sexta-feira, 14 de julho de 2023

Porte e posse de arma branca são infrações penais?


Roger Moko Yabiku

 

            Praticamente em toda a história da humanidade, desde que o ser humano aprendeu a fabricar instrumentos, as armas estiveram presentes, seja para combater outros homens, para se proteger dos animais, ou, como hoje, para finalidades culturais e esportivas.

            Certamente, a invenção da pólvora pelos chineses, em torno de 700 depois de Cristo (D.C.), foi um marco divisório entre os tipos de armas. Atualmente, é muito comum dividi-las, simplesmente, em armas de fogo (com uso de pólvora) e armas brancas (espadas, facas, arco e flecha, machados, dentre outros instrumentos).

            Nem sempre, ao longo do tempo, houve o monopólio legal do uso da violência por parte do Estado. Não raro, as partes eram responsáveis pela execução das penas, o que levaria, paulatinamente, à decadência da paz social.

            Geralmente, os países regulamentam (ou proíbem) a utilização, porte ou posse de armas (de fogo, principalmente), para evitar que as pessoas façam “justiça com as próprias mãos”. Observa-se que, na República Federativa do Brasil, “fazer justiça com as próprias mãos” é, no mínimo, o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, do Código Penal).

            A respeito das armas, a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941) dispõe:

 

Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

        Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

        § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.

        § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:

        a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;

        b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;

        c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la. (BRASIL, 1941)

Com relação às armas de fogo, é pacífico que se emprega os dispositivos do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003) para os crimes de porte e posse de arma de fogo, em suas diversas modalidades (art. 12, 14 ou 16, por exemplo), em vez do art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941).

            Entretanto, há uma polêmica com relação à aplicação do art. 19 da Lei de Contravenções Penais ao porte ou à posse de armas brancas. Primeiro ponto. O que é arma branca? Por exclusão, pode-se dizer que são aquelas que não se enquadram no conceito de arma de fogo. Contudo, a problemática em sua definição permanece.

            As armas brancas podem ser próprias, com finalidade de ataque e defesa, como espadas, machados, arcos e flexa e punhais, por exemplo. Já as armas brancas impróprias seriam facas de cozinha, martelos, chaves de fenda, enxada, garfos, instrumentos agrícolas, entre vários outros objetos utilizados no cotidiano.

            Um promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), nos autos nº 673.10.001012-9, promoveu o arquivamento do feito, o que não foi acatado pelo Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca. O argumento ministerial é que não há norma regulamentadora para o porte de arma branca. O elemento normativo “sem licença da autoridade”, entendeu o magistrado, aplicava-se somente para arma de fogo, e não arma branca.

            O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, no julgamento do RHC nº 56128 / MG entendeu que, relativamente às armas brancas, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais continua em vigor.

            No caso examinado pelo STJ, policiais militares, em Três Corações (MG), encontraram um homem perambulando pelas ruas da cidade com uma facão de 22 centímetros. O argumento da Defensoria Pública de Minas Gerais foi pela atipicidade da conduta, visto que não existe licença para se comprar o artefato em questão. O STJ não acatou esta tese.

            O assunto também está a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no ARE 901623, tendo como relator o Ministro Edson Facchin. Em despacho de 18 de abril de 2023, Facchin determinou a suspensão dos autos por 90 dias, até que a Diretoria de Assuntos Legislativos, da Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, se manifestasse acerca de eventual regulamentação do art. 19 da Lei de Contravenções Penais.

No Estado de São Paulo, o Decreto Estadual nº 6.911/1935 define como armas brancas (art. 5º, § 1º, “f” e “h”): punhal, bengalas ou guarda-chuvas ou quaisquer outros objetos contendo punhal, punhal, espada, estilete ou espingarda; facas cuja lâmina tenha mais de 19 centímetros de comprimento, e navalhas de qualquer dimensão, salvo quando as circunstâncias justifiquem o fabrico, comércio ou uso desses objetos como instrumentos de trabalho ou utensílios.

Todavia, essa norma estadual não pode ser aplicada em conjunto à legislação penal, visto que a produção do Direito Penal é de competência privativa da União.

