terça-feira, 21 de janeiro de 2020

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL III – JUIZ DE GARANTIAS




BREVES APONTAMENTOS SOBRE INQUÉRITO POLICIAL III – JUIZ DE GARANTIAS

Prof. Ms. Roger Moko Yabiku



INTRODUÇÃO

            O pacote anticrime, alcunha da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal” trouxe algumas novidades. Uma das mais polêmicas é a figura do juiz de garantias.
            As disposições legais acerca do juiz de garantias deveriam entrar em vigor em 23 de janeiro de 2020, assim como as demais disposições do pacote anticrime. Contudo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Dias Toffoli, entendeu que o período de “vacatio legis” seria insuficiente para que os tribunais se adequassem à nova realidade.
            Então, dentre outras condições, determinou que as disposições legais sobre o juiz de garantias só devem entrar em vigor em 180 dias da publicação da decisão proferida em 15 de janeiro de 2020 pelo ministro Dias Toffoli.

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Leia a decisão completa do ministro Dias Toffoli no link: https://www.conjur.com.br/dl/liminar-suspende-implantacao-juiz.pdf
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            Em 23 de janeiro de 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade relativa a alguns trechos do pacote anticrime, decidiu suspender, em medida cautelar, dentre outras a implantação do juiz de garantias por prazo indeterminado. Ou seja, até o julgamento do mérito.



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Leia a decisão completa do ministro Luiz Fux no link: https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf
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            Sem adentrar em maiores detalhes acerca do despacho proferido pelo presidente do STF e pelo ministro relator, passa-se a analisar o texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República.
            O juiz de garantias é tratado nos recém-introduzidos artigos 3ºA a E, do Código de Processo Penal. Com certeza, aperfeiçoa a persecução criminal no sentido de impor, pela via legal, mais imparcialidade, neutralidade e objetividade para o julgador.
            De maneira simplista: o juiz que salvaguarda o inquérito policial não deve ser o mesmo juiz que instrui e julga.
            O juiz de garantias, apesar de atuar principalmente na fase pré-processual (do inquérito policial até o recebimento da denúncia ou queixa – art. 3ºC, CPP), deve observar o sistema acusatório típico do processo penal.
            Este texto foi elaborado para fins meramente didáticos e pode ser alterado conforme houver evolução dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários.

COMPETÊNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS

            Versa o art. 3ºB, do CPP, que o juiz de garantias deve prezar pela legalidade da investigação criminal, tal como proteção dos direitos individuais do acusado, naquilo que compete ao poder judiciário.
            Adianta-se que, de acordo com o art. 3ºC, as infrações penais de menor potencial ofensivo (crimes com penas iguais ou inferiores a dois anos e contravenções penais) não estão sob a competência do juiz de garantias.
            As competências do juiz de garantias estão basicamente elencadas nos incisos do art. 3ºB, do CPP:

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. (BRASIL, 2019)

            Então, o juiz de garantias deve receber a comunicação oficial da prisão do indivíduo. Contudo, como se procederá em caso de foro privilegiado? Quem será o juiz de garantias para o recebimento de tal comunicação?
           
CONTROLE DA LEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Na função de controle de legalidade da prisão em flagrante, assim que receber os autos, juiz de garantias deve decidir motivadamente em conformidade com o art. 310, CPP, no sentido de I – relaxar a prisão em flagrante; II – converter a prisão em flagrante em prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, ou quando outra medida cautelar diversa da prisão for insuficiente ou inadequada; III – conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
            Cabe ainda ao juiz de garantias o exercício do previsto no art. 310, parágrafo único, CPP, no que diz respeito à concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante nas situações de excludente de ilicitude (art. 23, I a III, do Código Penal), mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação do benefício.

OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS DOS PRESOS, PRISÕES PROVISÓRIAS E MEDIDAS CAUTELARES

            Além dos direitos do preso previstos no art. 41 da Lei de Execuções Penais (LEP), deve o juiz de garantias prezar pela observância dos seus direitos e garantias fundamentais, dentre outros, “podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo” (art. 3ºB, III).
            Pelo art. 3ºF, CPP, o juiz de garantias deve assegurar para que haja acordo ou ajuste de qualquer autoridade com os meios de comunicação para a exposição da imagem do preso. Se assim não o proceder, estará sujeito a sanções de ordem civil, administrativa e penal.
            Para fins de controle, o juiz de garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal.
            Além dos requerimentos de prisões provisórias (prisões processuais, que não a em flagrante), o juiz de garantias tem a competência de decidir acerca de qualquer outra medida cautelar (art. 3ºB, V, CPP) em sede de inquérito policial.
            Também decide sobre prorrogação de prisão provisória ou medida cautelar diversa da prisão, tal como sua prorrogação, substituição ou revogação. A prorrogação da prisão provisória deve ser precedida de audiência pública e oral, assegurando o contraditório, na forma da legislação afim.
            É da sua competência decidir acerca dos pedidos de produção antecipada de provas revestidas de urgência e não passíveis de serem repetidas, em audiência pública e oral, com a observância do contraditório e da ampla defesa.

TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL

            O juiz de garantias é a autoridade competente para “determinar o trancamento de inquérito policial se não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento” (art. 3ºB, IX).
            Outra polêmica. O próprio pacote anticrime alterou a sistemática de arquivamento do inquérito policial. Portanto, interpreta-se que o trancamento do inquérito policial nos termos do art. 3ºB, IX, dar-se-á por requerimento do investigado.
            Na função de controle de legalidade do inquérito policial, o juiz de garantias pode “requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação” (art. 3ºB, X, CPP).

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, SIGILO FISCAL E BANCÁRIO

            Conforme o art. 3ºB, XI, o juiz de garantias deve decidir a respeito de interceptação telefônica, de comunicações em sistemas de informática, telemática e outras formas de comunicação.
            Ainda nessa fase, é da sua competência deliberar sobre quebra de sigilo fiscal, bancário, de dados e telefônico. Decida sobre a busca e apreensão domiciliar, acesso de informações sigilosas, tal como outros meios de prova que possam restringir direitos fundamentais do acusado.
            Até antes do oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, o juiz de garantias é competente para julgar “habeas corpus”.
            Determina a instauração de incidente de insanidade mental para verificar acerca da imputabilidade do acusado. E, finalmente, é o juiz de garantias que decida se recebe, ou não, a denúncia oferecida pelo Ministério Público ou queixa-crime por parte do ofendido.

O JUIZ DE GARANTIAS E O JUIZ DA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

            Conforme já mencionado, a partir do recebimento da denúncia ou queixa-crime, cessa-se a competência do juiz de garantias. Então, todas questões pendentes, que não foram abordadas na fase pré-processual (inquérito policial), serão decididas pelo juiz de instrução e julgamento (art. 3ºC, § 1º, CPP).
            O juiz de instrução e julgamento pode rever as decisões do juiz de garantias (art. 3ºC, § 2º, CPP). Dez dias contados do recebimento da denúncia ou queixa-crime, o mesmo deve deliberar acerca da manutenção, ou não, das medidas cautelares proferidas pelo juiz de garantias.
            Embora os autos das matérias de competência ficarem sob a tutela do cartório da vara, disponíveis para o Ministério Público e para a defesa do acusado, não devem ser enviados, em apenso, o juiz de instrução e julgamento. Somente devem ser enviados ao juiz de instrução e julgamento os documentos pertinentes às provas não passíveis de repetição, “medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado”, dispõe o § 3º, do art. 3ºC, do CPP.
            O § 4º do mesmo artigo reitera que as partes devem ter amplo acesso aos autos produzidos sob o condão do juiz de garantias.
            Aqui fica um questionamento. Como deverá ser a organização da secretaria ou vara do juiz de garantias? Uma divisão da secretaria ou vara do juízo da instrução ou uma secretaria ou vara totalmente independente? Questão pertinente, levada em conta pelo ministro Dias Toffoli, para que cada tribunal adeque a organização judiciária.
            Pelo art. 3ºD, o juiz que funcionar na garantia não deve instruir e julgar o mesmo processo, pois estará impedido. Outro problema. Algumas comarcas possuem apenas um magistrado, que não raro, cumula matérias cíveis e criminais. Pelo parágrafo único do art. 3ºD, os tribunais deverão criar sistemas de rodízio para que não haja o impedimento previsto no “caput”.

Leia mais:

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >
SANTOS, Rafa; VALENTE, Fernanda. Toffoli suspende implantação de juiz de garantias por seis meses, in: Consultor Jurídico, 15 jan. 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-jan-15/toffoli-suspende-implementacao-juiz-garantias >








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