BREVES
APONTAMENTOS SOBRE INQUÉRITO POLICIAL III – JUIZ DE GARANTIAS
Prof. Ms. Roger Moko Yabiku
INTRODUÇÃO
O pacote anticrime, alcunha da Lei
nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que “aperfeiçoa a legislação penal e
processual penal” trouxe algumas novidades. Uma das mais polêmicas é a figura
do juiz de garantias.
As disposições legais acerca do juiz
de garantias deveriam entrar em vigor em 23 de janeiro de 2020, assim como as
demais disposições do pacote anticrime. Contudo, o presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Antônio Dias Toffoli, entendeu que o período de
“vacatio legis” seria insuficiente para que os tribunais se adequassem à nova
realidade.
Então, dentre outras condições,
determinou que as disposições legais sobre o juiz de garantias só devem entrar
em vigor em 180 dias da publicação da decisão proferida em 15 de janeiro de
2020 pelo ministro Dias Toffoli.
Leia
a decisão completa do ministro Dias Toffoli no link: https://www.conjur.com.br/dl/liminar-suspende-implantacao-juiz.pdf
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Em 23 de janeiro de 2020, o ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator da Ação Direta de
Inconstitucionalidade relativa a alguns trechos do pacote anticrime, decidiu
suspender, em medida cautelar, dentre outras a implantação do juiz de garantias
por prazo indeterminado. Ou seja, até o julgamento do mérito.
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Sem adentrar em maiores detalhes
acerca do despacho proferido pelo presidente do STF e pelo ministro relator,
passa-se a analisar o texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente
da República.
O juiz de garantias é tratado nos
recém-introduzidos artigos 3ºA a E, do Código de Processo Penal. Com certeza,
aperfeiçoa a persecução criminal no sentido de impor, pela via legal, mais
imparcialidade, neutralidade e objetividade para o julgador.
De maneira simplista: o juiz que
salvaguarda o inquérito policial não deve ser o mesmo juiz que instrui e julga.
O juiz de garantias, apesar de atuar
principalmente na fase pré-processual (do inquérito policial até o recebimento
da denúncia ou queixa – art. 3ºC, CPP), deve observar o sistema acusatório
típico do processo penal.
Este texto foi elaborado para fins
meramente didáticos e pode ser alterado conforme houver evolução dos
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários.
COMPETÊNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS
Versa o art. 3ºB, do CPP, que o juiz
de garantias deve prezar pela legalidade da investigação criminal, tal como
proteção dos direitos individuais do acusado, naquilo que compete ao poder
judiciário.
Adianta-se que, de acordo com o art.
3ºC, as infrações penais de menor potencial ofensivo (crimes com penas iguais
ou inferiores a dois anos e contravenções penais) não estão sob a competência
do juiz de garantias.
As competências do juiz de garantias
estão basicamente elencadas nos incisos do art. 3ºB, do CPP:
I - receber a comunicação imediata da prisão,
nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante
para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste
Código;
III - zelar pela observância dos direitos do
preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer
tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de
qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão
provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra
medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro
caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do
disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de
produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis,
assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do
inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela
autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito
policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou
prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e
informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de
comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário,
de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que
restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado
antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente
de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia
ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer
necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a
todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação
criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de
assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo
de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados
durante a investigação;
XVIII - outras
matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
(BRASIL, 2019)
Então, o juiz de garantias deve
receber a comunicação oficial da prisão do indivíduo. Contudo, como se procederá
em caso de foro privilegiado? Quem será o juiz de garantias para o recebimento
de tal comunicação?
CONTROLE DA LEGALIDADE DA PRISÃO EM
FLAGRANTE
Na
função de controle de legalidade da prisão em flagrante, assim que receber os
autos, juiz de garantias deve decidir motivadamente em conformidade com o art.
310, CPP, no sentido de I – relaxar a prisão em flagrante; II – converter a
prisão em flagrante em prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312
do CPP, ou quando outra medida cautelar diversa da prisão for insuficiente ou
inadequada; III – conceder liberdade provisória com ou sem fiança.
Cabe ainda ao juiz de garantias o
exercício do previsto no art. 310, parágrafo único, CPP, no que diz respeito à
concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante nas situações de
excludente de ilicitude (art. 23, I a III, do Código Penal), mediante termo de
comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação do benefício.
OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS DOS PRESOS,
PRISÕES PROVISÓRIAS E MEDIDAS CAUTELARES
Além dos direitos do preso previstos
no art. 41 da Lei de Execuções Penais (LEP), deve o juiz de garantias prezar
pela observância dos seus direitos e garantias fundamentais, dentre outros,
“podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo”
(art. 3ºB, III).
