terça-feira, 30 de junho de 2009

Sistemas de administração de produção - MRP e MRP II


Atualmente, há softwares conhecidos como sistemas de administração de produção (SAP) ou sistemas de planejamento, programação e controle da produção (PPCP), utilizados como ferramentas para que o gestor possa ter todas informações necessárias para levar a cabo a administração da produção com eficácia e eficiência. Nos últimos 30 anos, os SAPs mais comercializados são o Material Requirement Planning (MRP) e o Manufacturing Resources Planning (MRP II).

O MRP surgiu por volta dos anos 1960, focando-se muito mais na prática da administração da produção que em conceitos científicos complexos. Do inglês, significa planejamento de necessidades de material. Em resumo, é um sistema de planejamento da produção e de gestão de estoques com base num suporte computacional que objetiva determinar requisições materiais dentro da empresa, tendo como referencial a quantidade final do produto e a data em que deve estar disponibilizada. Assim, desenvolve uma série de relatórios para o planejamento e a produção e e estoque, tal como as datas mais apropriadas para a compra da matéria-prima.

O MRP II, por sua vez, é traduzido como planejamento das necessidades dos recursos de fabricação. Além de considerar as questões de estoque e produção – e seu respectivo cronograma – planeja o controle da produção com níveis de planejamento definidos. Seu plano mestre é estruturado e documentado com a inclusão de aspectos financeiros. Devido à quantidade e tipo de dados inseridos, possibilita simulações. Esse sistema é integrado a todos os recursos de manufatura disponíveis na organização (produção, marketing, finanças, engenharia), para demonstrar o que ocorre na empresa. O controle em looping do MRP II – ciclo fechado de perguntas até se esgotar o problema – o torna um sistema completo.

Como se observou, tanto o MRP quanto o MRP II são sistemas de administração da produção. Auxiliam o gestor da produção nas suas atividades, porém, não o substituem. No MRP, o enfoque predominantemente em materiais. No MRP II, além da questão dos materiais, há uma análise integrada desse problema em conjugação com o que ocorre nos demais setores da empresa relacionados à produção.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS E OS DIREITOS DO PRESO


I - INTRODUÇÃO

O encarceramento do indivíduo – a pena privativa de liberdade, para os técnicos do Direito – parece ser a solução da sociedade para controlar, punir e “recuperar” aqueles que transgridem as normas consolidadas no Direito Penal. Os presos, sejam provisórios ou condenados, são vistos por muitos como “coisas”, uma subespécie humana, cujos direitos fundamentais – que, em tese, deveriam ser inalienáveis, invioláveis e jamais submetidos a barganhas políticas, de qualquer tipo – podem ser disponibilizados, desprezados e ignorados por questões de ordem logístico-administrativa.

Este texto faz uma análise despretensiosa do relatório do Sistema Carcerário Brasileiro, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e pela Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), associando-o com a falta de cumprimento do Estado dos artigos de 10 a 24, 40 e 41 da Lei de Execuções Penais,[i] principalmente. Delimitou-se o objeto de estudo ao Estado de São Paulo, portanto, só será utilizada esta parte do relatório.[ii]

De cara, o relatório aponta como problemas: “superlotação; presos não conhecem os benefícios que podem ter durante o cumprimento da pena; agressões, torturas e práticas congêneres por agentes do Estado e da impunidade dos acusados dessas práticas; tratamento médico ausente ou inadequado; falta de assistência jurídica”.

A Lei de Execuções Penais dispõe que o preso deve ficar confinado num espaço de 6 metros quadrados, com condições suficientes de salubridade. Porém, não é isso o que ocorre. É notória a superlotação nas unidades prisionais brasileiras, muitas vezes, o amontoado de gente faz com que haja revezamento para dormir, pois não haveria espaço se todos se deitassem. E isso, por si só, já violaria a dignidade do preso. Nesses casos, ele foi condenado à pena privativa de liberdade. E só. Tudo o que ultrapassasse isso já seria, em tese, abuso.

O Estado pretende ressocializar os presos. Pelo menos é o que se procura implementar conforme se vê no rol dos seus direitos dispostos no artigo 41 da LEP. Seria uma maneira de “domesticá-los” para sua reinserção no modo de produção capitalista (IGNATIEFF, 1978). Não é coincidência que o modelo ideal de unidade prisional seja semelhante ao de uma fábrica ou de uma faculdade. Moldar seus corpos e espíritos, como diria Michel Foucault (2002), para a engrenagem do sistema. Porém, essa assistência não ocorre assim como os direitos do preso ficam somente no papel. Isso tudo tem um motivo, conforme se explicará mais adiante.

Para exemplificar a situação, num caso concreto, foi usado citado o Centro de Detenção Provisória de Araraquara (SP), retratado por uma reportagem da Organização Não-Governamental “Repórter Brasil”. Preferiu-se um meio de comunicação novo com uma visão crítica da realidade, porém, não alinhado ao “stablishment” (como os tradicionais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo”) e, tampouco, com viés ideológico de “esquerda” (como a revista “Caros Amigos”).

No entremeio da análise proposta, haverá inserções de textos de pensadores como Cezar Roberto Bitencourt, Eugenio Raul Zaffaroni, Michel Foucault, Michael Ignatieff e Louk Hulsman, entre outros. Numa conclusão preliminar, verifica-se que muitas teorias apresentadas por esses autores são distantes da realidade brasileira, pois refletem a sociedade nas quais vivem, na Europa e Estados Unidos, principalmente. Contudo, não há de se descartar totalmente suas contribuições, já que muitas das suas observações são extremamente pertinentes. Talvez, a teoria mais próxima seja a de Zaffaroni, um jurista argentino, cujo cenário latino-americano é mais próximo às penúrias encontradas no Brasil.


II – VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DOS PRESOS


2.1. Déficit de vagas no sistema prisional

São gritantes os números. De acordo com o relatório da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em parceria com a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), há 125.804 presos condenados no Estado de São Paulo para as 92.865 vagas distribuídas em 144 unidades prisionais.[iii] Com as rebeliões que destruíram, ou danificaram, 19 desses estabelecimentos, o déficit do número de vagas aumentou em 25 mil (BARBOSA, 2006). Antes do caos, faltavam 32.939 vagas nas prisões paulistas. Depois, o número saltou para 57.939.

A superlotação apontada, no mínimo, viola o que dispõe o artigo 5º, III e XLIX, da Constituição Federal, e o artigo 40 da LEP. Atenta contra a integridade física e moral do preso, que não pode ser submetido a tratamento desumano ou degradante. E mais. A LEP, em seu artigo 88, preceitua que “o condenado, no cumprimento de sua pena no regime fechado, será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, devendo ser observados como requisitos básicos de cada unidade celular a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, além da área mínima de seis metros quadrados”. (MARCÃO, 2005, p. 93)

Passa-se agora à análise do exemplo do Centro de Detenção Provisória de Araraquara (SP). Até 11 de julho de 2006, mais de 1.400 presos estavam recolhidos numa área de 600 metros quadrados a céu aberto. De acordo com Bia Brasil (2006), “como as grades das celas estão quebradas, a solução para que os presos fossem mantidos encarcerados foi lacrar, através de solda, o único portão de acesso ao pátio, com uma chapa de aço”.

Os agentes prisionais não entram naquele espaço e deixaram a situação a cargo dos próprios presos, num mundo a parte, fechado entre quatro paredes. Cenário perfeito para a perpetração de uma ordem social – e até mesmo jurídica – paralela à do status quo. O raciocínio seria o seguinte: “Se o Estado não cumpre a legislação, por que, eu – o preso – deveria seguir? Então, toda a ordem jurídica não vale. A minha ordem jurídica paralela tem mais valor e eficácia.”

Tudo isso demonstra uma profunda falta de investimento em infra-estrutura. Sem a qual, não há como se implementar a assistência aos presos, muito menos pensar em recuperá-los. Obviamente, o Estado é uma estrutura deficitária, principalmente num País em desenvolvimento, como o Brasil. O populismo direciona o investimento estatal para a construção de mais unidades prisionais, não importando sequer determinar as causas da criminalidade ou mesmo a assistência ao preso.


2.2. Desencarceramento, populismo e preconceitos

Qual a solução? O desencarceramento? Abrir as portas das prisões somente com base em critérios econômicos para adequar o número de presos com o número de vagas seria irracional. Ignatieff (1978, p. 216) diz que o desencarceramento e a liberalização dos regimes institucionais só seriam realmente significantes se representassem mudança fundamental para reduzir as distâncias sociais entre os presos e a comunidade, de modo a reforçar os laços de tolerância social. Entretanto, se reconhece que as prisões devem ser destinadas mais para os presos com certo grau de periculosidade, condenados por crimes graves contra a vida e contra o patrimônio. Do total dos presos, então, deveriam permanecer encarcerados somente de 10 a 15%. (IGNATIEFF, 1978, p. 216)

Num dado momento, percebe-se que se submetem os presos a uma pena além da privativa de liberdade. O comum vê a prisão como um tipo de purgatório, onde os presos devem expiar seus pecados, a qualquer custo. Ao ser encarcerado, os presos têm sua alimentação provida pelo Estado.[iv] Algo que não ocorre com operário padrão que bate cartão todos os dias. Ouve-se sempre: “Bandido bom é bandido morto.” Ou ainda: “Preso tem que trabalhar para pagar o gasto com ele, inclusive alimentação.”

A pena de morte é vedada no Brasil, assim como a prisão perpétua e as penas de trabalhos forçados. A LEP prevê que a remuneração do trabalho dos presos serviria, entre outros propósitos, para pagar o gasto que o Estado tem com eles. Toda essa frustração contida faz a população pensar que a pena privativa de liberdade é pouco. Para a massa, os presos deveriam passar, no mínimo, pela penúria da superlotação e falta de assistência das unidades prisionais. Reforçam-se preconceitos, com ajuda dos shows “mundo cão” promovidos por uma mídia mais preocupada com os índices de audiência que com a veracidade dos fatos, com o intuito de mais polemizar do que racionalizar a discussão.

