal, Pepeu Gomes).Para adquirir o disco entre em contato comigo."

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

"Deus ex machina"


Se a razão consegue tudo explicar, decerto, há também de conseguir controlar aquilo que consegue explicar.
Se o mundo pode ser explicado, pode ser controlado, manipulado e distorcido a exemplo de uma imensa máquina.
Se o mundo não é explicado pela origem em Deus, o é como um imenso mecanismo. "Deus ex machina".



Crédito da foto: Roger Moko Yabiku

sábado, 19 de setembro de 2009

Filosofia das formas simbólicas


RESUMO

Este texto é uma resenha do livro “Filosofia das formas simbólicas – A linguagem”, do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945), um dos maiores representantes da Escola de Marburgo, de inspiração neokantiana. Nesta obra, a primeira de três volumes e dedicada ao estudo do papel da linguagem, Cassirer defende que o principal objeto das ciências humanas e da cultura está na gênese das funções simbólicas. Por isto, afirma que o homem é um “animal simbólico”, já que todas suas atividades, se levadas às últimas instâncias, são criações de símbolos. O homem constrói a sua cultura por meio de diversas formas de simbolização, como a arte, a linguagem, o mito e a ciência.
PALAVRAS-CHAVE: Cassirer, formas simbólicas, Escola de Marburgo, neokantismo, filosofia contemporânea, cultura, arte, linguagem, mito, ciência.


INTRODUÇÃO

O filósofo Ernst Cassirer nasceu em Breslau, na Alemanha, em 28 de julho de 1874, e estudou direito, filologia, literatura, filosofia e matemática, em Berlim e Marburgo. Tido como um dos grandes nomes do movimento neokantista, foi professor da Universidade de Berlim, de 1906 a 1919, daí, atuou na Universidade de Hamburgo, tornando-se reitor em 1930. Porém, com a ascensão de Adolf Hitler e dos nazistas ao poder, renunciou ao cargo deixou sua pátria em 1933, exilando-se na Inglaterra, na Suécia e, enfim, nos Estados Unidos. Já neste país, lecionou na Universidade de Yale e Colúmbia, até sua morte, em 13 de abril de 1945.

Seus principais livros foram: “O sistema de Leibniz em seus fundamentos científicos”; “O idealismo crítico e a filosofia do entendimento humano”; “Conceito de substância e conceito de função”; “Vida e doutrina de Kant”; “Para a crítica da teoria einsteiniana da relatividade”; “Idéia e forma”; “Filosofia das formas simbólicas”; “Mito e linguagem”; “Indivíduo e cosmos na filosofia do Renascimento”.

Cassirer faz parte da chamada Escola de Marburgo, que também tem como principais representantes Hermann Cohen (1854-1918), seu mentor, e Paul Natorp (1854-1924). Os autores desta escola têm como marca um retorno às idéias de Kant, nas áreas da filosofia da ciência e da teoria do conhecimento. (DUROZOI, 1996: 21) Os teóricos de Marburgo embrenham-se principalmente nas ciências exatas da natureza e da matemática, mas neste ponto, Cassirer possui certa afinidade com a também neokantista Escola de Baden
[i], pois se dedica, em certo ponto de sua carreira, a pesquisar assuntos histórico-culturais.


I - FILOSOFIA DAS FORMAS SIMBÓLICAS

Nesta investigação sobre o papel da cultura e a própria definição de homem, Cassirer escreveu “Filosofia das formas simbólicas”, em três volumes, cada um dedicado a um aspecto ou formas simbolizantes que considerou as mais importantes: a linguagem, o mito e a arte. Neste texto, falar-se-á, do primeiro volume, dedicado à linguagem, editado no Brasil pela Editora Martins Fontes, com tradução de Marion Fleischer. Uma espécie de síntese de “Filosofia das formas simbólicas” pode ser lida em “Ensaio sobre o homem”, também editado pela Martins Fontes.

Cassirer tenta, nesta obra, utilizar-se das observações de Kant sobre a epistemologia das ciências naturais, para, então, ampliá-las ao campo das ciências do espírito
[ii], mais particularmente na área da cultura e suas principais manifestações, que seriam, na verdade, cada qual um aspecto da realidade, que desencadeiam uma “transformação das impressões sensíveis em um mundo de pura expressão espiritual”.[iii]

“Filosofia das formas simbólicas – a linguagem” inicia-se com uma constatação: “O ponto de partida da especulação filosófica é marcada pelo conceito de ser.”
[iv] Deve-se, portanto, delimitar os “fundamentos últimos de cada ser”, ou seja, dar-lhe uma posição quanto ao começo. Porém, a resposta não está ao nível de responder a questão, apesar do correto encadeamento, pois “aquilo que se denomina de essência, de substância do mundo, em vez de transcendê-lo basicamente, constitui apenas um fragmento deste mesmo mundo.”[v]

Para o alemão, o “ser” e o “objeto” da ciência revelam em si mesmos novos aspectos, conforme haja um novo enfoque. O “ser” não é mais rígido, porém, fluído, o que lhe permite diluir-se numa generalização de movimentos. Daí, a unidade do ser não é a gênese do movimento, mas a meta a ser atingida. (CASSIRER, 2001: 14)

O objeto existe somente como função da consciência, assegura o filósofo. A forma e o conteúdo se condicionam mutuamente, na produção do saber, adiantando-se e determinando toda unidade objetiva. Desta forma, o objeto seria nada menos que a evidência material da realização do espírito.
[vi] Não há contraposição inicial entre o ser “subjetivo” e “objetivo”, como se fossem mundos totalmente distintos quanto ao conteúdo. Só ocorre a determinação quando há o processo de conhecimento: os conteúdos do ser “subjetivo” e o ser “objetivo” limitam-se, um ao outro, de acordo com o nível de conhecimento adquirido. (CASSIRER, 2001: 38)


II - DIMENSÃO ESPIRITUAL DA LINGUAGEM

Devido ao caráter espiritualizante, desencadeado principalmente pela influência do romantismo de Herder nos estudos da linguagem, não se fala mais em percepções naturais como apenas um sistema artificial de signos. A reflexão, tal como o grito de Eureka!, inventa consigo a linguagem humana, que seria, nesta acepção, produto da sensação imediata, algo que integra, desde o primeiro momento, o conteúdo, conferindo-lhe uma dimensão espiritual àquilo que seria apenas um simples estímulo sensorial. Cassirer diz, então, que a linguagem faz parte da estruturação sintética da consciência, pelo mundo da intuição (anteriormente somente um mundo de percepções sensoriais), constituindo, não algo produzido, mas “uma maneira específica do espírito na sua atividade de criar e formar”.
[vii]

A separação entre o conteúdo anímico e a expressão sensorial da linguagem é apenas aparente. Na verdade, o conteúdo anímico não subsiste sem a expressão sensorial, e vice-versa, não sendo – um com relação ao outro – autônomos ou mesmo auto-suficientes. Ambos completam-se como uma condição necessária de existência, tão-somente porque só ocorrem devido a sua “interpenetração recíproca”. (CASSIRER, 2001: 175). A linguagem, diz Cassirer (2001), situa-se num foco do ser espiritual, que é aglutinador variados tipos de radiações – de origens diversas -, a partir do qual se desenham diretrizes para todas as esferas do espírito, devendo, ademais, ser considerada como “uma energia verdadeiramente autônoma e original do espírito”.
[viii] Ela, ao se integrar com todas estas formas, não pode, entretanto, ser coincidente com “qualquer outra parte constitutiva da totalidade”[ix], caso assim o fosse, não poderia pleitear sua autonomia, com propriedade e especificidade.