Pelo art. 3ºF, CPP, o juiz de
garantias deve assegurar para que haja acordo ou ajuste de qualquer autoridade
com os meios de comunicação para a exposição da imagem do preso. Se assim não o
proceder, estará sujeito a sanções de ordem civil, administrativa e penal.
Para fins de controle, o juiz de
garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação
criminal.
Além dos requerimentos de prisões
provisórias (prisões processuais, que não a em flagrante), o juiz de garantias
tem a competência de decidir acerca de qualquer outra medida cautelar (art.
3ºB, V, CPP) em sede de inquérito policial.
Também decide sobre prorrogação de
prisão provisória ou medida cautelar diversa da prisão, tal como sua
prorrogação, substituição ou revogação. A prorrogação da prisão provisória deve
ser precedida de audiência pública e oral, assegurando o contraditório, na
forma da legislação afim.
É da sua competência decidir acerca
dos pedidos de produção antecipada de provas revestidas de urgência e não
passíveis de serem repetidas, em audiência pública e oral, com a observância do
contraditório e da ampla defesa.
TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL
O juiz de garantias é a autoridade
competente para “determinar o trancamento de inquérito policial se não houver
fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento” (art. 3ºB, IX).
Outra polêmica. O próprio pacote
anticrime alterou a sistemática de arquivamento do inquérito policial.
Portanto, interpreta-se que o trancamento do inquérito policial nos termos do
art. 3ºB, IX, dar-se-á por requerimento do investigado.
Na função de controle de legalidade
do inquérito policial, o juiz de garantias pode “requisitar documentos, laudos
e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação” (art.
3ºB, X, CPP).
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, SIGILO FISCAL
E BANCÁRIO
Conforme o art. 3ºB, XI, o juiz de
garantias deve decidir a respeito de interceptação telefônica, de comunicações
em sistemas de informática, telemática e outras formas de comunicação.
Ainda nessa fase, é da sua
competência deliberar sobre quebra de sigilo fiscal, bancário, de dados e
telefônico. Decida sobre a busca e apreensão domiciliar, acesso de informações
sigilosas, tal como outros meios de prova que possam restringir direitos
fundamentais do acusado.
Até antes do oferecimento da
denúncia por parte do Ministério Público, o juiz de garantias é competente para
julgar “habeas corpus”.
Determina a instauração de incidente
de insanidade mental para verificar acerca da imputabilidade do acusado. E,
finalmente, é o juiz de garantias que decida se recebe, ou não, a denúncia
oferecida pelo Ministério Público ou queixa-crime por parte do ofendido.
O JUIZ DE GARANTIAS E O JUIZ DA
INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
Conforme já mencionado, a partir do
recebimento da denúncia ou queixa-crime, cessa-se a competência do juiz de
garantias. Então, todas questões pendentes, que não foram abordadas na fase
pré-processual (inquérito policial), serão decididas pelo juiz de instrução e
julgamento (art. 3ºC, § 1º, CPP).
O juiz de instrução e julgamento
pode rever as decisões do juiz de garantias (art. 3ºC, § 2º, CPP). Dez dias
contados do recebimento da denúncia ou queixa-crime, o mesmo deve deliberar
acerca da manutenção, ou não, das medidas cautelares proferidas pelo juiz de
garantias.
Embora os autos das matérias de
competência ficarem sob a tutela do cartório da vara, disponíveis para o
Ministério Público e para a defesa do acusado, não devem ser enviados, em
apenso, o juiz de instrução e julgamento. Somente devem ser enviados ao juiz de
instrução e julgamento os documentos pertinentes às provas não passíveis de
repetição, “medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que
deverão ser remetidos para apensamento em apartado”, dispõe o § 3º, do art.
3ºC, do CPP.
O § 4º do mesmo artigo reitera que
as partes devem ter amplo acesso aos autos produzidos sob o condão do juiz de
garantias.
Aqui fica um questionamento. Como
deverá ser a organização da secretaria ou vara do juiz de garantias? Uma
divisão da secretaria ou vara do juízo da instrução ou uma secretaria ou vara
totalmente independente? Questão pertinente, levada em conta pelo ministro Dias
Toffoli, para que cada tribunal adeque a organização judiciária.
Pelo art. 3ºD, o juiz que funcionar
na garantia não deve instruir e julgar o mesmo processo, pois estará impedido.
Outro problema. Algumas comarcas possuem apenas um magistrado, que não raro,
cumula matérias cíveis e criminais. Pelo parágrafo único do art. 3ºD, os
tribunais deverão criar sistemas de rodízio para que não haja o impedimento
previsto no “caput”.
Leia mais:
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm
>
SANTOS, Rafa; VALENTE, Fernanda. Toffoli suspende
implantação de juiz de garantias por seis meses, in: Consultor Jurídico, 15 jan. 2020. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-jan-15/toffoli-suspende-implementacao-juiz-garantias
>
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