Parece voltar-se a uma época em que havia necessidade do suplício do corpo dos condenados, tal como se verifica na obra “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault (2002, p. 9-29). É preciso um bode expiatório para aliviar o anseio das massas por um espetáculo.

“O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. No ‘excesso’ dos suplícios, se investe toda a economia do poder.” (FOUCAULT, 2002, p. 32)


2.3. O mito da assistência

Essa economia do poder teorizada por Foucault visa não somente o corpo mas também a alma dos presos. Eles devem ser corrigidos para serem aceitos novamente na sociedade (art. 10, LEP), por meio da assistência material (arts. 11, I; 12; 13; e 41, VII, LEP),[v] à saúde (arts. 11, II; 14 e 41, VII, LEP) , jurídica (arts. 11, III; 15; 16 e 41, VII, LEP),[vi] educacional (arts. 11, IV; 17; 18; 19; 21; 41, VII, LEP), social (arts. 11, V; 22; 23; 41. VII, LEP) e religiosa (arts. 11, VI; 24; e 41, VII, LEP). Explica-se: “O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como processo de diálogo entre os destinatários e a sociedade.” (MARCÃO, 2005, p. 18)

Além de formatar o preso para o sistema capitalista, Foucault vê no sistema prisional uma máquina de conversão em indivíduos obedientes, ainda mais que os sujeitos comuns, os “cidadãos de bem”. Nessa economia do poder (FOUCAULT, 2002), o corpo dos presos deve ser mantido – intacto, se possível -, pois passa a um objeto de estudo a ser pesquisado, subjugado, modificado e melhorado, para fins de controle social (IGNATIEFF, 1978, p. 218), tendo como justificativa o desenvolvimento das ciências humanas principalmente, durante o final do século XIX.

Deixando as discussões sobre a funcionalidade do sistema à parte, o art. 14, caput, e § 2º, da LEP, o preso e o internado têm direito â assistência médica preventiva e curativa, abrangendo tratamento médico, farmacêutico e odontológico, devendo ser deslocados onde possam ser assistidos, com autorização da direção, caso o estabelecimento penal não esteja aparelhado para esses fins.

O relatório da Comissão de Direitos Humanos e Minorias aponta o tratamento médico ausente ou inadequado como um dos problemas identificados no sistema prisional paulista. No exemplo deste trabalho, evidencia-se uma aberração nas instalações do Centro de Detenção Provisória de Araraquara (SP): “Diante da impossibilidade de atendimento médico, o médico Hosmany Ramos, presos em Araraquara, foi quem cuidou dos 60 feridos depois que a tropa de choque entrou no pátio e disparou balas de borracha para conter um pretenso tumulto.” (BARBOSA, 2006)

A educação também tem fundamental papel de inserção social do indivíduo, seja livre ou preso. Com relação aos presos, a assistência educacional visa melhorar suas condições de readaptação social. Tem a função, segundo Marcão (2005, p. 22), de ajustá-lo ao retorno à vida social, levando-lhe ao conhecimento, ou ajustando, certos valores de interesses em comum, também como positivamente na disciplina dos estabelecimentos prisionais.

A assistência social tem como papel amparar o preso e o internado, preparando-o para seu retorno à sociedade. Durante o encarceramento, o preso tem seus laços de convivência podados, sendo destituído de responsabilidades perante os demais, exceto às concernentes ao seu cotidiano prisional. Carrega consigo dificuldades materiais e psicológicas, assim se faz necessária a sua adaptação paulatina à liberdade. “Assim compreendida, a assistência social visa proteger e orientar o preso e o internado, ajustando-os ao convívio no estabelecimento penal em que se encontram, e preparando-os para o retorno à vida livre, mediante orientação e contato com os diversos setores da complexa atividade humana.” (MARCÃO, 2005, p. 22-23)

Muitos visualizam a assistência religiosa como um dos pilares da recuperação do presos, tanto que o artigo 24 da LEP dispõe sobre a liberdade de culto, facultando-lhes, inclusive, participar de atividades religiosas. Não podem, no entanto, ser obrigados a tal, pois o art. 24, § 2º, da LEP, em consonância com o art. 5º, VI, da Constituição Federal, versa sobre a inviolabilidade de consciência e crença e o livre exercício religioso. Não raro, entidades religiosas – como as Pastorais Carcerárias, ligadas à Igreja Católica Apostólica Romana, e os missionários evangélicos – freqüentam os círculos carcerários para disseminar sua crença, angariar adeptos e, quem sabe, recuperar algumas almas no sentido bíblico.


2.3.1. A assistência e recuperação à luz de Foucault, Hulsman e de Celis

Pois bem. O rol de assistências que o Estado deve prover ao preso teria como função transformar a pena privativa de liberdade num mecanismo de punição e de humanização, seja da punição quanto do condenado. Foucault (2001) vê a pena privativa de liberdade como um meio de moldar e controlar o indivíduo, de modo a inseri-lo “domesticado” na sociedade. Uma forma de talhar as mentes, por meio de um esquema de disciplina rígido e semelhante às instituições militares, para convertê-lo numa pessoa submissa. Hulsman e Celis propõem (1999) a recuperação do delinqüente pela sua interação com a vítima. Mas isso sempre é possível? Posteriormente, tentar-se-á responder a essa questão.

A função de correção da pena age no corpo, no tempo – pela repetição de atividades e gestos cotidianos – e na alma, pela incorporação de hábitos. “O corpo e a alma, como princípios dos comportamentos, formam o elemento que agora é proposto à intervenção punitiva. Mais que sobre uma arte de representações, ela deve repousar sobre uma manipulação refletida do indivíduo.” (FOUCAULT, 2006, p. 106)

A disciplina e a assistência à qual teriam direito os presos seriam sofisticados esquemas de coerção e de incorporação de um modo de viver para atender às expectativas de um sistema. A rotina, nesse processo, é a seguinte: “Exercícios, e não sinais: horários, distribuição do tempo, movimentos obrigatórios, atividades regulares, meditação solitária, trabalho em comum, silêncio, aplicação, respeito, bons hábitos.” (FOUCAULT, 2006, p. 106)

As assertivas descritas por Foucault parecem encontrar correspondente na LEP Brasileira, que, em tese, conteria um arcabouço normativo para a ressocialização e reinserção dos presos à sociedade capitalista brasileira. Novamente, Foucault (2006, p. 106): “E, finalmente, o que se procura reconstruir nessa técnica de correção não é tanto o sujeito de direito, que se encontra preso nos interesses fundamentais do pacto social: é o sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens, uma autoridade que se exerce continuamente sobre ele e em torno dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele.”

Seriam medidas, segundo Foucault, para garantir a ordem, quebrando o espírito dos sujeitos que pudessem desafiar o sistema vigente. Seriam realizadas por meio da intervenção do Estado, via implementação das assistências arroladas na LEP como direitos do preso. Contudo, verifica-se ser aberrante a situação do sistema prisional brasileiro. As idéias de Foucault analisam os contextos históricos do sistema prisional francês, no entanto, não se aplicam, muitas vezes, à realidade brasileira. O próprio Estado que deveria moldar o corpo e o espírito dos presos não cumpre essa tarefa. Nos termos do relatório da Comissão de Direitos Humanos (2006), o Estado é deficiente em prover as assistências elencadas, daí, propõe, entre outras iniciativas:

“ - Criar as condições necessárias ao cumprimento da Lei de Execução Penal, no que tange à classificação de presos para a individualização da pena, com a contratação e a capacitação de profissionais para elaborar e acompanhar programas de reintegração de presos, em parceria com entidades não-governamentais (p.31);
- Facilitar o acesso dos presos à educação, ao esporte e à cultura, fortalecendo projetos como Educação Básica, Educação pela Informática, Telecurso 2000, Teatro nas Prisões e Oficinas culturais, privilegiando parcerias não governamentais e universidades (p. 32);
- Promover programas de capacitação técnico-profissionalizante para os presos, possibilitando sua reinserção profissional nas áreas urbanas e rurais, privilegiando parcerias com organizações não governamentais e universidades (p. 32);
- Elaborar e implementar programa de atenção aos egressos e aos familiares de presos, privilegiando ações na área de saúde, inclusive saúde mental, assistências jurídica, social e material, educação, trabalho, documentação, nos termos da Lei de Execução Penal, considerando também os aspectos étnico-raciais, culturais e de gênero (p. 32);
- Implementar e aperfeiçoar o atendimento à saúde no sistema penitenciário e nas unidades da Secretaria da Segurança Pública, garantindo a realização e aplicação dos convênios entre os governos federal, estadual e municipal, para garantir assistência médica e hospitalar aos pacientes presos (p. 32)”

É evidente a violação da dignidade humana. Entretanto, é ainda mais evidente a falta de aplicabilidade de grande parte do pensamento de Foucault, salvo melhor juízo, na formulação de teorias e políticas para o sistema prisional brasileiro.

Hulsman, em sua crítica ao sistema penal, prega alternativa despenalizadoras, não raro, de caráter não-jurídico. Em sua obra escrita em conjunto com Jacqueline Bernat de Celis, Hulsman (1999, p. 165-174) discorre sobre uma experiência pessoal. Jovens furtaram a residência do teórico holandês por três vezes seguidas. Hulsman pediu à polícia que desse a oportunidade de conversar com os infratores, dois adolescentes de 16 anos, e outro de 17 anos. Ele fez contato com cada uma das famílias dos infratores, ao ponto de se engajarem numa forma de “amizade”. Os pais dos adolescentes reuniam-se freqüentemente na residência do pesquisador, formando um círculo de convivência.