III – CRÍTICA AO POSITIVISMO



O autor nega o enquadramento num esquema eminentemente mecanicista da linguagem, tal como propõem os positivistas, pois – embora ainda inclusa nos processos da natureza -, a mesma é parte integrante de algo mais amplo: a natureza “psicofísica” do homem. Citando Wundt, Cassirer assevera que a linguagem “não deve ser vista como um agregado de elementos heterogêneos, e sim como expressão da ´totalidade´ do seu ser espiritual e natural; ao mesmo tempo, porém, evidencia-se que esta exigência, naquilo que aqui é chamado de unidade da ´natureza psicobiofísica´ do homem, por ora se encontra apenas vagamente definida e insuficientemente atendida.”
[x]

Tentar relacionar lingüística com ciências naturais – com transposição quase literal de modelos desta para aquela – foi, para Cassirer, um equívoco metodológico, um “andar em círculos”. Havia um interesse em comparar ambas, para que se pudesse extrair e aplicar leis exatas para explicar, ou até mesmo controlar, as manifestações da linguagem. Porém, esta unidade era aparente, já que este esquema, cuja missão era fornecer uma base sólida para a lingüística, continha em si várias contradições que ansiavam por novas explicações filosóficas. Ao buscar uma solidez, a exemplo das ciências naturais, verifica-se que o esquema positivista da lingüística não poderia ser aplicado rigorosamente nos estudos da linguagem. (CASSIRER, 2001: 169)


IV – TEMPO E ESPAÇO

Para Kant, a designação lingüística e a determinação lógica dos conceitos servem-se da assertiva de que, se desprovidos de intuições, os conceitos são vazios, cita Cassirer (2001). Não há, desta forma, delimitação absoluta entre a esfera do “sentido” da esfera da “sensibilidade”, pois permanecem entrelaçadas. Na linguagem, por exemplo, situa-se uma réplica do processo de transposição do “mundo da sensação para o da intuição pura”, que é, aliás, ferramenta imprescindível “na estruturação do conhecimento”. “(...) na estrutura das ´formas de intuição´ que primeiramente se manifestam o tipo e orientação da síntese espiritual que opera na linguagem (...) através da veiculação das intuições de espaço, tempo e número que a linguagem pode realizar sua função essencialmente lógica: a de transformar impressões em representações.”
[xi]

A noção de espaço, de situar-se num lugar, para dar vazão e ponto de partida para suas atividades também se apresenta na linguagem, principalmente como metáfora de determinações espirituais, para explicar movimento ou posições, argumenta Cassirer (2001).

As relações temporais, por outro lado, já constituem assunto mais complexo que as determinações e designações espaciais. O passado e o futuro são dimensões fundamentalmente humanas, praticamente ignoradas por outros animais. As unidades temporais – agora, antes e depois – parecem excluir-se, ao contrário da intuição espacial (na qual as partes se unem). Ou seja, o agora existe com a exclusão do antes e do depois; o antes, com exclusão do agora e do depois; e o depois, com exclusão do antes e do agora. Sobre o conteúdo da representação do tempo, pode-se dizer que está embutido num contexto maior que a representação espacial (intuição imediata), porque demanda um raciocínio unificador e separativo, que seja tanto analítico quanto sintético (CASSIRER, 2001: 237-238)


V – O ANIMAL SIMBÓLICO

Tomando-se a linguagem como “conteúdo total do espírito”, automaticamente se entende que ela está entre o mito e o logos o que também configura uma “intermediação entre a visão teórica e estética do mundo”.
[xii] A linguagem, ademais, não é somente resultado teórico (comparação lógica e associação dos conteúdos da percepção), pois é composta adicionalmente por elementos imaginativos. (CASSIRER, 2001: 378-379) Mesmo impregnada com o mundo sensível e imagístico, a linguagem dirige-se rumo a uma espiritualidade cada vez mais pura e independente da sua forma, por meio da sua “tendência e capacidade para generalização lógica”.[xiii]

O conjunto das formas simbólicas, segundo Cassirer, é uma maneira de o homem se autolibertar, num processo progressivo de compreensão da cultura, pelo mito, pela linguagem, pela estética ou pela ciência. O ser humano, por sua capacidade simbolizante, distingue-se dos demais animais, porque edifica um mundo próprio a partir da criação de símbolos, a principal atividade humana, não podendo viver sem expressá-los. Uma vez dentro, ele não pode negar este mundo ideal que lhe propicia uma unidade fundamental na qual todas funções são complementares e interdependentes. O homem é um animal simbólico, que constrói sua existência pelas conjugações do “sensível” e do “intelectual”, expressas nas manifestações culturais, para atingir, por meio delas, sua tão almejada liberdade.