            Muitas atividades culturais e esportivas utilizam armas brancas, devidamente adaptadas à segurança dos praticantes e terceiros, organizando-se de maneira profissional e adequada à realidade jurídica brasileira, colaborando para o desporto nacional e mundial.

            Pode-se afirmar que os praticantes dessas atividades culturais e esportivas não cometem crime, visto que realizam suas condutas em “exercício regular de Direito” (art. 23, III, do Código Penal), uma excludente de ilicitude.

            Não raro, esses equipamentos são confeccionados sob critérios de qualidade padronizados por entidades representativas em nível internacional, como a esgrima européia e o arco e flecha, que são, aliás, esportes olímpicos.

            Várias artes marciais de origem oriental utilizam armas brancas, dentro de todos os padrões de uniformização e segurança já descritos acima, com entidades representativas em nível nacional e internacional.

            Isto posto, não há crime por parte dos praticantes dessas modalidades esportivas e culturais ao portarem ou possuírem, mesmo fora de casa, seus equipamentos de treino, por estarem agindo em exercício regular de Direito, em conformidade com a legislação brasileira.

Caso contrário, isso impossibilitaria o treino ou mesmo os torneios e campeonatos dessas modalidades esportivas, ocasionando um atraso significativo do Brasil no cenário mundial.

sábado, 16 de janeiro de 2021

À espera de Rawls: consenso sobre justaposição


As frustrações em todos os sentidos parecem encontrar local propício para a reprodução de impropriedades que desafiam o sentido da razão. Argumentações infundadas com lastres em ‘pseudo-ciência política” dividem, maniqueistamente, gladiadores em duas facções: esquerda e direita.

Num primeiro momento, tal separação mantinha uma noção geográfica. Na Assembléia Geral da França, os assentos à Direita pertenciam à Igreja (o Primeiro Estado) e à nobreza (o Segundo Estado). À esquerda, sentavam-se os demais, os camponeses, comerciantes e a própria burguesia.

Posteriormente, com o advento da teoria marxista, a burguesia deslocou-se para a Direita. Então, um micro e pequeno empresário, hoje, poderiam ter sido enquadrados como esquerda e, só posteriormente, como direita.

Numa análise rasa, pode-se dizer que direita tem como valor basilar a “liberdade”. Por sua vez, a esquerda tem como valor a “igualdade”. Ao longo do tempo, seria pueril dizer que determinado grupo ou partido possui apenas orientações segundo um desses valores.

Ao se apegar as bases do conservadorismo tradicional, como autores como Edmund Burke, pouco se fala da possibilidade de participação popular nas decisões políticas, contudo, cobra que os legisladores não se deixem levar pela opinião pública.

A teoria marxista parte de uma análise histórica, do ponto de vista econômico, da sociedade. No qual a evolução se dá por um mecanismo denominado materialismo dialético.

Em suma, liberdade ao extremo sacrifica a igualdade. E igualdade ao extremo sacrifica a liberdade.

Existem pontos de conciliação entre liberdade e igualdade, tal como as diversas ideologias, filosofias, religiões e crenças, numa sociedade democrática.




Isso seria realizado numa situação de “consenso por justaposição”, conforme o filósofo político John Rawls. As pessoas cobertas por um “véu da ignorância” esqueceriam quem seriam na sociedade e escolheriam os princípios de uma sociedade justa, bem ordenada.

A idéia de consenso por justaposição equivale à noção de justiça como “jogo limpo”, imparcialidade, tolerância e equidade.

Será que essas idéias que congregam principalmente tolerância e compreensão do pensamento alheio teriam terreno fértil no Brasil?