Na ótica do holandês, os encontros foram providenciais no sentido de fazer os pais conversarem com os filhos a respeito do ocorrido. Até então, a tendência era os pais dizerem que a responsabilidade não era dos seus filhos, mas de outros (HULSMAN & DE CELIS, 1999, p. 169). Uma negativa típica, inclusive, no Brasil. A despersonalização do indivíduo e das outras esferas da sociedade promove um estado de “alienação”, de uma responsabilidade inexistente no acompanhamento da vida e condições bio-psico-sociais dos filhos por parte dos pais. Seria uma operação do sistema para desagregar a estrutura familiar:

“Neste momento importante, estava claro que o sistema de referência da justiça criminal estava certamente segmentando artificialmente a situação de todas as formas possíveis. Estava cortando os laços entre pessoas que viviam juntas, e, de certa forma, tornando a situação irreal num nível social. Para os pais era um grande drama, e eles falavam sobre isso o tempo todo, mas não tinham uma imagem clara ou completa do que tinha acontecido. Eles possuíam fragmentos da informação, dados pela polícia e por seus filhos, mas, ao final, não possuíam uma imagem coerente dos fatos.” (HULSMAN & DE CELIS, 1999, p. 169)

Pois bem. A experiência de Hulsman foi realizada na Holanda, onde a realidade sócio-econômico-cultural é outra, diferente da do Brasil. A sociedade, em sua maior parte, não teria agido como o holandês. Dificilmente, alguma vítima teria disposição para assumir uma posição altruísta como a mostrada. No caso holandês, foi possível o contato com os familiares dos infratores. No Brasil, dificilmente o seria possível, já que, em regra, as famílias dos infratores são desestruturadas. Dificilmente, haveria possibilidade de um pensador do Direito Penal sentar-se à mesma mesa com os pais ou responsáveis pelos infratores, de modo a lhes mostrar uma alternativa, uma tentativa de resolver os problemas, “recuperá-los”, enfim, para não caírem nas garras do sistema penal. Muitos dos infratores vivem em famílias sustentadas só pelas mães, não tendo mais o arrimo dos seus pais, que, não raro, não mais faz parte do seu círculo de convivência.


III – PENAS PERDIDAS: A FALSIDADE DO DISCURSO JURÍDICO-PENAL





Superadas as argumentações anteriores, apresenta-se agora as idéias de Eugenio Raul Zaffaroni. Para o jurista argentino, o Direito Penal alicerçador de todo um sistema de repressão, nada mais é do que o reflexo dos anseios de manutenção de uma ordem, sem que haja necessidade de uma racionalidade que o legitime. Há uma distância entre a legalidade e a legitimidade, ou seja, atualmente, ignoram-se os fundamentos da legalidade, relegando a legitimidade como algo meramente subjacente, ou mesmo sinônimo de legalidade.

Assim, ao considerar a justiça somente como legalidade e alicerçar o discurso jurídico-penal, como uma justiça retributiva positivada na legalidade, há uma discrepância muito grande entre o que a lei prescreve e a realidade na qual é aplicada, seja de modo correto ou, o mais freqüente, erroneamente.

Zaffaroni (2001) constata uma situação crítica no sistema penal, em especial, como a perda da segurança no mesmo como instrumento de controle e de ordenamento social. Esta crise não é confrontada, o que deixa margem para a continuidade de uma série de abusos e de aplicação irracional das penas. O discurso jurídico-penal, para Zaffaroni, de tão abstrato e generalizante, está em total desacordo com o que se apresenta no mundo dos fatos e, por isso mesmo, desmorona: “A dor e a morte que nossos sistemas penais semeiam estão tão perdidas que o discurso jurídico-penal não pode ocultar seu desbaratamento valendo-se de seu antiquado arsenal de racionalizações reiterativas: achamo-nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade.” (ZAFFARONI, 2001, p. 12)

O monopólio estatal da força corrompido pelo desvio das finalidades legais pelos próprios agentes do sistema tem causado “dores sem sentido”. O sistema penal dos países latino-americanos, revela Zaffaroni, provoca mais mortes que os homicídios dolosos ocorridos entre os comuns. O atual discurso jurídico-penal não consegue conter ou prevenir abortos ou mortes no trânsito, mostrando-se como falso, que se mantém somente pela fé mantida nele pelas pessoas ou pelo autoritarismo imanente, cuja simplificação extrema levaria de uma mentira para outra (ZAFFARONI, 2001, p. 13)

Nessa linha de raciocínio, poder-se-ia dizer que a LEP é uma mentira. É um mundo a parte, na qual a operacionalidade seria somente virtualmente possível, mas não realizável. A idealização abstrata da norma jurídica está longe de ser concretamente viabilizada nos sistemas penais “(...) a realidade operacional de nossos sistemas penais jamais poderá adequar-se à planificação do discurso jurídico-penal”. (ZAFFARONI, 2001, p. 15) Existe uma contradição estrutural entre o discurso jurídico-penal e a realidade operacional do mesmo. O primeiro poderia até mesmo ser considerado utópico, tanto que acentua o caráter de falsidade do penalismo na América Latina.


3.1. Legalidade, legitimidade e coerência

Zaffaroni (2001, p. 16) entende que a legitimidade do sistema penal seria uma característica outorgada pela sua racionalidade, em vez justificar-se somente na legitimidade como legalidade. Salienta-se que o racional deve ser coerente e verdadeiro. Assim, a racionalidade do discurso jurídico-penal deveria atender a uma coerência interna e possuir valoração de verdade com relação à nova operatividade social.

O discurso jurídico-penal possui coerência interna, enquanto ordenamento, com princípios que não podem ser contraditórios, mas complementares, porém, não leva em conta, muitas vezes, o fator social, a realidade tal como ela se apresenta. Também carece de maior encadeamento lógico (não-contradição) dos seus enunciados, o que contraria até mesmo a idéia de ordenamento jurídico.

A racionalidade do discurso jurídico-penal é apenas parcial, se baseado somente na sua coerência interna. Ao descrever, dogmaticamente, o texto legal no plano do “dever ser”, descreve-se algo que ainda não é ou que deveria ser. Dá-se o peso de verdade legal a algo que, porventura, pode, ou não, ser verificado ontologicamente. Portanto, para que o discurso jurídico-penal seja verdadeiro, Zaffaroni salienta a necessidade de atender a dois níveis de verdade social:

“a-) um abstrato, valorizado em função da experiência social, de acordo com o qual a planificação criminalizante pode ser considerada como um meio adequado para a obtenção dos fins propostos (não seria socialmente verdadeiro um discurso jurídico-penal que pretendesse justificar a tipificação da fabricação de caramelos entre delitos contra a vida;
b-) outro concreto, que deve exigir que os grupos humanos que integram o sistema penal operem sobre a realidade de acordo com as pautas planificadoras assinaladas pelo discurso jurídico-penal quando os órgãos policiais, judiciais, do Ministério Público, os meios massivos de comunicação social, etc, contemplam passivamente o homicídio de milhares de pessoas.” (ZAFFARONI, 2001, p. 18-19)

Portanto, ao se considerar simultaneamente os planos abstrato e concreto, não há como haver um desentendimento entre o “ser” e o “dever ser”. O discurso jurídico-penal não ficaria restrito ao “dever ser”, que muitas vezes não pode ser verificado no mundo dos fatos. Se ele prescreve um “dever ser” que não pode existir, que jamais será, constrói uma armadilha. Além de falso, também é perverso.

Então, Zaffaroni afirma que a legitimidade não pode ser suprimida pela mera legalidade, pois isso contribui deveras, ao não se procurar uma legitimidade além da norma fundamental, para que o abismo entre o discurso e a realidade continue. O primeiro continuará alienado com relação à sociedade. “No mundo atual – e especialmente em nossa região marginal -, a insuficiência legitimadora da legalidade formal é bastante clara, a ponto de não existir no âmbito dos discursos jurídico-penais nenhuma tentativa séria de legitimar o sistema penal mediante uma construção que exclua tudo o que não seja mera completitude lógica.” (ZAFFARONI, 2001, p. 20)

O que se dizer, então, quando o próprio sistema legal não atual segundo o princípio da legalidade? Isso vem a comprovar ainda mais a divergência entre o discurso jurídico-penal e a realidade. Ou mais: demonstra que o sistema posto em prática pode repudiar a legalidade que deveria defender. O próprio sistema penal foge do princípio da legalidade penal e do princípio da legalidade processual.


3.2. Quando a Lei renuncia a legalidade

Porém, segundo Zaffaroni (2001, p. 22), a própria Lei renuncia a legalidade. Outro fato salientado é que as excludentes de ilicitude ou inimputabilidades jogam menores, insanos e anciãos à mercê de instituições que podem ser piores do que se ficassem encarcerados numa unidade prisional.

De acordo com Zaffaroni (2001, p. 23-24), esta renúncia à legalidade penal faz com que o sistema penal pratique um tipo de controle social militarizado e verticalizado. A espontaneidade da sociedade é submetida a uma vigilância interiorizada da autoridade, pois o poder repressivo interioriza, inclusive nos seus agentes, a disciplina militarizada, muitas vezes inadequada para a vida civil. As estruturas de poder e a sua concentração mostram porque a legalidade não é obedecida nem no sistema penal formal: “(...) o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere e, sim para que exerça seu poder com altíssimo grau de arbitrariedade seletiva, dirigida, naturalmente, aos setores vulneráveis.” (ZAFFARONI, 2001, p. 27)

É clara e notória a violação dos direitos fundamentais, contrariando, inclusive, o que dispõe a Constituição. Por exemplo, o processo penal tem uma duração em Lei, mas, na sua operação, demora muito mais para o seu desfecho. A quantificação das penas é outra medida que fica sujeita às discricionariedades do juiz, que à “legalidade das penas”. O autor apenas atesta que há “na operacionalidade social dos sistemas dos sistemas penais latino-americanos um violentíssimo exercício de poder à margem de qualquer legalidade”. (ZAFFARONI, 2001, p. 28)

A falta de assistência jurídica aos presos, conforme o relatório da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, é um desrespeito ao princípio constitucional da ampla defesa. “A assistência jurídica, muitas vezes não é observada, é de fundamental importância para os destinos da execução da pena. Aliás, sua ausência no processo de execução acarreta flagrante violação do princípio da ampla defesa, que também deve ser observado em sede de execução.” (MARCÃO, 2005, p. 21)


3.3. Crítica do Direito Positivo

A crítica de Zaffaroni ao discurso jurídico-penal não deve ser levada somente como uma forma de avaliar a racionalidade e coerência do Direito Penal. Deve ser considerada como uma crítica ao Direito Positivo, em todas suas ramificações, pois constata que por detrás de um discurso falso pode haver efeitos reais, irreversíveis, em várias ocasiões. O discurso jurídico-penal é uma farsa em si mesmo, já que a teoria não possui poder suficiente para vencer uma estrutura internalizada, com propósitos até mesmo distintos e incompatíveis daqueles propósitos que deveria, por Lei, seguir ou proteger, como se explana:

“a-) não se pode afirmar que o monopólio da violência pertença ao Estado, sendo mais adequado afirmar que seus órgãos pretendem ao monopólio do delito;
b-) admite-se expressamente que a legalidade é uma ficção;
c-) o sistema penal converte-se em uma espécie de ‘guerra suja’ do momento da política, na qual o fim justifica os meios;
d-) em razão da seletividade letal do sistema penal e da conseqüente impunidade das pessoas que não lhe são vulneráveis, deve admitir-se que seu exercício de poder dirige-se à contenção de grupos bem determinados e não à ‘repressão do delito’”. (ZAFFARONI, 2001, p. 28)

Mesmo com todas “desilusões”, Zaffaroni diz que é melhor com o sistema penal que sem o sistema penal. Deve haver, contudo, maior compatibilidade entre o discurso jurídico-penal e a realidade operacional do sistema penal.