BIBLIOGRAFIA

CASSIRER, Ernest. Linguagem e mito – uma contribuição ao problema dos nomes dos deuses. Traduzido por J. Guinsburg e Miriam Schnaiderman. 1. ed. São Paulo (SP): Editora Perspectiva, 1972. Tradução de Sprach und mythos – ein beitrag zum problem der goetternamen.
____. Filosofia das formas simbólicas I – a linguagem. Traduzido por Marion Fleischer. 1. ed. São Paulo (SP): Martins Fontes, 2001.Título original: Philosophie der symbolischen formen – die sprache.
DUROZOI, Gerard e ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Traduzido por Marina Appenzeller. 2. ed. Campinas (SP): Papirus, 1996, p. 21. Título original: Dictionnaire de philosophie.
FIGUEIREDO, Vinícius. O animal simbólico – uma compreensão filosófica da cultura. Folha de S. Paulo, Jornal de resenhas, 8 de setembro de 2001, p. 7.
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[i] Os grupos neokantianos mais importantes são a Escola de Marburgo e a Escola de Baden. Esta, de forma geral, baseou seus interesses nas ciências culturais, históricas e na teoria dos valores. Seus principais representantes foram Wilhelm Windelband e Heinrich Rickert. Cf. CASSIRER, Ernest, Linguagem e mito, p. 10-11.
[ii] FIGUEIREDO, Vinícius, O animal simbólico – uma compreensão filosófica da cultura. Folha de S. Paulo, 8.09.2001, p. 7.
[iii] Idem, ibidem.
[iv] CASSIRER, Ernest, Filosofia das formas simbólicas, p. 11.
[v] Idem, ibidem.
[vi] FIGUEIREDO, Vinícius, op. cit.
[vii] CASSIRER, Ernest, op. cit., p. 136.
[viii] Idem, ibidem, p. 172.
[ix] Idem, ibidem.
[x] Idem, ibidem, p. 167-168.
[xi] Idem, ibidem, p. 208.
[xii] Idem, ibidem, p. 379.
[xiii] Idem, ibidem, p. 387.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Dia Universal do Perdão - Ives Ota


Ives Ota era um garoto de 8 anos. Foi sequestrado e assassinado, com dois tiros no rosto, por policiais militares que faziam bico de segurança para o seu pai, o empresário Masataka Ota. O corpo de Ives foi enterrado logo abaixo do berço do filho de um dos sequestradores.

Depois de algumas iniciativas, como a fundação do Instituto Ives Ota http://www.ivesota.org.br/index.php/, Masataka
perdoou os assassinos do seu filho em rede nacional, no Programa Fantástico, da Globo. Isso não significa, porém, que ele deseja impunidade para os criminosos, mas que quis se livrar do ódio que amargurava seu coração e o impedia de viver com os remanescentes da sua família.

A próxima iniciativa é angariar assinaturas para instituir 30 de agosto (data do falecimento de Ives) como Dia Universal do Perdão. Para colaborar com assinaturas, clique http://www.ivesota.org.br/index.php/assinaturas/assinar-abaixo-assinado.html .
O Instituto Ives Ota promove diversos cursos, palestras e atividades, sempre enfocando na promoção da paz, melhoria de condições das pessoas mais carentes e proteção das vítimas da violência.

Vale a pena se engajar nessa parada. Aprenda a perdoar e a seguir em frente com a vida.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Dojo kun e Niju kun


DOJOKUN
Hitotsu. Jinkaku Kansei ni Tsutomuro Koto.
Primeiro. Esforçar-se para formação do caráter.
Hitotsu. Makoto no Michi wo Mamoru Koto.
Primeiro. Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão.
Hitotsu. Doryoku no Seishin o Yashinau Koto.
Primeiro. Criar o intuito de esforço.
Hitotsu. Reigi o Omonzuru Koto.
Primeiro. Respeitar acima de tudo.
Hitotsu. Kekki no Yu o Imashimuru Koto.
Primeiro. Reprimir o espírito de agressão.
Quando você lê o Kun (mandamentos) você provavelmente notará algo.
Cada linha começa com primeiro, porque ? Por que não segundo, terceiro, quarto e quinto ?
O mestre Funakoshi entendia que nenhum item do Kun fosse mais importante do que o outro.
Por isso, cada item foi numerado como sendo o primeiro.

NIJU KUN



Os 20 ensinamentos do Mestre Funakoshi
HITOTSU - KARATEDO WA REI NI HAJIMARI REI NI OWARU KOTO WO WASURUNA
Não se esqueça que o Karatê deve iniciar com saudação e terminar com saudação.
HITOTSU - KARATE NI SENTE NASHI
No Karatê não existe atitude ofensiva.
HITOTSU - KARATE WA GI NO TASUKE
O Karatê é um assistente da justiça.
HITOTSU - MAZU JIKO WO SHIRE SHIKOSHITE TAO WO SHIRE
Conheça a si próprio antes de julgar os outros.
HITOTSU - GIJUTSU YORI SHINJUTSU
O espírito é mais importante do que a técnica.
HITOTSU - KOKORO WA HANATAN WO YOSU
Evitar o descontrole do equilíbrio mental.
HITOTSU - WAZAWAI WA GETAI NI SHOZU
Os infortúnios são causados pela negligência.
HITOTSU - DOJO NO MI NO KARATE TO OMOUNA
Karatê não se limita apenas à academia.
HITOTSU - KARATE NO SHUGYO WA ISSHO DE ARU
O aprendizado do Karatê deve ser perseguido durante toda a vida.
HITOTSU - ARAI YURU MONO WO KARATEKA SEYO SOKO NI MYOMI ARI
O Karatê dará frutos quando associado à vida cotidiana.
HITOTSU - KARATE WA YU NO GOTOSHI TAEZU NETSUDO WO ATAEZAREBA
MOTO NO MIZU NI KAERU

O Karatê é como água quente. Se não receber calor constantemente torna-se água fria.
HITOTSU - KATSU KANGAE WA MOTSUNA MAKENU KANGAE WA HITSUYO
Não pense em vencer, pense em não ser vencido.
HITOTSU - TEKI NI YOTTE TENKA SEYO
Mude de atitude conforme o adversário.
HITOTSU - TATAKAI WA KYOJITSU NO SOJU IKAN NI ARI
A luta depende do manejo dos pontos fracos (KYO) e fortes (JITSU).
HITOTSU - HITO NO TEASHI WO KEN TO OMOU
Imagine que os membros de seus adversários são como espadas.
HITOTSU - DANSHIMON WO IZUREBA HYAKUMAN NO TEKI ARI
Para cada homem que sai do seu portão, existem milhões de adversários.
HITOTSU - KAMAE WA SHOSHINSHA NI ATO WA SHIZENTAI
No início seus movimentos são artificiais, mas com a evolução tornam-se naturais.
HITOTSU - KATA WA TADASHIKU JISSEN WA BETSUMONO
A prática de fundamentos deve ser correta, porém na aplicação torna-se diferente.
HITOTSU - CHIKARA NO KYOJAKU KARADA NO KANKYU WAZA NO SHINSHUKU WO WASURUNA
Não se esqueça de aplicar corretamente: alta e baixa intensidade de força, expansão
e contração corporal, técnicas lentas e rápidas.
HITOTSU - TSUNE NI SHINEN KUFU SEYO
Estudar, praticar e aperfeiçoar-se sempre.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O presente


Lembro-me quando comprei-te aquele presente. “É para alguém especial”, disse na Ocasião, com um brilho estranho na menina dos olhos.
Aquilo era teu, sabia desde o momento que entrei na loja.
Então, pedi que fosse embrulhado com carinho, como se meu coração estivesse lá, Bem juntinho. Foi a última vez que vi a face do presente, acorrentado a meus mais Nobres sentimentos. Tu eras o motivo da procura, nem me importava com o cansaço. Era forte e invencível.
Pensava em ti quando via o papel daquele singular pacote e na alegria que terias, ao Recebê-lo. E se foram duas semanas. O esconderijo do pequenino ser era meu guarda-Roupas. Ficava guardado, bem no fundinho, com vergonha de mostrar-se a outras Pessoas. Naquela época, via tudo com outros olhos, descansando um pouco minha Raiva do mundo. O presente tinha vida, com aquelas flores estampadas no papel do Embrulho. Chegavam a iluminar a solidão que reinava no fundo do armário.
Faltava apenas um dia para entregá-lo aos teus domínios. E me apunhalaste: “Não te Quero alimentar falsas esperanças. Sinto que estou te enganando.”
Supliquei por uma chance e me respondeste com uma simples negativa.