 

 

 

 

 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Em 1995: banda "Self Lords", música "The first sight"

 

"The first sight", gravado em 1995. Com Emerson Gomes De Andrade , Alexandre Giandoni , Alexandre Ceratti e Marco Antônio de Oliveira.
Uma vez fomos jovens. Quando jovem sabia acariciar um pouco a guitarra. 🎸
Fase que ainda não tinha abraçado totalmente o lado "nerd" da força. Mas o heavy metal permanece incorporado.
Fiz a maior parte das guitarras solo. Incorporamos o conceito de guitarras gêmeas do Iron Maiden e do Helloween.
Quando falamos do passado, parecemos velhos delirantes.









sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Live sobre "O Código de Defesa do Consumidor" à TV CRECISP

Em 24 de setembro de 2020, tive a oportunidade de falar sobre o "Código de Defesa do Consumidor" numa "live" concedida ao Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (CRECI-SP).






sábado, 25 de janeiro de 2020

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL



Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

INTRODUÇÃO

            A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “pacote anticrime”, trouxe algumas inovações ao ordenamento jurídico penal e processual penal brasileiro. Dentre elas, está o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A, incluso no Código de Processo Penal por essa lei.
            Se não for a situação de arquivamento do inquérito policial, o acordo de não persecução penal só pode ser realizado em caso de infrações penais com pena igual ou inferior a quatro anos, cometidos sem violência ou grave ameaça.
            Pela leitura do art. 28ª, § 1º, depreende-se que essa pena deve levar em consideração toda a dosimetria da pena, e não só a pena base. Há um pequeno problema de redação no referido dispositivo, visto que menciona que devem ser levadas em consideração as causas de aumento e de diminuição de pena aplicadas ao caso concreto.
            Porém, a fixação da pena no Direito Penal brasileiro segue o critério trifásico: 1º - fixação da pena base, 2º - aplicação das circunstâncias agravantes e atenuantes e 3º - aplicação das causas de aumento e diminuição de pena.
            Embora seja um instituto incluído no Código de Processo Penal, a dosimetria da pena é um instituto de Direito Penal, ou seja, material e não processual.
            Assim, num primeiro entendimento, não pode haver interpretação extensiva ou analogia “in malan partem” no Direito Penal. Então, para fins do acordo de não persecução penal, deve-se levar em conta a pena e as causas de aumento e de diminuição de pena e, somente, as circunstâncias atenuantes e não as agravantes.
            Este é o posicionamento provisório que se adota até que haja maior amadurecimento do instituto por parte da doutrina e jurisprudência.
            A proposta deve ser feita pelo titular da ação penal pública, o Ministério Público, se o mesmo considerar essa medida suficiente para prevenir e reprimir novo comportamento criminoso.
            Em resumo, o autor da infração penal celebra um acordo com o Ministério Público que, se homologado pelo juiz, não passa por processo de conhecimento. Inicia-se, diretamente, a execução penal.

NÃO APLICABILIDADE DO ACORDO

            Note-se que, em se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo (pena igual ou inferior a dois anos, ou contravenção penal), de competência do Juizado Especial Criminal (JECRIM) aplica-se a transação penal, se assim for pertinente, e não o acordo de não persecução penal.
            Não pode ser aplicado o acordo de não persecução criminal se o investigado for reincidente ou houver elementos probatórios de conduta criminosa habitual e reiterada, ou ainda com grau de “profissionalidade”, desde que não seja o comportamento atual.
             Também não se aplica ao agressor contra a mulher, em razão do sexo feminino, em crimes contextualizados como de violência doméstica ou familiar.


DAS CONDIÇÕES DO ACORDO

            Os  incisos do art. 28-A definem as condições para a realização do acordo de não persecução penal. Se não houver impossibilidade de assim o realizar, o autor deve reparar o dano ou restituir a coisa à vítima (art. 28-A, I, CPP).
            O autor deve reconhecer e renunciar voluntariamente todos bens e direitos que o Ministério Público apontar como instrumento, produto ou proveito do crime (art. 28-A, II, CPP).
            Entretanto, uma ressalva. O texto cru da lei determina que basta o Ministério Público apontar. No entanto, deve haver elementos probatórios suficientes comprovar, de maneira inconteste, que tais bens e direitos são instrumento, produto ou proveito do crime. Caso contraditório, violar-se-ia o princípio da presunção da inocência.
            No acordo, o autor deve aceitar prestar serviço comunitário ou em entidades públicas, em local definido pelo juízo da execução penal, pelo período de tempo correspondente à pena mínima da infração penal, com diminuição de um terço (art. 28-A, III, CPP).
            A prestação de serviço comunitário ou em entidades públicas deve se dar na forma do art. 46 do Código Penal:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. 
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. (BRASIL, 1940)