3.4. Sistema penal como mantenedor da desigualdade


Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 146), assim como Ignatieff, diz que houve forte influência da estrutura sócio-econômica na reforma do sistema penal que consagrou a pena privativa de liberdade. Simbolicamente, representaria a dominação da burguesia sobre o proletariado, o que demonstraria, por si só, que é "um mito pretender ressocializar o delinqüente por meio da pena privativa de liberdade”. (BITENCOURT, 2006, p. 146) Afirmar que a prisão seria um ato humanitário para reformar, para melhor, o delinqüente, é, para Bitencourt, uma visão ingênua ou muito simplista.

“Esse fato não retira importância dos propósitos reformistas que sempre foram atribuídos à prisão, mas sem dúvida deve ser levado em consideração, já que existem muitos condicionamentos, vinculados à estrutura sociopolítica, que tornam muito difícil, para não dizer impossível, a transformação do delinqüente.” (BITENCOURT, 2006, p. 146)

Também observa Bitencourt (2006, p. 147) que, de acordo com a criminologia crítica, não é possível conseguir a ressocialização do preso numa sociedade capitalista. A prisão teria surgido como uma necessidade do sistema capitalista, como instrumento de controle e de sua manutenção. O cárcere não visa a ressocialização, mas assegurar a desigualdade social, já que submete as classes mais baixas a um processo de marginalização, tal como se verifica no sistema escolar, por meio da discriminação.

Depois da sua identificação e etiquetação como delinqüente, dificilmente haverá ressocialização do mesmo. Dentro do sistema penal, os mais socialmente frágeis e marginalizados são desintegrados e recompostos pela “escola”. Ergue-se um muro entre os delinqüentes e a sociedade que impede a solidariedade inter-grupos ou intra-grupos.[vii]

“O sistema penal conduz à marginalização do delinqüente. Os efeitos diretos e indiretos da condenação produzem, em geral, a sua marginalização, e essa marginalização se aprofunda ainda mais durante a execução da pena. Nessas condições é utópico pretender ressocializar o delinqüente; é impossível pretender a reincorporação do interno à sociedade por intermédio da pena privativa de liberdade, quando, de fato, existe uma relação de exclusão entre a prisão e a sociedade. Os objetivos que orientam o sistema capitalista (especialmente a acumulação de riqueza) exigem a manutenção de um setor marginalizado da sociedade, tal como ocorre com a delinqüência. Assim, pode-se afirmar que a lógica do capitalismo é incompatível com o objetivo ressocializador. Sem a transformação da sociedade capitalista, não há como encarar o problema da reabilitação do delinqüente.” (BITENCOURT, 2006, p. 147-148)

Diante das razões explicitadas, passa-se a questionar a validade e a eficácia da pena privativa de liberdade e, mais a fundo, o próprio sistema penal, como se verifica, a seguir, na conclusão deste trabalho.



IV - CONCLUSÃO

O descompasso entre o que diz a Lei de Execuções Penais e a realidade é aterradora. Buscam-se soluções de diversos tipos, sejam legislativas ou mesmo teóricas, porém, muitas delas não são condizentes com a realidade brasileira. As análises já consagradas de Michel Foucault, no livro “Vigiar e Punir”, de Louk Hulsman e Jacqueline B. de Celis, co-autores de “As Penas Perdidas”, são excelentes, porém, voltadas para a realidade dos seus países, França e Holanda, respectivamente. Assim, há de se tomar cuidado com a importação de teorias estrangeiras no sistema penal brasileiro. Antes, há de se levar em consideração a devida adaptação, a partir de estudos e constatações do que se apresenta no Brasil, antes de se implantar modelos estrangeiros.

Os direitos dos presos freqüentemente ficam somente no papel, o espírito da Lei é ignorado por questões que parecem ser de conveniência político-eleitoral. Afinal, defender os direitos do preso não dá votos. Por outro lado, a recuperação e ressocialização do preso parecem ser um mito. De um lado, se numa interpretação de Foucault e Ignatieff, o sistema prisional deveria – por meio da prestação de assistências, dos diversos tipos – moldar e disciplinar os corpos e as almas dos presos para o sistema capitalista. Do outro, como observa Cezar Roberto Bitencourt, a função do sistema prisional é manter a desigualdade social, já que a recuperação do preso é incompatível com o sistema capitalista.

A possibilidade de cada um colocar-se no lugar do outro, por meio da convivência, como propõe Hulsman, é remota. A lógica do sistema pressupõe a fragmentação e o isolamento dos grupos envolvidos. A insensibilidade chega a tal ponto que se constatam problemas gravíssimos nas prisões, como a superlotação e a falta de assistência de todos os tipos. A ressocialização do peso, nesses termos, é um mito, assim como o discurso falacioso de que a prisão é o remédio de todos os males.

Se a sociedade realmente se preocupasse com a ressocialização dos presos, a situação do sistema prisional brasileiro não estaria num estado de penúria, nem haveria aberrações como o caso do Centro de Detenção Provisória de Araraquara (SP). Diante do cenário de desigualdade social e extrema competitividade, a lógica do sistema é fomentar a desigualdade e o isolamento de certo grupo de pessoas. Assim, menos pessoas para competir com as outras no mercado de trabalho. É preciso separar os “de bem” dos “criminosos”, etiquetá-los e expô-los numa vitrine.

Dessa forma, promove-se o espetáculo, uma atração para as massas, sem que se procure a cerne dos problemas para a solução dos problemas encontrados. No mais, o que se pode concluir, preliminarmente, é concordar com Zaffaroni na afirmação de que o discurso jurídico-penal é falso e se desmancha ao menor toque com a realidade. Cabe, portanto, uma discussão mais acirrada e compatibilizada com a realidade do País, para a elaboração e implementação de arcabouços legislativos e políticas penitenciárias condizentes com o que se apresenta e com o que é possível fazer. Caso contrário, os direitos do presos ficarão novamente só no texto da Lei e se continuará a desrespeitar o princípio da dignidade humana.[viii]


V - BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Bia. Situação dos presídios de São Paulo é de barbárie. Repórter Brasil, São Paulo, 11 jul 2006. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/imprimir.php?id=659&escravo=0. Acesso em 9 de agosto de 2006. 23h20’.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral – 1. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório Situação do Sistema Prisional Brasileiro – Síntese de Videoconferência Nacional Realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em parceria com a Pastoral Carcerária – CNBB. Brasília, 2006. 34 f.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 25. ed. Tradução de Rachel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2002.
HULSMAN, Louk & DE CELIS, Jacqueline Bernat. Penas Perdidas: O Sistema Penal em Questão. 2. ed. Tradução de Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: LUAM, 1999.
IGNATIEFF, Michael. A Just Measure of Pain: the penitentiary in the industrial revolution 1750-1850. Nova Iorque: Columbia University Press, 1978.
KUEHNE, Maurício. Lei de Execução Penal Anotada. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2005.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ZAFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Tradução de Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