Desconfiava que algo não ia bem desde o primeiro dia, do nosso primeiro beijo.
Era muito bom para ser verdade e tudo não passou de um sonho, um truque de magia.
Não sei o motivo, mas ainda insisto em guardar meus nobres sentimentos naquele Embrulho. Pensei que tinha te esquecido. Mero engano. Toda vez que me vem a tua
Lembrança, bate forte aquele nostálgico momento. E ressurge aquela frase: “Embrulha, que é para presente.”
Ao mesmo tempo, tenho a certeza de que nossos caminhos nunca mais se cruzarão do Jeito que planejei. Meu maior medo realizou-se: tens saído com um de meus melhores Amigos. Não os culpo, que sejam muito felizes. Mas isso mata-me, como nunca antes.
Tenho verdadeira fobia de vê-los, de mãos dadas, na minha frente. Ficai-vos juntos, Mas não me comunicai, por favor ! Acho que podes atender o apelo deste ser Amaldiçoado ! Sei que nunca serás minha, embora não mais me desespere.
Mesmo depois de tempos, continua guardado, lá no fundinho do meu
Guarda-roupas, aquele embrulho que contém teu presente agrilhoado ao meu coração.
Sou um auto-penitente, pois ainda não criei coragem de abri-lo, rasgando seus papéis,
Pois ainda sou tolo de acreditar que poderei entregar-te o pacote, no dia que
Retornares. O papel já está amarelo. Sei que a espera é inútil, mas continuarei Esperando-te, com teu presente !

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A fábrica de mortadelas


- Sai da frente moleque desgraçado, que está atrapalhando o caminho!
- Calma aí, tio.
- Não sou seu tio, filho da puta, e vê se some rapidinho.
Juliano nem escutou direito as últimas palavras. Os dedos gordos do homem juntaram-se numa concavidade e ergueram-se numa trajetória lateral até a orelha esquerda do menino. - Plac. - foi o estampido do zumbido que ficou latejando por um bom tempo no tímpano dele. - Esse foi de graça, da próxima vez, sai mais caro.
Saiu rapidinho, por uma das vielas da Catedral, saindo da Praça Central para Rua Padre Luiz. De lá, ia dar uma passada na Concha Acústica. Já era noite e o calor insuportável de fim de dezembro engordurava sua pele morena e esquálida pela ação dos helmintos. O Centro estava vazio. As buzinas e os passos das pessoas pelas calçadas permaneceram mudos como um reflexo da ressaca do Natal. Juliano era miúdo. Apesar dos 14 anos, aparentava 11. Seus passos desanimados compensavam-se com o sonho de um dia ter uma vida normal. Nas costas, encobertas por uma camiseta de algodão bem justa e agarrada às formas do tórax, estava a cicatriz da navalhada, uma espécie de demonstração de afeto de sua primeira noite como prostituto mirim. Para disfarçar, tatuou um navio em cima do talho, em cima do pulmão direito. Seus olhos eram amarrados e distantes, como se quisessem partir desta dimensão para outra realidade mais acolhedora.

Ocorrência: 15 de novembro de 1998. Juliano Alves Pereira, data de nascimento: 7 de setembro de 1984. Idade: 9 anos. Escolaridade: 3ª série do 1º grau. Local de nascimento: Maringá, Paraná. Mãe: Matilde Alves Pereira. Pai: desconhecido. Estado civil da mãe: amasiada.