            Uma das condições pode ser o pagamento de prestação pecuniária, nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, em conformidade com o deliberado pelo juízo da execução penal, no intuito de proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes àqueles aparentemente lesados pela infração penal.
            À leitura do art. 45 do Código Penal:

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.
§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.
§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. (BRASIL, 1940)

            Entende-se que o art. 45, § 1º, CP, deve ser utilizado na interpretação do art. 28-A, I, CPP, para fixar a quantia a ser indenizada à vítima da infração penal, em se tratando de particular, seja pessoa natural ou jurídica; o sujeito passivo da infração penal é o particular.
            O mesmo parâmetro do art. 45, § 1º, CP, deve ser utilizado para a fixação do valor da prestação pecuniária a ser paga a entidade pública ou privada de destinação social previsto no art. 28-A, IV, CPP. Aí, depreende-se que o sujeito passivo da infração penal é o Estado ou a coletividade (bem difuso ou coletivo).
            O Ministério Público (art. 28, V, CPP) pode impor outra condição não mencionada anteriormente ao autor, desde que seja compatível e proporcional com a infração penal cometida.

           
DA CELEBRAÇÃO E DO PROCESSAMENTO DO ACORDO

            O acordo de não persecução penal deve ser celebrado por escrito e assinado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado. A homologação do acordo de não persecução penal deve ser realizada em audiência com oitiva do investigado devidamente acompanhado de seu advogado.
            O juiz, nessa fase, deve verificar se o investigado não foi coagido e se o acordo foi redigido segundo a legalidade.
            Se o juiz não considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições apresentadas pela acusação, ele enviará o acordo ao Ministério Público, para a reformulação do mesmo. Em obediência ao contraditório e a ampla defesa, o investigado e seu advogado devem ser instados a se manifestar com relação ao feito.
            Em decisão cautelar de 23 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com relação a alguns dispositivos do pacote anticrime, considerou que o acordo de não persecução criminal é constitucional, numa primeira análise, desde que o juiz não interfira na redação final do acordo.

Leia a decisão completa do ministro Luiz Fux no link: https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf

            Com a homologação judicial do acordo, as autos retornam ao Ministério Público para que se inicie a execução perante o juízo da execução penal.
            Se o juiz não considerar adequadas as condições, ou ilegais, pode indeferir a homologação do acordo. Daí, os autos são enviados ao Ministério Público que, por sua vez, verificará a necessidade de complemento das investigações ou mesmo do oferecimento de denúncia, dando início a processo de conhecimento.
            O juiz deve intimar a vítima se houver homologação de acordo de não persecução criminal, tal como o descumprimento por parte do autor.
            O Ministério Público, se verificar o não cumprimento das condições pelo autor, deve comunicar ao juízo, para a rescisão do acordo e posterior ajuizamento da denúncia. O não cumprimento do acordo também é justificativa para o Ministério Público não oferecer a suspensão condicional do processo.
            A celebração e o cumprimento do acordo não devem constar em certidão de antecedentes criminais, exceto se houver a recusa com fundamento no art. 28-A, §2º e incisos.
            Quando o autor cumprir integralmente as disposições do acordo, pelo prazo nele estipulado, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
            Se o Ministério Público se recusar a oferecer o acordo, o investigado interpor recurso ao seu órgão superior, na forma do art. 28, CPP. Entretanto, a nova forma de arquivamento do inquérito policial, contida no art. 28, CPP, é um dispositivos suspensos pela cautelar deferida pelo ministro Luiz Fux.
            Então, resta interpretar que se o órgão ministerial recusar-se a oferecer o acordo, o investigado deve se socorrer do poder judiciário.


REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >
____. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL III – JUIZ DE GARANTIAS




BREVES APONTAMENTOS SOBRE INQUÉRITO POLICIAL III – JUIZ DE GARANTIAS

Prof. Ms. Roger Moko Yabiku



INTRODUÇÃO

            O pacote anticrime, alcunha da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal” trouxe algumas novidades. Uma das mais polêmicas é a figura do juiz de garantias.
            As disposições legais acerca do juiz de garantias deveriam entrar em vigor em 23 de janeiro de 2020, assim como as demais disposições do pacote anticrime. Contudo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Dias Toffoli, entendeu que o período de “vacatio legis” seria insuficiente para que os tribunais se adequassem à nova realidade.
            Então, dentre outras condições, determinou que as disposições legais sobre o juiz de garantias só devem entrar em vigor em 180 dias da publicação da decisão proferida em 15 de janeiro de 2020 pelo ministro Dias Toffoli.