[i] As menções à Lei de Execuções Penais, neste trabalho, serão feitas por meio da abreviação LEP.
[ii] Mesmo sendo os dados estatísticos referentes ao Estado de São Paulo menos completos que outros Estados, como a Bahia, preferiu-se aquele, por questões de ordem logística e maior facilidade de material de pesquisa.
[iii] Pertinente é a observação de Hulsman e de Celis (1999, p. 144) a respeito do crescimento do número de presos: “No discurso oficial o aumento das atividades da justiça criminal e da população carcerária está geralmente apresentado como uma resposta para o crescimento do crime (qualitativa e quantitativamente). Este argumento não é convincente.” Para esses autores holandeses, os fatos podem ser criminalizados a bel prazer das autoridades governamentais, que definem o que deve ser crime segundo o “clima político-ideológico predominante em um dado país e o resultado de grupos de pressão”.
[iv] A assistência material – ou seja o fornecimento do Estado para o preso e ao internado de alimentação, vestuário e instalações higiênicas – nem sempre é adequada. Marcão (2005, p. 19) expõe: “Como é cediço, no particular o Estado só cumpre o que não pode evitar. Proporciona a alimentação ao preso e ao internado, nem sempre adequada. Os demais direitos assegurados e que envolvem assistência material, como regra, não são respeitados.” Mesmo diante dessa precariedade, grande parte da população brasileira tem assistência material inferior à dos presos, o que gera, com alguma razão, um sentimento de revolta. Tratar-se-á sobre o não cumprimento da Lei pelo Estado mais a frente.
[v] Sobre a assistência material, ver o tópico anterior.
[vi] Considerações acerca da assistência jurídica serão vistas posteriormente, quando se passará a discorrer sobre a falta de cumprimento da Lei pelo próprio Estado.
[vii] A solidariedade entre os grupos – delinqüentes e vítimas – foi proposta por Hulsman como uma das medidas abolicionistas, para recuperar e ressocializar os infratores junto às vítimas, como foi visto neste texto. Contudo, muitas vezes, essa sugestão é extremamente utópica, inaplicável principalmente no contexto da sociedade brasileira.
[viii] Nem mesmo um habeas corpus seria considerado o meio adequado para evitar a violação dos direitos do preso. Interessante o comentário de KUEHNE (2005, p. 233) a respeito do descompasso entre o “ser” e o “dever ser” da realidade carcerária e das Leis: “Em 03.06.1993, o TJPR, nos autos de Habeas Corpus 27.628-2 – Rel. o Des. Martins Ricci, decidiu que: ‘... Não se oferece a ação de habeas corpus à solução e más condições carcerárias, já que é a ação constitucional voltada para garantia da liberdade de locomoção, pressuposto ausente no caso dos presos. Ordem denegada.’ O Acórdão reconhece as mazelas e deficiências do sistema penitenciário, contudo, as carências de que se ressentem as unidades prisionais não podem ser objeto do remédio heróico, para a soltura dos presos. Houve interposição de recurso, decidindo o STJ no RHC 2.913-7/PR – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro (DJU de 28.02.1994) nos seguintes termos: “(...) O sistema penitenciário, no campo da experiência, é certo, não traduz com fidelidade a expressão normativa. Não só no Brasil. Também em outros países. A Lei encerra dois propósitos: a) programático; b) pragmático. O primeiro encerra princípios que buscam realização. O segundo disciplina as relações jurídicas no âmbito fático. A LEP programou o estilo de execução. O País, entretanto, ainda não conseguiu esse desideratum. Há descompasso entre o ‘dever ser’ e o ‘ser’. As razões do desencontro (acontece também com outras leis) afastam a ilegalidade de modo a determinar a soltura dos internos dos presídios.’ De igual sorte as deficiências estruturais são salientadas, mas o recurso não foi provido ante o fato de que a liberação seria absurda e determinações que se pudessem efetivar para atender os reclamos dos presos não seriam possíveis.”

terça-feira, 23 de junho de 2009

'Karajimagi', o cabeludo



Desenho feito por uma amiga num guardanapo do bar 'Asilo Arkham", por volta de 1994. Até que fiquei bonitinho, né






No uchinaguchi (dialeto de Okinawa, província do Japão), há uma palavra chamada “karajimagi”. Significa “cabeludo”. Durante um bom tempo da minha vida, uns cinco anos (não necessariamente ininterruptos), fui “karajimagi”. Na adolescência, tudo é possível, já que nossas ilusões ainda não foram macetadas pelas pancadas do mundo real.

Eu, por exemplo, queria ser guitarrista profissional. Tinha uma banda formada com o Celso Sinzato (hoje psicólogo), o Fabinho (já há algum tempo na Austrália), o Alexandre Minhoca (atual Policial Militar) e meu irmão, o Chico (continua a tocar na Banda Blackberry).

Fazia guitarra solo com minha Tajima vermelha, modelo Stratocaster, para canhoto. Para apimentar as performances da nossa banda (Xamã), o balançar de cabeça para frente e para trás, para os lados e assim vai.

Conheci muita gente legal nessa época, os irmãos Choquito e Chocola, baixista e guitarrista, respectivamente, gênios nos seus instrumentos. A galerinha muito dez do “The Wry”, que, vocês todos devem conhecer e, se não conhecem, deveriam, pois fazem um som da hora.

Era uma época com sabor de selvageria e delírios teens, mas sem frescuras de tremeliques. Mas como tudo o que é bom dura pouco, essa festa também acabou. Um professor de Biologia - o Sérgião -, no colegial, me apelidou de "Japonês Orgasmatron". E minha lenda se disseminou durante algum tempo na escola. Um outro nipo-brasileiro cabeludo, o professor Iwao, de Química, disse em classe que eu era o cover dele. Outro apelido era "Iwao Cover". Só tiração de sarro.

Por volta de 1991 ao começo de 1993, quando passei no vestibular de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e de História na Universidade de São Paulo (USP), fui "karajimagi".

Não teve jeito, tive que cortar as longas madeixas de cabelos lisos, que causaram tanta inveja das mulheres que passam horas nos salões de cabeleireiros à procura da “lisura” perfeita.

Eu andava muito a pé naquela época ou de ônibus. Era magro e muito pálido, parecia uma lombriga. Entrei no Salão Fluminense, do João (que Deus o tenha, morreu de acidente automobilístico quando voltava de uma pescaria).

Sentei no banco, cabisbaixo, com dó da minha fonte de forças, tal como se fosse um Sansão da vida. Peguei uma Playboy, só para ler os artigos, como tudo mundo faz, aliás, para ver se me distraía um pouco.

Chegou o momento fatídico. João me chamou. Sentei-me à cadeira, que parecia ser elétrica, pronto para a execução. Resolvi fazer um corte nada tradicional. Cortei moicano a la Phil Anselmo (veja a foto do cara enrolado numa cobra), então, vocalista da banda Panthera. Ficou um troço no meio da cabeça que dava para prender com uma xuquinha.






Saí do salão, todo mundo me olhava meio espantado. Algumas pessoas saíam do meu lado da calçada e iam para outra. Só risos internos.

Passado o período de bicho, na faculdade de Jornalismo, deixei os cabelos crescerem novamente. O período de incubação da cabeleira é sofrido. No meio do caminho, os cabelos ficam parecidos com aqueles ninhos bem desarranjados de passarinho. Horrível. Depois, fica bom.

Comecei a tocar em outra banda, com o Emerson (depois do K-Zone), Ceratti (também K-Zone), Marquinho e novamente Alexandre Minhoca. A temática era rock melódico a la Iron Maiden. O nome era sugestivo “Self Lords” – Senhores de Si.

Depois de economizar por muito, mas muito tempo, consegui uma aparalhagem melhor. Uma guitarra Ibanez para canhoto, um cubo Marshall 4040 e uma pedaleira Zoom 505. Uma das nossas performances foi num lugar chamado “Caipira & Country”, cujas instalações hoje abrigam um teatro pornográfico ao vivo (obs.: eu só ouvi falar, ein. Não frequento esses lugares).

Um lugar mais afeito ao público sertanejo, e nós lá. Tocando heavy melódico com algumas composições próprias. Uns instantes antes, havia um tal de “show das mulheres”. Uns “bofes” subiam ao palco e tiravam a roupa. Na hora de tocarmos, havia uma pequena pausa em uma das nossas músicas. Tirei a camisa, aproveitando o embalo, e comecei a solar. Só gritos da mulherada. Eu, magrelo, pensei que ia tomar xingo, entre outras coisas. Mas como a mulherada fazia tempo, parecia, que não via homem, até que gostou de mim. Menos pior.

Gravamos, com essa banda, uma faixa na coletânea “Rock n Roll de lo Tercero Mundo”, de um estúdio em Salto (SP). Só gente do interior paulista com composições próprias. A nossa foi a música “The first sight”. Mais tarde, mudamos o nome da banda para “Senhores de Si”, vertemos algumas músicas nossas para o português e gravamos, em 2000, no Estúdio Dó, Ré, Mi, em Sorocaba (SP), sob a batuta do músico Maurício Nogueira, duas faixas que seriam lançados num CD coletânea.

Lá por 1995, já estava com os cabelos no meio das costas. Outro impasse. Formei-me na primeira faculdade. No entanto, apesar de jornalista ser meio “bicho grilo”, as aparências no mercado de trabalho são implacáveis.

Por livre e espontânea pressão do mercado de trabalho, resolvi, novamente, cortar os cabelos. Dessa vez, pedi para o João, do Salão Fluminense, me entregar os cabelos. Eles estão guardados, no meu armário, dentro de uma caixa de sapatos. E, ainda, exalam o perfume da última lavada com xampu.





Tinha algumas coisas que me incomodavam também, como me confundirem com mulher na rua, levar encochada no ônibus, essas coisas chatas. Uma vez, um cara me perguntou: “- A senhora vai descer nesse ponto?” Respondi com voz bem grossa, igual dos filmes de samurai: “- Como é que é?” O cara ficou mudo e olhou para o outro lado. Ouvi algumas vezes: “Aí, gostosa!” Nossa, esses caras deviam ser doidos ou meio cegos. Já que eu, cabeludo, deveria parecer a japonesa mais horrível do mundo. Pensando melhor, a segunda mais horrível do mundo. A mais horrível é a Yoko Onno.

Por outro lado, tinha gente que falava coisas maldosas, do tipo "hippie nojento", "nojo de você", e outras delicadezas verbais típicas de gente "muito bem instruída".


Fiquei de cabeça rente por um tempo, principalmente, durante a faculdade de Direito. Depois da colação de grau, em 2005, deixei o cabelo crescer novamente. Fiquei assim até 2007. Na foto da minha carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), aliás, estou com cabelos longos e presos, devidamente trajado com terno e gravata.

Não era muito legal aparecer cabeludo no forum ou outros meios jurídicos. As pessoas olahvam meio estranho. Cortei a cabeleira mais uma vez em junho de 2007, na galeria da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), onde fazia pós-graduação em Direito Penal e Direito Processsual Penal. O pessoal da classe não me reconheceu, perguntou se eu era aluno novo.


Por mim, deixava o cabelo grande mesmo, mas vivemos numa sociedade que dita normas e costumes. Não posso me dar ao luxo de ignorá-las. Por enquanto, não posso me expressar tanto ou viver como eu quero, já que tenho que me adequar ao que a coletividade e o mercado de trabalho pedem. Um dia quando não tiver que dar satisfações para quem quer que seja eu deixo o cabelo crescer de novo. Mas acho que só depois que estiver aposentado. Aí, tem tempo. O tiozinho aqui não é tão velho assim. he he he. Piada sem graça.

sábado, 20 de junho de 2009

De olhos puxados


Ter olhos puxados no Brasil é algo interessante. Desde criança, confundem-me com japoneses, chineses, coreanos, indonésios, vietnamitas, filipinos, entre outras nacionalidades do extremo oriente. É brasileiro nato quem nasce no Brasil. Nasci em Votorantim (SP) porque não tinha vagas em hospitais de Sorocaba (SP). Sou, portanto, brasileiro nato, porém, neto de japoneses.