Juliano um pentelho vivo e inteligente fazia vida fácil na escola. Aprendia rápido um pouco de tudo e tirava boas notas. Não repetiu de ano nenhuma vez e por causa disso seus colegas eram mais velhos, maiores e mais fortes. Mas o bichinho sabia impor respeito. No pátio era o rei da conversa, um pouco assanhado e inocente, dizia: - Conhece a Sandrinha ? Ela é minha namorada, mas não fale nada porque ela não sabe ainda.
Naquele fim de tarde, saiu correndo da escola com o boletim na mão. Passou em tudo, com o calor úmido de fim de ano escorrendo em suor pela sua garganta. A mãe terminava de limpar o toalete, numa mansão do Jardim Santa Rosália. Toalete, explicou-lhe em certa ocasião, é o nome que os ricos dão ao banheiro. Assim como a privada recebe o nome quase científico de vaso sanitário. Tinha um tal de bidê, que Matilde nem sabia para que servia.
Trotando pelas ruas, coberto da terra vermelha que assola a região, Juliano tinha o documento nas mãos como se fosse um cavaleiro numa cruzada à Terra Santa. “Mãe, passei de ano ! Fui o primeiro da classe !” Em atrito com o asfalto de quinta categoria, seus tênis - imitação de um Nike de linha - produziam aquele ruído característico de quem arrasta os pés pelo chão. Avistou o casebre de dois cômodos, abriu a porta da cozinha-sala. Não encontrou Matilde. Porém, não desanimou. Mostrou, aos gritos, seus feitos ao padrasto, Zezo, que pendia cambaleante na poltrona semi-rasgada comprada num brechó no centro. A garrafa de aguardente já estava quebrada no canto do cômodo principal.
A euforia durou pouco. Juliano pensou por um décimo de segundo que seu padrasto ia ser bom para ele pelo menos naquela ocasião.
- Pensa que é mais esperto que eu, né ? Você ainda tem muito o que aprender... Muito mesmo. Essa porcaria de papel que você trouxe não quer dizer nada comparado ao que eu aprendi na vida. Entendeu ? Será que não aprende nunca, porra de moleque !
- Desculpa, não tive a intenção. - respondia Juliano num fiapo de voz.
- Cale a boca que agora não tem mais tempo de nada ! Vem cá, mulherzinha, que vou te ensinar a empinar pipa.
- Por favor, eu não sou mulherzinha. Sou homem. E homem não faz esses tipos de coisas que o senhor me obriga a fazer.
- Enquanto estiver morando aqui vai ser mulherzinha, porque eu mando, entendeu ?
- Agora, empine a pipa, viadinho !
- Não !
- Filho da puta, faça o que mando ! - gritava Zezo, já com a calça arriada e um ensaio de ereção, com os punhos cerrados sobre a vítima, entrelaçando os dedos das mãos na parte posterior da cabeça do menino, forçando-o a acomodar em sua boca seu falo fedido e ensebado dos não- adeptos do banho.
Juliano engasgava com o órgão em sua boca. Tentava gritar mas não conseguia.
- Desse jeito... Bem devagarzinho, do jeito que eu gosto. Isso, vai... Mexe com a língua bem naquele lugarzinho... Dá uma mordidinha...
As lágrimas corriam pelo rosto do menino e salgavam os pêlos do testículo do padastro, que ficava mais excitado.
- Agora bebe tudo, não deixe escapar nenhuma gotinha.
O menino obedecia. Já conhecia a seqüência de cor. Terminada a primeira fase, foi à geladeira e tirou o pacote de margarina. Esfregava nas bordas do ânus de Juliano, que ficava de quatro. O padastro vinha e o cobria, encostando a faca de cortar pão em seu pescoço. Ele não sabia o que era mais ameaçador, a ameaça de sua vida ou a brutalidade com que seu reto era violado.
- Agora eu te parto no meio ! - gritava o bêbado, que acelerava os movimentos copulatórios, num ímpeto animalesco.
Com os punhos serrados, Juliano ainda tinha o boletim, naquele momento todo amassado, entre os seus dedos. Aquela foi uma lição que não se aprende na escola. Com o corpo dolorido e um gosto terrível na boca, ele sentiu seu orgulho se partir. Matilde tinha o costume de chegar quase de noite. Banha-se, troca de roupa e vai ao culto. O garoto não tinha sequer coragem de mostrar o boletim. Aliás, nem tinha mais sentido. Sua mãe sabia de tudo, desde o começo, mas não fazia coisa alguma para defendê-lo. Então, naquela noite, enquanto o padrasto vislumbrava um sono etílico e sua mãe entoava os cânticos sagrados, Juliano preparou suas coisas e botou em duas sacolinhas plásticas de hipermercado. Não eram muitos pertences: um par de tênis, escova de dentes, três camisas, uma cueca e uma calça jeans. Do uniforme da escola, não ia mais precisar, assim como seus livros e cadernos.
Deixou um bilhete na cozinha, ao lado do pote de margarina, utilizado para fins profanos durante a tarde, para a mãe. Apenas dizia: “Vou embora, aqui não é meu lugar. A senhora é a mulher do Zezo e não eu. Cansei de ser mulherzinha. Eu sou homem.”


O índice de violência envolvendo menores já somava 70% das ocorrências policiais, motivo de sobrecarga às entidades estatais de cuidados à infância e juventude locais. Fruto de um sistema mal-planejado, as duas celas que serviam para acondicionar menores até o internamento numa instituição do governo estavam abarrotadas. No espaço projetado para quatro garotos, moravam 20. Todos misturados, sem levar em conta as diferenças de sexo.
O conceito de reeducação consistia na tortura do ócio, em que os prisioneiros juvenis matutavam a melhor maneira de passar o tempo e se divertir. Juliano sabe que não pode confiar nos seus companheiros. Aqui é cada um por si.
Depois de fumar crack naquela noite, na Concha Acústica, ele e mais dois amigos ficaram ligadões. Esperaram o horário de saída de uma escola particular ali perto, só de tocaia, para arranjarem um trouxa. Deram sorte, já era tarde e quase todo mundo tinha ido embora. Só ficou a loirinha, no estilo barbie girl, na frente do colégio, esperando o pai, obviamente atrasado.
Ela passava a escova nos cabelos e faz cara de tédio. Os três cercaram a garota e a tomaram de assalto. Pálida e assustada, não conseguia sequer gritar por socorro. Um deles pegou a bolsa dela e o outro passou a mão pelos seios. Mijou-se toda. Juliano, até então expectador, arrancou-lhe os sapatos brilhantes.
Os três postaram-se a correr. A viatura de Patrulhamento Tático Móvel (PTM) estava bem perto dali. Os policiais foram atrás. Sob efeito da droga, os moleques não tinham forças, nem coordenação, para correrem. Dançaram legal, com direito a umas bordoadas. Dos outros dois, em seguida aquela noite, Juliano nunca mais ouviu falar. Ele foi sozinho para a delegacia, é tudo o que lembra.
A vítima, já no plantão policial com o pai, reconheceu Juliano. E esboçou sua indignação de ter sido humilhada por pivetes tão magros e fedidos.
- Tem que matar gente desse tipo! – berrava na sala de espera. “Filho da puta, desgraçado, me fez andar descalça naquela rua imunda, igual a você.” – e perdeu a compostura angelical.
Lavrada a ocorrência, Juliano deu outro passeio de camburão e foi parar numa das duas celas especiais para menores infratores, em Votorantim. Na primeira noite, só quis dormir. Dormiu mesmo, atordoado pelas pancadas e pelo choque emocional de ser mais uma vez depreciado como um cachorro sem dono.
Dez pessoas no cubículo. Cheiro de peido, de mijo, de merda, de porra e de cigarro. É só ter uma graninha que eles dão um jeito de conseguir as coisas. É assim que roda o mundo, impulsionado a dinheiro ou favores. Ainda se sentindo anestesiado, Juliano notou seus companheiros. O maior já queria lhe tomar satisfações. Ele nem ligou mais. Nem dava mais bola para mais nada. Estar vivo já era uma recompensa, e ele nem sabia mais porque ainda vivia. Devia ser sorte, um plano divino ou uma piada de muito mau-gosto.
A comida, em marmitex, era uma porcaria, parecia já vir podre. De vez em quando, vinham umas fatias de mortadela, com um gosto especial, que ele nunca tinha provado antes. Ele gostou e esperava sempre por mais. Como uma sardinha, no seu cubículo, Juliano tinha vontade de comer mais uma vez aquela mortadela.
A mortadela Les enfants, apesar do nome francês, era fabricada em Sorocaba mesmo. Administrada por técnicas de gestão empresarial muito modernas, funcionava somente à noite, pois assim resolveriam outros assuntos durante o dia. A embalagem tinha a cara de um garoto moreno, de sorriso banguela e rosto magro. Sem estratégias chocantes de marketing, tomou o mercado local.
O município concedeu terreno, isenção fiscal por dez anos e ainda ajudou a empresa a obter o financiamento. Em troca, foram anunciadas 150 vagas de emprego. Na verdade, devido à automatização da produção e a necessidade de mão-de-obra especializada, empregava no máximo 40 pessoas da cidade. Recompensa chinfrim para tamanha badalação. A propaganda é a alma do negócio. E isso os políticos sabem fazer muito bem.
Les enfants. Juliano viu uma vez o rótulo da mortadela e desejou ser como o menino estampado nele: sempre alegre, sem preocupações com coisa alguma. Juliano ganhou um pacote da mortadela quando sua mãe veio visitá-lo. Guardou a embalagem. Bonito aquilo. Quando se entediava do nada, ficava olhando aquilo.
Mastigando um naco da mortadela, Juliano percebeu algo entre os dentes. Tirou da boca e viu algo que julgou ser uma unha. De gente mesmo, não de rato ou outros bichos. Limpou os resquícios de saliva e olhou melhor. Era de gente mesmo, de uma criança, pensou. Já tinha comido coisa muito pior. Continuou sua refeição.
Num gesto de extrema boa vontade, os menores custodiados na cadeia à espera de internação na Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) foram convidados para visitar a Fábrica de Mortadela Les Enfants. Curiosamente, receberam autorização das autoridades para fazê-lo. Juliano ficou eufórico. Adorava aquele petisco e queria saber tudo sobre aquela marca. Quem sabe ganharia um pacote da mortadela? Pois, sim, claro que ia. Afinal, tinha sido bem comportado por toda sua estadia na cela, junto com os outros dez menores infratores.



