sábado, 25 de janeiro de 2020

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL



Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

INTRODUÇÃO

            A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “pacote anticrime”, trouxe algumas inovações ao ordenamento jurídico penal e processual penal brasileiro. Dentre elas, está o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A, incluso no Código de Processo Penal por essa lei.
            Se não for a situação de arquivamento do inquérito policial, o acordo de não persecução penal só pode ser realizado em caso de infrações penais com pena igual ou inferior a quatro anos, cometidos sem violência ou grave ameaça.
            Pela leitura do art. 28ª, § 1º, depreende-se que essa pena deve levar em consideração toda a dosimetria da pena, e não só a pena base. Há um pequeno problema de redação no referido dispositivo, visto que menciona que devem ser levadas em consideração as causas de aumento e de diminuição de pena aplicadas ao caso concreto.
            Porém, a fixação da pena no Direito Penal brasileiro segue o critério trifásico: 1º - fixação da pena base, 2º - aplicação das circunstâncias agravantes e atenuantes e 3º - aplicação das causas de aumento e diminuição de pena.
            Embora seja um instituto incluído no Código de Processo Penal, a dosimetria da pena é um instituto de Direito Penal, ou seja, material e não processual.
            Assim, num primeiro entendimento, não pode haver interpretação extensiva ou analogia “in malan partem” no Direito Penal. Então, para fins do acordo de não persecução penal, deve-se levar em conta a pena e as causas de aumento e de diminuição de pena e, somente, as circunstâncias atenuantes e não as agravantes.
            Este é o posicionamento provisório que se adota até que haja maior amadurecimento do instituto por parte da doutrina e jurisprudência.
            A proposta deve ser feita pelo titular da ação penal pública, o Ministério Público, se o mesmo considerar essa medida suficiente para prevenir e reprimir novo comportamento criminoso.
            Em resumo, o autor da infração penal celebra um acordo com o Ministério Público que, se homologado pelo juiz, não passa por processo de conhecimento. Inicia-se, diretamente, a execução penal.

NÃO APLICABILIDADE DO ACORDO

            Note-se que, em se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo (pena igual ou inferior a dois anos, ou contravenção penal), de competência do Juizado Especial Criminal (JECRIM) aplica-se a transação penal, se assim for pertinente, e não o acordo de não persecução penal.
            Não pode ser aplicado o acordo de não persecução criminal se o investigado for reincidente ou houver elementos probatórios de conduta criminosa habitual e reiterada, ou ainda com grau de “profissionalidade”, desde que não seja o comportamento atual.
             Também não se aplica ao agressor contra a mulher, em razão do sexo feminino, em crimes contextualizados como de violência doméstica ou familiar.


DAS CONDIÇÕES DO ACORDO

            Os  incisos do art. 28-A definem as condições para a realização do acordo de não persecução penal. Se não houver impossibilidade de assim o realizar, o autor deve reparar o dano ou restituir a coisa à vítima (art. 28-A, I, CPP).
            O autor deve reconhecer e renunciar voluntariamente todos bens e direitos que o Ministério Público apontar como instrumento, produto ou proveito do crime (art. 28-A, II, CPP).
            Entretanto, uma ressalva. O texto cru da lei determina que basta o Ministério Público apontar. No entanto, deve haver elementos probatórios suficientes comprovar, de maneira inconteste, que tais bens e direitos são instrumento, produto ou proveito do crime. Caso contraditório, violar-se-ia o princípio da presunção da inocência.
            No acordo, o autor deve aceitar prestar serviço comunitário ou em entidades públicas, em local definido pelo juízo da execução penal, pelo período de tempo correspondente à pena mínima da infração penal, com diminuição de um terço (art. 28-A, III, CPP).
            A prestação de serviço comunitário ou em entidades públicas deve se dar na forma do art. 46 do Código Penal:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. 
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. (BRASIL, 1940)

            Uma das condições pode ser o pagamento de prestação pecuniária, nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, em conformidade com o deliberado pelo juízo da execução penal, no intuito de proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes àqueles aparentemente lesados pela infração penal.
            À leitura do art. 45 do Código Penal:

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.
§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.
§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. (BRASIL, 1940)

            Entende-se que o art. 45, § 1º, CP, deve ser utilizado na interpretação do art. 28-A, I, CPP, para fixar a quantia a ser indenizada à vítima da infração penal, em se tratando de particular, seja pessoa natural ou jurídica; o sujeito passivo da infração penal é o particular.
            O mesmo parâmetro do art. 45, § 1º, CP, deve ser utilizado para a fixação do valor da prestação pecuniária a ser paga a entidade pública ou privada de destinação social previsto no art. 28-A, IV, CPP. Aí, depreende-se que o sujeito passivo da infração penal é o Estado ou a coletividade (bem difuso ou coletivo).
            O Ministério Público (art. 28, V, CPP) pode impor outra condição não mencionada anteriormente ao autor, desde que seja compatível e proporcional com a infração penal cometida.

           
DA CELEBRAÇÃO E DO PROCESSAMENTO DO ACORDO

            O acordo de não persecução penal deve ser celebrado por escrito e assinado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado. A homologação do acordo de não persecução penal deve ser realizada em audiência com oitiva do investigado devidamente acompanhado de seu advogado.
            O juiz, nessa fase, deve verificar se o investigado não foi coagido e se o acordo foi redigido segundo a legalidade.
            Se o juiz não considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições apresentadas pela acusação, ele enviará o acordo ao Ministério Público, para a reformulação do mesmo. Em obediência ao contraditório e a ampla defesa, o investigado e seu advogado devem ser instados a se manifestar com relação ao feito.
            Em decisão cautelar de 23 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com relação a alguns dispositivos do pacote anticrime, considerou que o acordo de não persecução criminal é constitucional, numa primeira análise, desde que o juiz não interfira na redação final do acordo.

Leia a decisão completa do ministro Luiz Fux no link: https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf

            Com a homologação judicial do acordo, as autos retornam ao Ministério Público para que se inicie a execução perante o juízo da execução penal.
            Se o juiz não considerar adequadas as condições, ou ilegais, pode indeferir a homologação do acordo. Daí, os autos são enviados ao Ministério Público que, por sua vez, verificará a necessidade de complemento das investigações ou mesmo do oferecimento de denúncia, dando início a processo de conhecimento.
            O juiz deve intimar a vítima se houver homologação de acordo de não persecução criminal, tal como o descumprimento por parte do autor.
            O Ministério Público, se verificar o não cumprimento das condições pelo autor, deve comunicar ao juízo, para a rescisão do acordo e posterior ajuizamento da denúncia. O não cumprimento do acordo também é justificativa para o Ministério Público não oferecer a suspensão condicional do processo.
            A celebração e o cumprimento do acordo não devem constar em certidão de antecedentes criminais, exceto se houver a recusa com fundamento no art. 28-A, §2º e incisos.
            Quando o autor cumprir integralmente as disposições do acordo, pelo prazo nele estipulado, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
            Se o Ministério Público se recusar a oferecer o acordo, o investigado interpor recurso ao seu órgão superior, na forma do art. 28, CPP. Entretanto, a nova forma de arquivamento do inquérito policial, contida no art. 28, CPP, é um dispositivos suspensos pela cautelar deferida pelo ministro Luiz Fux.
            Então, resta interpretar que se o órgão ministerial recusar-se a oferecer o acordo, o investigado deve se socorrer do poder judiciário.


REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >
____. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >


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