Como descendente de japoneses, mantenho algumas tradições e alguns costumes, tal como frequentar a União Cultural e Esportiva Nipo-Brasileira de Sorocaba (Ucens), ouvir algumas músicas e ver alguns filmes orientais. Conheço algumas palavras e expressões do idioma japonês, e nada mais.

Interessante notar que ainda tem gente que me considera um não-brasileiro, apesar de ter Registro Geral (RG), Cadastro de Pessoa Física (CPF), carteira de identidade da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), emitidas por entidades nacionais.

Havia uma época em que me mandavam voltar para a minha terra. Minha terra? Matutava. Bom, eu não era e não sou proprietário de terras. Depois caiu a ficha. Mandavam-me voltar ao Japão. Mas como voltar ao Japão se eu nunca vim de lá? Mesmo que eu cometesse uma besteira federal não teria jeito de me “deportar”, “expulsar”, ou outra coisa do tipo, para lá, já que não tenho nacionalidade daquele país.

O preconceito, infelizmente, existe. E não é só contra os nipo-brasileiros, mas também contra os afro-brasileiros e demais minorias. Muito disso é por maldade, mas também tem muita falta de informação, que causa alguns episódios engraçados.

Quando estava no colegial (ensino médio), um rapaz de feições orientais entrou na sala e se sentou perto de mim. O cara ficou quieto, mudo. Puxei conversa, ele não me respondeu. Perguntei, em japonês, o nome dele. Novamente, ele não me respondeu.

Timidamente, ele disse que o seu nome era Ji Hyoung Woo, recentemente vindo de Seul, capital da Coréia do Sul. Apesar de o Japão e a Coréia do Sul terem travados conflitos no passado, nós dois tínhamos nada a ver com isso.

Começamos a conversar em português mesmo, depois formou um bolinho em nossa volta. O pessoal soube que ele era estrangeiro, aí, já viu. Meu novo amigo virou pop star. Chegou a professora e começou a se comunicar com ele por mímica, como se ele fosse surdo. Foi muito engraçado. Ela disse para mim: “Diz para ele que estamos à disposição para o que precisar.”

Eu olhei para ela meio pasmo. Talvez só pelo fato de ter olhos puxados, ela tinha pensado que eu sabia falar coreano. Respondi: “Mas eu não sei falar coreano, no máximo, algumas palavras e frases de japonês.” De repente, um silêncio geral.

Em outras ocasiões me faziam umas perguntas que eu respondia ironicamente, de modo sarcástico, como sempre faço. Sem querer faltar com respeito, mas só para dar risada mesmo:

Pergunta – Na sua família só pode casar com japonês?
Resposta – Não, porque eu gosto de mulher. Eu poderia me casar com japonesa, mas casar com outro homem no Brasil não pode. E se pudesse, mesmo que fosse com um japonês, acho que a minha família não ia aceitar. Não somos tão liberais assim.


Pergunta – Na sua casa vocês comem comida normal mesmo?
Resposta – Não, a gente come ração de cachorro.

Pergunta – Seu irmão é japonês também?
Resposta – Não. Ele é russo.


Pergunta – Fala alguma coisa em japonês.
Resposta – Alguma coisa em japonês.

Pergunta - Adoro a cultura e culinária do seu País. Qual prato, do seu País, você mais gosta?
Resposta número 1 - Não sei. Eu não como prato.
Resposta número 2 - Nossa, há vários pratos muito gostosos na culinária do meu País como feijoada, dobradinha e tutu de feijão. Mas eu, particularmente, adoro churrasco!

Pergunta – Que tipo de mulher você gosta?
Resposta – Mulher do sexo feminino.
Pergunta - Você é mestre em artes marciais?
Resposta - Não. Sou mestre em artes sexuais. Eu sou o sushi erótico! Se experimentar, sei que vai gostar! (a moça que ouviu isso nunca mais conversou comigo. Nem todo descendente de asiáticos é ninja, ou o gafanhoto do seriado "Kung Fu". rs rs rs)

Não sei se responder assim é grosseiro, porém, é bem legal. Eu dou muita risada, levo na brincadeira se me fazem essas perguntas. Espero que quem me ouça falar isso também me leve na brincadeira. Independentemente de etnia, cor de pele e religião, somos todos humanos. Corta o seu braço e eu corto o meu. O sangue que sairá é vermelho. Escrevi em sentido figurado, não vai pegar uma faca para fazer isso, ein.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Mentira ou "de mentira"?


A verdade é a diretriz, o princípio-motriz, dos sistemas de pensamento. A teoria do conhecimento e a epistemologia tem como característica, em seus estudos, a busca da verdade, seja pela manifestação lógico-gramatical (como na filosofia da linguagem) ou pela correspondência ontológica com a realidade, ou aquilo que se concebe como realidade.


Contudo, o mundo está sempre em conflito e o que se concebe como verdade, na filosofia, essa turbulência se eleva, porém, sem carregar a violência, no entendimento de Karl Jaspers.
Em contraposição, a falsidade, ou mentira – no jargão popular -, contrapõe-se ao verdadeiro. Mas é preciso valorar, antes, cada ação e situar cada enunciado, antes de se falar sobre a “qualidade” da falsidade.

Numa conceituação simples, desprovida de maior pretensão teórica, a mentira é uma falsidade carregada de valoração ética negativa, aquilo que seria chamado na teoria geral do delito de reprovabilidade.

O “de mentira”, por sua vez, seria uma falsidade não comprometida na sua valoração ética, mas valorada segundo parâmetros que não necessitam, essencialmente, corresponder com a realidade, já que não há compromisso mais rigoroso com as premissas da lógica.
Verifica-se a “mentira” em atividades reprováveis em termos éticos e jurídicos, como, respectivamente, desobedecer a um mandamento religioso, ou cometer estelionato, por exemplo. Já o “de mentira” é comum nas brincadeiras infantis, no exercício do imaginário, ou nas obras dos artistas.

Ao ouvir um conto de fadas, a criança sabe que seus pais contam coisas “de mentira”. Mas é diferente quando ela ouve seus pais dizerem que não vão mais fumar. E ela os vê, mesmo que escondidos, fumando. As valorações das situações e dos contextos são diferentes. O “de mentira” pode até mesmo assumir valorações estéticas, enquanto a mentira, em si, geralmente continuará sendo reprovada. Salvo melhor juízo, há um texto do filósofo francês Jean-Paul Sartre intitulado “A imaginação”, que versa sobre o universo do “de mentira”.

Também é preciso, nesse texto sobre a “mentira” e o de “mentira”, escrever, mesmo que brevemente, sobre o que é conhecimento. O que é conhecimento? Desde o nascimento da filosofia e das ciências o ser humano tenta responder essa pergunta. O filósofo grego Sócrates (469-399 a. C.) dizia: “Só sei que nada sei.” E fazia do conhecimento uma jornada sem fim, a ser sempre descoberta. Por outro lado, autores como Rufolf Carnap (1891-1970), do Círculo de Viena, século XX, dizem que é impossível fundamentar absolutamente o conhecimento. Quando mais se pensa a respeito, mais se complica a respeito. A filosofia tem esse papel: fazer pensar.


Aquilo que conhecemos nos traz segurança. Mas o que é possível conhecer? O conhecimento está correto? Essas indagações de caráter filosófico são como baldes de água em cima de castelos de areia. A filosofia nos leva a um passeio maravilhoso pelo conhecimento humano, mas, ao mesmo tempo, nos ensina a viver com a falta de segurança. O Papa João Paulo II (1920-2005) dizia que os filósofos tiram a esperança das pessoas por causa disso.

O mais usual é dividir o conhecimento em opinião (senso comum) e ciência (conhecimento científico). Na opinião, ou senso comum, as pessoas geralmente dizem “eu acho que”. É o famoso palpite. No conhecimento científico, as pessoas dizem “eu sei que”. Qual a diferença? No senso comum, se falam coisas sem que haja necessidade de comprová-las. Quer dizer, não há compromisso com a verdade. Já, no conhecimento científico, quando se diz algo, esse algo pode ser comprovado por meio de uma argumentação sólida ou por testes empíricos.

O senso comum é o conhecimento normal do dia-a-dia. É o que a gente ouve falar nas ruas, nas escolas, no serviço, nas igrejas e também nossas viagens na maionese. Exemplos: orientais são mais inteligentes que as outras “raças”; beber leite e chupar manga é veneno. Isso é o senso comum, que muitas vezes carrega preconceitos – noções sobre algo ou alguma pessoa que nem sempre são aquilo que se fala por aí, ou o que nós pensamos, mas que podem ser corrigidas se nós tivermos maior conhecimento de causa sobre o assunto.

O conhecimento científico é mais comum nas universidades e nos meios acadêmicos. Pode surgir do senso comum. Muitas vezes, o conhecimento científico serve para comprovar coisas que achamos que são, ou para contrariar coisas que achamos que são de determinado jeito. Vamos usar os exemplos anteriores para mostrar como o conhecimento científico nos livra dos preconceitos do senso comum: a-) orientais não são mais inteligentes que outras “raças”.








Descobriu-se que, cientificamente, não há várias “raças”, apenas diferenças ocasionadas por causa de influências geográficas e isolamento de outros grupos humanos. Mas orientais vieram para o Brasil só com a roupa do corpo, sem dinheiro, sem saber português, por que tanto progresso? No Oriente, houve influência muito grande do filósofo Confúcio, que pregava respeito ao professor, dedicação aos estudos e não querer mais coisas do que se fez merecer por meio do trabalho ou dos estudos, segundo análise de Marcelo Paixão, professor de Economia do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Portanto, nenhuma “raça” é melhor que a outra. Somos todos iguais. b-) chupar manga e beber leite não é veneno. Historiadores explicam que, na época da escravidão no Brasil, a última refeição dos escravos era um copo de leite. Mas isso era muito pouco, principalmente para quem trabalhava na agricultura e pecuária o dia inteiro. Então, os escravos iam escondidos para as plantações comer manga para matar a fome. Os fazendeiros, claro, não queriam prejuízos, aí, espalharam o boato de que comer manga é veneno.