Sob o olhar vigilante de dois policiais armados com escopetas, protegidos com coletes à prova de balas, os garotos entraram num veículo besta para o passeio. Nem todos animados, nem todos contentes, mas felizes de alguma forma por estarem saindo da rotina do cubículo. A atmosfera chuvosa e as ameaças de chuva, deixavam o ar úmido e quente, muito mais abafado ainda, dentro da besta.
Juliano nem prestava atenção nisso. Só queria saber das mortadelas. Em 30 minutos de trajeto, chegaram ao local. Situava-se no terreno da antiga Chácara Sônia Maria. A fábrica em si postava-se bem no centro do terreno, preservando as árvores – frutíferas, em sua maioria – ao redor, gerando um clima de curiosidade e suspense acerca do que se processava além daquela muralha verde.
Ultrapassados os requisitos de segurança, adentraram os portões e penetrando numa sala de azulejos brancos, do chão ao teto. Um gás penetrou na sala, para fins de esterilização de microrganismos. No compartimento seguinte, cheio de armários, tiraram suas roupas para tomarem um banho. Vestiram macacões brancos e entraram no setor de produção.
Não viam a matéria-prima chegar. Viam somente a carne, já moída e triturada, sendo temperada e preparada para ser embutida. Uma parte dela era temperada e imediatamente enlatada, antes de cozer, como parte de um método para evitar contaminação.
O cheiro, foi isso que prendeu a atenção de Juliano. Só isso. Para ele, aquilo era o máximo. Comida à vontade, para forrar seu bucho esquálido e vazio. O guia, acompanhado dos policiais armados, mostrava tudo aos garotos, com detalhes, chamando atenção para os procedimentos de qualidade total, que previam a segurança dos procedimentos de produção, a higienização do local e a qualidade do produto.
De todos, Juliano era o mais atento de todos. Uma hora mais tarde, depois de visitarem os escritórios da administração, sentaram-se às mesas do refeitório. Como não podia deixar de ser, receberam sanduíches de mortadela, não da comum, mas do tipo for export, como uma pequena cortesia da companhia.
Já numa saleta, parecida como uma classe de aula, um homem parecido com um psicólogo distribuiu papel e caneta para os menores. Um tipo de teste. Muitos nem sabiam ler direito. Juliano, porém, sabia. Era esperto e sabichão, nestes termos. As perguntas falavam basicamente sobre os sentimentos deles, suas perspectivas de futuro e desejos.
Eles não sabiam definir nem o dia de amanhã. Juliano foi o único que ficou na saleta até o final. O resto foi direcionado para uma outra sala, idêntica a da entrada. Receberam outro sanduíche de mortadela e um copo de refrigerante. “Não tenha pressa. Responda tudo”, disse o homem para Juliano.
O garoto obedeceu. Já estava ali mesmo e não custava nada ficar mais um pouco. Entregou o papel com o teste e foi para uma sala. Sozinho. Seus companheiros não estavam lá. Teve receio e desconfiança, tinham sacaneado ele, é o que sentia. Em posição fetal, colado num dos cantos da sala, viu o homem aproximar-se com um sorriso.
Pegou-o pela mão e o levou escadas acima, para conversar com o diretor de recursos humanos (RH). Um homem de terno azul-marinho, todo arrumado e gestos enérgicos, olhou Juliano de cabo a rabo.
- Sente-se. – ordenou o diretor.
- Estamos procurando jovens com alto potencial para se juntarem a nossa empresa. – explicou. Nossos métodos de recrutamento não são convencionais, porque nossos negócios não são convencionais.
Juliano assentiu com a cabeça e firmou a atenção.
- Você, meu rapaz, tem o desejo de sair daquela cela em que vive como um animal?
- Sim.
- Seria capaz de cortar todos os relacionamentos anteriores com seus amigos, pais, clientes?
- Essa é a parte mais fácil.
- Gostei da disposição. Quer um emprego?
- Com certeza. Tudo para sair daquele inferno.
- Uma vez aceita a tarefa, você não pode mais sair, porque só de pensar nisso, nós lhe matamos.
Diante da afirmação de morte, Juliano engoliu um seco e revirou os olhos. Que coisa é essa? E eu estou aguardando sentença judicial. Não posso nem arrumar trabalho. O que é isso, meu Deus? Esse cara é doido? Um minuto de silêncio e Juliano aceitou o novo emprego.
- Mas agora eu tenho que voltar para a cadeia.
- Não precisa mais.- comentou o diretor. – A partir de agora, Estado requisita os seus trabalhos com exclusividade para esta fábrica. Todo o seu passado foi perdoado, desde que continue conosco para até quando julgarmos necessário.
Juliano foi encaminhado para uma área no subsolo da fábrica. Lá, conheceu outros garotos como ele. Finalmente, tinha um quarto só para ele.
- As aulas começam às 7 horas.- advertiu um instrutor.
Ele se deitou na cama e fechou os olhos. Inspirou o ar com força e sentiu o frescor do ambiente. Relaxou e dormiu. Sonhou que estava esquartejando seu padrasto. Ao som de uma sirene, levantou-se feliz. Foi ao banheiro, no próprio quarto, tomou banho e escovou os dentes. Vestiu um uniforme de foi para o pátio central.
Uma forte luminária simulava os efeitos da luz solar. Era a ginástica matinal. Corrida. Polichinelo. Flexões de braço. Abdominais. Juliano quase não conseguia acompanhar. Alongamento. Suas pernas pareciam que iam se separar do seu corpo.
Uma hora de exercícios. Suado, com direito a um copo de água, para não acostumar à moleza, Juliano tentou puxar conversa com um companheiro. Foi surpreendido. Era proibido. Ficou quieto.