_________________________________________________________________________________

Leia a decisão completa do ministro Dias Toffoli no link: https://www.conjur.com.br/dl/liminar-suspende-implantacao-juiz.pdf
_________________________________________________________________________

            Em 23 de janeiro de 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade relativa a alguns trechos do pacote anticrime, decidiu suspender, em medida cautelar, dentre outras a implantação do juiz de garantias por prazo indeterminado. Ou seja, até o julgamento do mérito.



____________________________________________________________________________

Leia a decisão completa do ministro Luiz Fux no link: https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf
_________________________________________________________________________

            Sem adentrar em maiores detalhes acerca do despacho proferido pelo presidente do STF e pelo ministro relator, passa-se a analisar o texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República.
            O juiz de garantias é tratado nos recém-introduzidos artigos 3ºA a E, do Código de Processo Penal. Com certeza, aperfeiçoa a persecução criminal no sentido de impor, pela via legal, mais imparcialidade, neutralidade e objetividade para o julgador.
            De maneira simplista: o juiz que salvaguarda o inquérito policial não deve ser o mesmo juiz que instrui e julga.
            O juiz de garantias, apesar de atuar principalmente na fase pré-processual (do inquérito policial até o recebimento da denúncia ou queixa – art. 3ºC, CPP), deve observar o sistema acusatório típico do processo penal.
            Este texto foi elaborado para fins meramente didáticos e pode ser alterado conforme houver evolução dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários.

COMPETÊNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS

            Versa o art. 3ºB, do CPP, que o juiz de garantias deve prezar pela legalidade da investigação criminal, tal como proteção dos direitos individuais do acusado, naquilo que compete ao poder judiciário.
            Adianta-se que, de acordo com o art. 3ºC, as infrações penais de menor potencial ofensivo (crimes com penas iguais ou inferiores a dois anos e contravenções penais) não estão sob a competência do juiz de garantias.
            As competências do juiz de garantias estão basicamente elencadas nos incisos do art. 3ºB, do CPP:

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. (BRASIL, 2019)

            Então, o juiz de garantias deve receber a comunicação oficial da prisão do indivíduo. Contudo, como se procederá em caso de foro privilegiado? Quem será o juiz de garantias para o recebimento de tal comunicação?
           
CONTROLE DA LEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Na função de controle de legalidade da prisão em flagrante, assim que receber os autos, juiz de garantias deve decidir motivadamente em conformidade com o art. 310, CPP, no sentido de I – relaxar a prisão em flagrante; II – converter a prisão em flagrante em prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, ou quando outra medida cautelar diversa da prisão for insuficiente ou inadequada; III – conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
            Cabe ainda ao juiz de garantias o exercício do previsto no art. 310, parágrafo único, CPP, no que diz respeito à concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante nas situações de excludente de ilicitude (art. 23, I a III, do Código Penal), mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação do benefício.

OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS DOS PRESOS, PRISÕES PROVISÓRIAS E MEDIDAS CAUTELARES

            Além dos direitos do preso previstos no art. 41 da Lei de Execuções Penais (LEP), deve o juiz de garantias prezar pela observância dos seus direitos e garantias fundamentais, dentre outros, “podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo” (art. 3ºB, III).
            Pelo art. 3ºF, CPP, o juiz de garantias deve assegurar para que haja acordo ou ajuste de qualquer autoridade com os meios de comunicação para a exposição da imagem do preso. Se assim não o proceder, estará sujeito a sanções de ordem civil, administrativa e penal.
            Para fins de controle, o juiz de garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal.
            Além dos requerimentos de prisões provisórias (prisões processuais, que não a em flagrante), o juiz de garantias tem a competência de decidir acerca de qualquer outra medida cautelar (art. 3ºB, V, CPP) em sede de inquérito policial.
            Também decide sobre prorrogação de prisão provisória ou medida cautelar diversa da prisão, tal como sua prorrogação, substituição ou revogação. A prorrogação da prisão provisória deve ser precedida de audiência pública e oral, assegurando o contraditório, na forma da legislação afim.
            É da sua competência decidir acerca dos pedidos de produção antecipada de provas revestidas de urgência e não passíveis de serem repetidas, em audiência pública e oral, com a observância do contraditório e da ampla defesa.

TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL

            O juiz de garantias é a autoridade competente para “determinar o trancamento de inquérito policial se não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento” (art. 3ºB, IX).
            Outra polêmica. O próprio pacote anticrime alterou a sistemática de arquivamento do inquérito policial. Portanto, interpreta-se que o trancamento do inquérito policial nos termos do art. 3ºB, IX, dar-se-á por requerimento do investigado.
            Na função de controle de legalidade do inquérito policial, o juiz de garantias pode “requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação” (art. 3ºB, X, CPP).

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, SIGILO FISCAL E BANCÁRIO

            Conforme o art. 3ºB, XI, o juiz de garantias deve decidir a respeito de interceptação telefônica, de comunicações em sistemas de informática, telemática e outras formas de comunicação.
            Ainda nessa fase, é da sua competência deliberar sobre quebra de sigilo fiscal, bancário, de dados e telefônico. Decida sobre a busca e apreensão domiciliar, acesso de informações sigilosas, tal como outros meios de prova que possam restringir direitos fundamentais do acusado.
            Até antes do oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, o juiz de garantias é competente para julgar “habeas corpus”.
            Determina a instauração de incidente de insanidade mental para verificar acerca da imputabilidade do acusado. E, finalmente, é o juiz de garantias que decida se recebe, ou não, a denúncia oferecida pelo Ministério Público ou queixa-crime por parte do ofendido.

O JUIZ DE GARANTIAS E O JUIZ DA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

            Conforme já mencionado, a partir do recebimento da denúncia ou queixa-crime, cessa-se a competência do juiz de garantias. Então, todas questões pendentes, que não foram abordadas na fase pré-processual (inquérito policial), serão decididas pelo juiz de instrução e julgamento (art. 3ºC, § 1º, CPP).
            O juiz de instrução e julgamento pode rever as decisões do juiz de garantias (art. 3ºC, § 2º, CPP). Dez dias contados do recebimento da denúncia ou queixa-crime, o mesmo deve deliberar acerca da manutenção, ou não, das medidas cautelares proferidas pelo juiz de garantias.
            Embora os autos das matérias de competência ficarem sob a tutela do cartório da vara, disponíveis para o Ministério Público e para a defesa do acusado, não devem ser enviados, em apenso, o juiz de instrução e julgamento. Somente devem ser enviados ao juiz de instrução e julgamento os documentos pertinentes às provas não passíveis de repetição, “medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado”, dispõe o § 3º, do art. 3ºC, do CPP.
            O § 4º do mesmo artigo reitera que as partes devem ter amplo acesso aos autos produzidos sob o condão do juiz de garantias.
            Aqui fica um questionamento. Como deverá ser a organização da secretaria ou vara do juiz de garantias? Uma divisão da secretaria ou vara do juízo da instrução ou uma secretaria ou vara totalmente independente? Questão pertinente, levada em conta pelo ministro Dias Toffoli, para que cada tribunal adeque a organização judiciária.
            Pelo art. 3ºD, o juiz que funcionar na garantia não deve instruir e julgar o mesmo processo, pois estará impedido. Outro problema. Algumas comarcas possuem apenas um magistrado, que não raro, cumula matérias cíveis e criminais. Pelo parágrafo único do art. 3ºD, os tribunais deverão criar sistemas de rodízio para que não haja o impedimento previsto no “caput”.

Leia mais:

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >
SANTOS, Rafa; VALENTE, Fernanda. Toffoli suspende implantação de juiz de garantias por seis meses, in: Consultor Jurídico, 15 jan. 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-jan-15/toffoli-suspende-implementacao-juiz-garantias >