O conhecimento científico pode filtrar os preconceitos do senso comum, visando desmistificar pretensas verdades, que, na realidade, são “mentiras”, que podem causar muitos estragos. Já o “de mentira” – embora possa facilmente ser desmascarada pelo próprio senso comum, ou se necessário, pelo conhecimento científico – pode ter sua validade epistemológica questionada por não corresponder à lógica ou à realidade. Contudo, o “de mentira” é de certa forma fundamental para o aprendizado e para dar vazão à criatividade humana.

Notas e faltas disponibilizadas no portal educacional


Galerinha.
As notas e faltas foram disponibilizadas no portal educacional. Caso haja algum problema, por favor, me escrevam o mais rápido possível naqueles e-mails que disponibilizei nos primeiros dias de aula. Não se esqueçam: nome completo, número e o curso e descrição detalhada do pedido. Minha internet estava meio "bichada". Espero que tenha normalizado para que mantenhamos o canal de comunicação. Para quem for à festa junina de hoje à noite, bom divertimento e juízo. he he.
[]'s.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Da violação de sigilo funcional


1 - INTRODUÇÃO


Quais os limites que separam a necessidade do segredo do interesse público calcado no princípio da publicidade? O direito à intimidade e à privacidade do indivíduo perante às bisbilhotices de quem quer que seja foi longamente explorado na sensacional obra “O direito de estar só: a tutela penal do direito à intimidade”, do professor doutor Paulo José da Costa Júnior. Mas a intimidade e a privacidade da pessoa privada, seja física ou jurídica, é uma coisa. No entanto, é uma coisa muito diferente quando se fala em Administração Pública.
Contudo, apesar da preponderância do princípio da publicidade, existem informações da Administração Pública que devem ser preservadas, sob alcunha de sigilosas. Existem, porém, questionamentos sobre o que seria e o que não seria sigiloso. Há uma tênue linha entre o que deve ser classificado como sigiloso e o que deve ser visto como público, em sua plenitude.
Pois bem. Tentar-se-á desenvolver, neste pequeno ensaio, algumas explicações sobre o crime de “violação de sigilo funcional”
[i] – arrolado na legislação brasileira, como um dos crimes contra a Administração Pública. Estas linhas são mais um ensaio que um artigo científico propriamente dizendo.


2- DA VIOLAÇÃO DOS SEGREDOS


Genericamente falando, se assim se pode dizer, trata-se de um crime contra a violação dos segredos, contudo, que se especializa com relação aos crimes contra a inviolabilidade dos segredos, investidos nos artigos 134 e 135 do Código Penal Brasileiro.
[ii] A tendência brasileira, segundo Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr. (2006, p. 154), segue os Códigos Penais mais importantes da contemporaneidade, como o italiano (art. 326), o suíço (art. 320) e o alemão (§ 353-b).
Por ser uma espécie de crime contra a violação dos segredos, a “violação de sigilo funcional” pode ser subsidiária, suplementar ou supletiva, “enquanto a pena prevista não se aplica se o fato constituir fato mais grave”. Quer dizer, “a sanção prevista para o crime mais grave mostra-se suficiente para punir também este crime”. (PAGLIARO & COSTA JÚNIOR, 2006, p. 154) Há, então, para Pagliaro e Costa Júnior, consunção.
[iii] Os exemplos abaixo podem aclarar a situação:

“Desse modo, se se tratar de espionagem ou de revelação de segredo que ofenda a segurança nacional, o agente incorrerá nas sanções da Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (arts. 13, 14 e 21). Se o segredo for de natureza militar, dará lugar ao delito previsto no art. 326 daquele estatuto. Tratando-se de violação de segredo epistolar praticada com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico, o crime será o do § 3º do art. 151 do Código Penal. A transmissão de informações sigilosas referentes a energia nuclear é punida pela Lei n. 6.453, de 1977 (art. 23)” (PAGLIARO & COSTA JÚNIOR, 2006, p. 154-155)




3 – ENTRE A PUBLICIDADE E O SIGILO


Por que o sigilo de atos da Administração Pública, se a regra é a preponderância do princípio constitucional da publicidade, explícito no artigo 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988?
[iv] Procura-se manter o bom andamento e funcionamento da administração pública. De acordo com Nucci (2006, p. 1004), o objeto material é a informação sigilosa, enquanto o objeto jurídico são os interesses material e moral da Administração Pública, pelo menos no enunciado do “caput” do artigo 325, do Código Penal. Já com relação aos tipos especificados no art. 325, § 1º, I e II, o objeto material é o banco de informações ou o sistema de dados, já o objeto jurídico são os aspectos materiais e morais da Administração Pública, explica Nucci (2006, p. 1005).
Pagliaro e Costa Júnior (2006, p. 155), por sua vez, esposam o entendimento de que o objeto da tutela jurídica seria o bom funcionamento da Administração Pública, interessada em manter alguns fatos em segredo. “A revelação do segredo, que deverá ser relevante para o Estado, poderá influir na boa ordem e no eficaz andamento da Administração Pública.”


4 – O QUE É SIGILOSO?


Falta definir o que é sigiloso para a Administração Pública. Para Nucci (2006, p. 1004), segredo “é o que deve ser mantido em sigilo, sem qualquer divulgação”. Sigiloso é o fato ou informação relevante para o interesse público, e não para o interesse particular. No caso do segundo, estar-se-ia falando de divulgação de segredo ou divulgação do segredo profissional, como já se expôs anteriormente.
Importante salientar que o fato que, em nome do interesse público, se mantém em sigilo não é um fato de interesse do administrador, enquanto pessoa, mas um fato que poderia comprometer a própria Administração se a sua divulgação fosse realizada de qualquer jeito, sem preparação da população para captá-la, ou mesmo subvertendo a hierarquia pertinente à Administração, arriscando-a, desde um nível quase que irrelevante a um nível irreversível de dano. Assim:

“Não haverá obrigação de sigilo quando a manutenção da notícia oculta sirva para tutelar interesses construídos contra a lei, ou para fraudá-la, como o interesse de superior que pratica uma prevaricação em que o inferior não a revele. Não há, tampouco, interesse em tutelar interesses fúteis, de vaidade, emulação, etc., ainda que possam ter repercussão no ambiente burocrático.” (PAGLIARO & COSTA JÚNIOR, 2006, p. 156)





5 – QUEM VIOLA O SIGILO?


O sujeito ativo dos tipos penais descritos no artigo 325, “caput”, e § 1º, I e II, do Código Penal, é funcionário público, inclusive o aposentado ou em disponibilidade. Num primeiro momento, o sujeito passivo é a Administração Pública, num segundo, o terceiro prejudicado com a revelação. O funcionário público, porém, deve ter conhecimento, “em razão do cargo, de fato que deva permanecer em segredo”, segundo Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Júnior (2006, p. 155).
Um adendo para explicitar melhor o que foi escrito no parágrafo anterior. Mesmo que um funcionário se aposente ou deixe a Administração Pública, ainda persiste o dever de guardar sigilo. Sobre conhecimento em razão do cargo, Nucci (2006, p. 1003) explica que “a informação somente chegou ao seu conhecimento porque exerce uma função pública”. E mais: “Não fosse funcionário público, desconheceria o ocorrido. Entretanto, se tomou ciência do fato por intermédio de outra fonte que não o seu cargo, não comete o delito previsto por este tipo penal.”
Ressalta-se que o elemento subjetivo do tipo – seja no “caput” do artigo 325, quanto nos incisos I e II – é o dolo, inexistindo forma culposa, inexistindo elemento subjetivo do tipo específico, ensina Nucci. (2006, p. 1003; 1004; 1006) Todavia, se faz preciso salientar que além do dolo genérico, no caso do inciso I, é necessária a “vontade consciente e limpa de permitir ou facilitar o acesso de pessoas não autorizadas
[v] a sistema de informações ou bancos de dados da Administração Pública”, sendo que, no tipo do inciso II, “o elemento normativo do tipo é a ausência de autorização para a prática da conduta descrita”. (PAGLIARO & COSTA JÚNIOR, 2006, p. 160) Ainda sobre o inciso II, cabe salientar que se houver autorização para o acesso, a conduta é atípica, apregoa Nucci. (2006, p. 1006)
Para Antônio Pagliaro e Paulo José da Costa Júnior (2006, p. 157), o dolo pode ser excluído em duas hipóteses: “quando o sujeito tenha a falsa convicção de que o fato não deve permanecer secreto, podendo ser revelado a toda a coletividade ou a determinadas pessoas; ou quando o agente se recorde erroneamente de ter tido conhecimento das notícias por via privada.”


6- COMO SE VIOLA O SIGILO FUNCIONAL?