Depois de outro banho, foi para o café da manhã. Mortadela Les Enfants, salada, pão, queijo, salame, frutas, suco, manteiga, geléia e bolo. Delícia, muito bom, empanturrou-se Juliano, com cuidado para não parecer um morto de fome.
E assim se foram os dias. Juliano ganhou corpo e exercitou o cérebro. Estudava muito porque os professores eram exigentes. De nada mais parecia com aquele farrapinho que entrou na fábrica, seis meses atrás. Aprendia oratória e tudo o que fosse conveniente para convencer uma pessoa.
Tinha até aula de etiqueta com um cara meio esquisito, com sotaque estrangeiro. O garoto se sentia mais poderoso e dono de si mesmo. Sua auto-estima elevou-se e o seu objetivo ficou mais definido: vencer na vida, a qualquer custo.
Após um ano de treinamento básico, começou a aprender combate corporal e manejo de armas brancas. Vestido com uma farda semelhante a dos fuzileiros navais, encarava as manobras e exercícios simulados no subsolo da fábrica de mortadela.
Um instrutor oriental ensinava a técnica de matar em silêncio, sem deixar vestígios do delito. Juliano já era silencioso por natureza, aperfeiçoou seu dom de nascimento. Dos 20 cadetes, desde o início do programa, sobraram apenas cinco. Ele era o melhor deles, sem sombra de dúvida.
Não havia espaço para se enturmar ou fazer amizades. As atividades eram demasiadamente rigorosas e exigiam estudos e treinos exaustivos, que inibiam qualquer tentativa de se quebrar esta regra. Não questionava, apenas obedecia e fazia o que pediam. Juliano aprendeu a dar valor a si mesmo e ganhou uma auto-estima, que há de muito carecia.
- Sou um homem.- murmurava Juliano ao receber as pancadas, numa sessão de calejamento, no treinamento de artes marciais. E recebia pelo corpo as carícias de um pedaço roliço de madeira. Técnica chinesa, palma de ferro, controle da dor. Nem uma faca atravessava sua pele. Concentração, suor, comunhão com o todo. Sem dor, sem desespero, apenas a tarefa a ser cumprida.
Com uma facilidade surpreendente, Juliano aprendia línguas estrangeiras, hardware e software. Computadores eram sua predileção. Montava e desmontava uma máquina como se fosse um brinquedo. Sempre no subsolo, oculto do mundo exterior, Juliano tornou-se um homem. Já com 18 anos e patente de primeiro tenente, estava em fase de conclusão de treinamento.
Aos 16 anos, teve um microchip implantado em seu cérebro, para monitorar toda sua ação motora. Era um equipamento de comunicação ambulante, uma unidade portátil de transmissão de dados. O que via e ouvia era transmitido via satélite para a base. Tecnologia sofisticada, feita por gente graúda e importada por figurões.
O rapaz era uma máquina obediente. No último teste de aptidões intelectuais, após ser aprovado com louvor, Juliano foi promovido a capitão. Com 19 anos nas costas, foi chamado ao comando-geral, ainda no subsolo, para conversar com o diretor de RH, na verdade, o general responsável pela operação secreta.
Ele bateu continência e assim permaneceu até receber instruções.
- Descansar, capitão. – disse o general. – Você já sabe que esta operação, apesar de ter demorado quase cinco anos para se iniciar, ainda está na sua gênese. Temos orgulho, porém, do principal fruto dele, que é você, e esperamos que não nos desaponte na execução do plano.
- Pode ficar tranqüilo, general. Prefiro a minha morte ao fracasso ou desapontar a qualquer um dos meus comandantes e instrutores.
- É bom ouvir isso, capitão. Não temos mais controle sobre a selvageria que pode tomar conta do Estado e destruir a ordem como a conhecemos. Cabe a nós, defensores desta grandiosa Nação, defendermos tudo o que vemos hoje. Existem maçãs podres e nem todas podem ser recuperadas como você foi, capitão. Ao menor contato, elas contaminam o restante e a praga se disseminou por completo, sem termos a menor chance de reação. Devemos destruir quem nos corrói. Aqueles que não são agraciados pelo Estado não o são por sua própria impotência perante a sociedade. Por isso, devemos limpar a sociedade daqueles que a ameaçam. A Constituição nos proíbe de castrarmos aqueles que se reproduzem como coelhos assanhados. Somos assolados por uma multidão de crianças bastardas, que tomam conta dos hospitais e demais órgãos públicos, deixando um déficit incomensurável para o Estado.
- Sim, senhor.
- Então, capitão, esta fábrica de mortadelas é o instituto modelo para iniciarmos a limpeza deste País. Sabemos que existe o tabu sobre a ingestão de carne humana. Mas devemos fazer coisas para o bem geral do Estado, mesmo que signifique ir contra alguns costumes ultrapassados e a legislação torpe que ata as nossas mãos. A carne humana, como já provaram nossos cientistas, é altamente nutritiva. E nós temos excesso de gente e uma multidão de famintos. Para acabar com esse problema, o serviço de inteligência me deixou a cargo desta tarefa. Desenvolvemos uma fábrica que processa a carne de párias da sociedade para alimentarmos o nosso futuro. Esses pivetes sem futuro e os desajustados sociais são matéria-prima para nossas máquinas. Daqui, saem melhor do que entraram, pois vão estar fazendo realmente uma função social. As ruas desta cidade já estão vazias, por isso, concentramos nosso foco de ação nas cidades da região. Controlando a situação regional, podemos dar prosseguimento ao nosso projeto, trazendo matéria-prima da capital.
- Exatamente como diz, general. – respondeu. E bateu continência.
- Dispensado!




Juliano preparou-se para o primeiro contato com o mundo exterior depois de cinco anos no subsolo da fábrica. Estava ansioso, mas aprendeu a dissimular na manha. Agora era um mameluco, no jargão da operação, aquele que era capaz de fustigar um dos seus. A palavra tinha origem no Islã, quando da sua expansão, os muçulmanos realizavam capturas e convertiam os prisioneiros aos seus paradigmas sócio-culturais, para prosseguirem com a dominação sobre os povos conquistados e empreender novas guerras.
Sabia que de todos os seus colegas, que entraram na fábrica naquele dia, era o único sobrevivente. Os demais viraram matéria-prima. O contato com o Sol fez seus olhos tremerem um pouco, mas se acostumou e deu uma volta ao redor da fábrica. Algumas coisas tinham mudado. Parecia tudo mais limpo. Andou até o Centro, tudo mais limpo também. Sem indigentes, prostitutas ou menores abandonados nas praças e calçadas.
Entrou numa concessionária e comprou um carro, Honda, último modelo importado. Tinha dinheiro para isso. Pagou à vista. Acelerou e procurou um flat. Achou um de três cômodos. Perfeito. Mais dois dias, e o imóvel foi mobiliado. Tudo simples, mas funcional, para atender as expectativas do seu trabalho.
Em silêncio, viajava freqüentemente para realizar “serviços de limpeza”. Comandava um esquadrão que atraía menores das ruas de São Paulo para dentro de uma van. Às vezes, faziam-se de pervertidos para que fossem convidados para festinhas ornamentadas a sexo, realizadas pelos barões locais. Por vezes, fingiam-se bons samaritanos, de entidades filantrópicas, e captavam indigentes e demais abandonados.
Devido ao treinamento recebido, o trabalho era simples e quase não havia imprevistos. Juliano cumpria suas ordens automaticamente. Sedava a matéria-prima para que a carne se mantivesse ainda fresca e macia, até o momento do abate. Para sedá-los era fácil. Uma garrafa de uísque com drogas. Efeito rápido o bastante para a viagem completa.
Já na fábrica, a matéria-prima era despida e lavada com um detergente especial que, de tão forte, deixava as peles vermelhas e descoloriam o cabelo. Era enxaguada, em água destilada, e levada em esteiras para a realização de exames. Verificavam o tipo de sangue e o estado geral dos órgãos internos, exigências das entidades que encaminhavam este material para o sistema público de saúde.
Com tudo checado, passava pelas mesas cirúrgicas. Retirados os órgãos e drenado o sangue, partia – numa esteira novamente – para ser temperada, moída e compactada em forma de mortadela. Antes, é claro, havia o cuidado de se retirar as unhas e todos os vestígios de pêlos dos corpos. Nada mais desagradável para um consumidor que ver um pedaço de unha ou um pêlo naquilo que está comendo.
A quantidade de propagandas institucionais do governo aumentou consideravelmente nos meios de comunicação, depois houve a superação no déficit de órgãos para transplante, a queda no nível de desnutrição e o saneamento social das ruas. A sociedade parecia mais feliz com o que via. Os partidos de oposição, curiosamente, não tinham mais tanta força quanto anteriormente.
A mortadela, produto comum na mesa dos brasileiros, tinha – como ingrediente no tempero – uma substância narcotizante, que catalisava as atenções para as mensagens subliminares do governo. Por isso, tudo foi ficando mais homogêneo, das decisões do congresso às divergências entre os partidos políticos.
Juliano fazia parte do plano nacional de imbecilização das pessoas. Era apenas uma agente, mas estava no alicerce de todo o movimento. Um dia, ele vistoriou seu passado e veio a lembrança daquelas vezes em que era violentado pelo padrasto. Suas noites eram pesadelos e seus nervos, aturdidos, estavam no meio fio entre o ódio e o desejo de destruir.
Não era mais o garoto franzino e desprotegido de outrora. Foi moldado para uma finalidade do Estado e era um exemplo vivo da excelência do treinamento ao qual fora submetido. Sem família, sem remorso, o agente perfeito para a execução das tarefas mais ocultas na manutenção do poder.
Numa madrugada, o pesadelo veio com violência e Juliano teve que fazer algo para compensar sua dor. Levantou-se e vestiu sua indumentária de missão. Reconstruiu mentalmente o trajeto da casa onde vivera sua infância maltrapilha e para lá partiu, com um objetivo definido.
Luzes de vela e o cheiro de cachaça atravessavam as janelas do casebre. Ele estava lá sozinho, a mãe já saiu para trabalhar. O inútil, porco e imprestável. De um só assalto, Juliano invadiu o local, imobilizou o padrasto e sedou-o com um pano embebido em clorofórmio.
Jogou seu corpo no porta-malas do carro. Essa limpeza era pessoal, de caráter obrigatório. Foi até a fábrica. Num quarto semelhante a uma sala cirúrgica, Juliano adentrou com seu padrasto. Amarrou-o na mesa e tirou-lhe a mordaça.
O capitão não queria ouvir palavra alguma. Mandou-o calar-se. Com um bisturi cortou-lhe as roupas e deixou-o nu. Zezo, ainda entorpecido, tentava gritar. Juliano, enfurecido, cortou-lhe a língua com um bisturi e deu-lhe pontos para que não se afogasse com o próprio sangue.
Juliano dizia calmamente tudo o que sentia e tudo o que passou para o paspalho estendido na mesa. Contou-lhe em minúcias o processo produção das mortadelas e que ele era matéria-prima em potencial: um pária, sem função alguma, serviria de alimento para as pessoas de bem.
Zezo contorcia-se na mesa, inutilmente. Juliano levou-o para a lavagem, sem anestesiá-lo. Ainda vivo, o padrasto passou pelo banho químico e pelos exames. Novamente numa mesa cirúrgica, via seus órgãos serem retirados, seus músculos do pescoço se contorciam num grito que morria ao chegar à boca. Todos seus órgãos, exceto o coração, estavam corroídos pelo álcool. Com lágrimas nos olhos, o capitão murmurou: "Tudo o que eu queria era que você fosse um pai."
Os cirurgiões retiraram-lhe o coração e Zezo desfaleceu de vez. Com os olhos esbugalhados, semi-abertos, seguiu para ser triturado, temperado, compactado e enlatado. Lote 389.670. Este lote, porém, não saiu para a mesa do consumidor. O departamento de entregas e circulação teve ordens diretas para despejar a mercadoria no apartamento do capitão Juliano.
Após uma longa jornada de trabalho, Juliano sentou-se ao sofá e abriu um pacote de mortadela. Com uma faca, retirou um naco grosso e colocou-o num pão, recheando-o com maionese. Com um brilho nas pupilas, pegou uma lata de refrigerante e ligou no canal de sexo explícito.
Ao som das sacanagens e imagens de bacanal, desferiu a primeira mordida no sanduíche. Sua vingança contra todos, pelo menos no plano individual, estava completa. Saboreou com vontade o sanduíche e preparou mais outro, com a mesma manteiga que Zezo usava para seviciá-lo. Sentia-se saciado, em todos os sentidos. Mordiscou o último pedaço e falou:
- Agora sou eu quem te come, filho da puta.