A violação do sigilo funcional descrita no “caput” do artigo 325 se dá de maneira direta – pela revelação fato que tem ciência em razão do cargo e que deveria ser mantido em segredo -, ou indireta – facilitar a revelação. A revelação pode se dar de qualquer forma, seja por linguagem, desenhos ou mesmos gestos. Até mesmo uma alusão pode ser entendida como revelação. Na violação direta, basta revelar o fato para uma pessoa para que haja a consumação do crime. Já na violação indireta, a consumação se dá com a facilitação, que pode ser omissiva. Na primeira hipótese e na segunda (em se tratando de conduta omissiva), não se admite a tentativa. O crime é formal, não necessitando haver incidência de dano ou perigo posteriormente. (PAGLIARO E COSTA JÚNIOR, 2006, p. 158)
Por outro lado, ao se tratar do inciso I e II, não é necessário resultado naturalístico para se consumar o crime. É suficiente a ação ou omissão do agente. Admite-se a tentativa no inciso I. No inciso II, porém, a admissão da tentativa é discutível. Eis o posicionamento de Antonio Pagliaro e de Paulo José da Costa Júnior (2006, p. 160): “Entendemos que sim, pois o processo de obtenção do acesso é longo, requerendo um procedimento de busca para obtenção da senha secreta, mediante a qual será possível o ingresso no sistema restrito, obtendo informações sigilosas. Sendo longo o iter criminis a ser percorrido é bem possível que, durante ele, o agente seja surpreendido e obstado de prosseguir.” Se houver dano à Administração Pública, nos termos do artigo 325, § 2º, ocorre a figura do crime qualificado pelo resultado.
Com relação às condutas propriamente dizendo, salutar se faz transcrever a lição de Celso Nucci:

“Pode o agente praticar a conduta típica através dos seguintes mecanismos: a) atribuir (conceder ou conferir) senha (fórmula convencionada por alguém, para impedir que terceiros tenham acesso a segredos guardados). Trata-se de conduta comum na Administração, quando se quer permitir que alguns funcionários, especialmente autorizados, ingressem em arquivos ou conheçam dados ou documentos confidenciais. Assim, por convenção, a determinado funcionário confere-se um código, que o identifica, permitindo-lhe entrar em salas ou sistemas informatizados. Tal conduta pode ocorrer, ainda, atribuindo-se outra forma de acesso, como falso crachá de identificação; b) fornecer (entregar, confiar a alguém) senha. A conduta difere da anterior, pois neste caso o funcionário não confere um código a terceiro, para que este tome conhecimento de dados sigilosos, mas confia senha sua ou de outra pessoa para que o ingresso seja feito. A conduta também pode ser cometida através da entrega de outra forma de passagem, como uma chave; c) emprestar (confiar a alguém determinada coisa para ser devolvida) instrumento de acesso. Tal conduta não se adapta, perfeitamente, à senha, pois, quanto a esta, fornecendo-se o seu código, nada mais resta a fazer. Não se empresta senha, mas fornecem-se os seus caracteres. Portanto, a senha não é devolvida. Se o funcionário que a fornece desejar tê-la de volta com a característica original de bloqueio de acesso a pessoas não autorizadas, necessita alterá-la. Trata-se de forma vinculada.” (NUCCI, 2006, p. 1004-1005)


7- CONSIDERAÇÕES FINAIS


Apesar de a regra ser a publicidade dos atos administrativos, se faz necessário resguardar algumas informações para dar prosseguimento ao bom andamento da Administração Pública. Atos de planejamento ou de resguardo da Administração Pública podem causar danos se divulgados antes do tempo ou mesmo se simplesmente divulgados. Ninguém, em sã consciência, deixa com alguém a senha do cartão magnético que movimenta sua conta bancária ou de poupança. Isso na esfera particular, na pública, o rigor deve ser maior.
Os termos em que se permite o acesso à informação dos atos da Administração Pública se deve dar por meio daquilo que dispõe a Lei. O particular, no seio da sua vida íntima e privada, pode fazer o que bem quiser com relação às informações relativas ao seu ser. Mas a Administração Pública não é ente privado, representa interesses que devem ser levados em conta considerando a coletividade. Por isso, se fazem necessárias a decretação de segredo – por meio de Lei, regulamento ou ordem hierárquica – para que se possam evitar “sabotagens” ou mesmo antecipação de planos que seriam meros estudos, ou seja, que não seriam concretizados, mas foram divulgados de maneira bombástica e irresponsável, por exemplo.
Ademais, se faz preciso afirmar que o sigilo para a proteção do interesse público não se coaduna com os interesses de particulares ou de grupos que se revezam no poder, mas encobertos sob o carimbo do interesse público. Se assim o for, há distorção da Lei e se trata de uma ditadura.


8 - BIBLIOGRAFIA


BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte 1. 10. ed. São Paulo: 2006.
PAGLIARO, Antonio & COSTA JUNIOR, Paulo José da. Crimes contra a administração pública. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Perfil, 2006.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. 11. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2002.



Notas


[i] Violação de sigilo funcional
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

[ii] Divulgação de segredo
Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º Somente se procede mediante representação.
(Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Violação do segredo profissional
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

[iii] Francisco de Assis Toledo (2002, p. 52-53) ensina o que é consunção nos seguintes termos: “Há, na lei penal, tipos mais abrangentes e tipos mais específicos que, por visarem a proteção dos bens jurídicos diferentes, não se situam numa perfeita relação de gênero para espécie (especialidade) nem se colocam numa posição de maior ou menor grau de execução de um crime.” No entendimento de Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 250): “Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui um meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro regime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração.”

[iv] “Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.” (BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 96)

[v] Nucci (2006, p. 325) esclarece: “Pessoas não autorizadas são aquelas que não detêm da Administração Pública ou da própria lei liberdade para ingressar e tomar conhecimento de sistemas de informações ou banco de dados públicos. É elemento normativo do tipo, que depende de valoração.”

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Arteterapia e felicidade



Minha amiga Adriana Elias Josende, gaúcha (bah tchê) com origens libanesas (aí, quibe!), colaborou com o nosso blog, após algumas insistências. Ela compartilha a sua experiência como profissional de arteterapia. Para quem não conhece, é uma ótima oportunidade de ficar por dentro, no bom sentido, é claro e sempre.


Abaixo, o artigo de Adriana.


Essa tão sonhada Felicidade


Por Adriana Elias Josende (essenciacriativa@terra.com.br)



A sagaz corrida cotidiana, a busca desenfreada pelo bem-estar social, a competitividade profissional, a degradação do planeta enquanto bem coletivo, entre tantos outros fatores, contribuem para a desestruturação psíquica e emocional do ser humano.
Ao deparar-se, diariamente, com os avanços tecnológicos e a efemeridade das relações, o homem entra em conflito consigo mesmo.
Por tratar-se de um ser sociável e social, o homem necessita estar em harmonia com o seu próprio eu, construindo uma imagem positiva daquilo que ele deseja ser, bem como, necessita construir relações que o possibilitem viver em sociedade, cujas regras, valores e normas firmadas, por vezes, o colocam em conflitos imensuráveis.
Historicamente, a humanidade alicerçou projetos, construiu e destruiu conceitos, buscou soluções para inúmeras e distintas perguntas acerca do mundo e da interação humana. Nessa busca alucinada, o homem evoluiu tecnológica e materialmente.


Deixando de ser apenas coadjuvante, o homem sai, como seus antepassados, à caça. Deseja, ardentemente firmar-se pessoal e profissionalmente, esquecendo-se que não é um ser sozinho no universo. Concebe-se assim, em meio à globalização , reflexo de uma tendência inerente ao ser humano que é de sobressair-se e dominar os seus semelhantes.
A flexibilidade e transitoriedade em busca de melhores condições de trabalho, o impacto causado pela globalização, faz com que o homem viva em um constante transformação, seja em busca de trabalho, seja em busca de qualidade de vida. Se por um lado, isto estimula a sua criatividade e a busca pela realização pessoal e profissional, por outro lado, o homem nunca esteve tão só. Rodeado de gente, sente-se solitário em seus projetos e suas ambições.
O conceito de inter-relação, vê-se esmagado pela individualidade e a eliminação da concorrência. Hoje, um homem que, para evoluir emocionalmente, necessitaria da referência do grupo, é sozinho num mundo concorrido e voraz. Vê-se acuado, solitário, em meio ao caos das grandes cidades. É, agora, um número, uma parte da engrenagem que, desgastada, ainda precisa funcionar. Vive e convive com as máquinas, maquinizando-se também.
Sob esse foco, surgem então, os conflitos. O homem é um ser dotado de sentimentos: razão e emoção o distingue dos demais animais. Sua capacidade e necessidade de conviver com o outro apresenta-se esmagada no cotidiano das máquinas e da competitividade coletiva.
A satisfação é efêmera, uma vez que se firma em projetos mutáveis, que tornam-se obsoletos ainda antes de serem desenvolvidos, dado à voracidade do fator tempo.A busca pela felicidade é vendida pela mídia, pela cultura, pelo crescimento econômico e pela possível aquisição de bens materiais. Muitas pessoas buscam a felicidade consumindo, outras se anestesiam através dos vícios e compulsões,outras ainda, sustentam a idéia de que felicidade é enquadrar-se nos padrões de beleza e estética. Há os que se prendem às lembranças do passado; outras gastam tanto tempo planejando o futuro que se esquecem de estar presente no presente.
A vida tem se tornado cada vez mais superficial. A busca constante pelo mito da felicidade têm tornado e formado seres vazios. A fugacidade mostra que a felicidade é algo que precisa firmar-se no transcendente.
Em meio ao conflito interno instaurado, o homem vê-se insatisfeito e questionador. Nesse momento, começa a reencontrar-se, rebuscar-se, almejando uma reestruturação pessoal e social.
Questões profundas e fundamentais da existência humana lhe permeiam o ser:. Será que existe felicidade? Como ser feliz ? Onde está a felicidade verdadeira? A cultura em que vivemos hoje prima por uma utópica felicidade baseado em fantasias inatingíveis.Nesse vagar filosófico e existencial, o homem compreende a necessidade de visitar as profundezas da sua própria alma.Cada qual com seu questionamento, encontrará diferentes respostas para suprir-se. É nesse momento que, em profunda introspecção, o homem vê-se diante do óbvio: a felicidade está naquilo que não passa; naquilo cuja efemeridade e o materialismo não corrompe; nas conquistas internas que se alicerçam; no respeito ao eu e ao outro. A felicidade está no crescer e auxiliar o crescimento daqueles que nos rodeiam.
Karl Marx, em seu livro “O Manifesto Comunista”,fez uma colocação interessante e que se remete ao atual momento em que vivemos. Ao afirmar que “a família havia sido coberta pelo véu do capitalismo, reduzindo assim, os laços afetivos, limitando-a a relações de interesses”, o filósofo mostra que as relações de posse e de opressão podem começar ainda no âmago da existência humana. Essa lacuna emocional, aliada à desenfreada busca pelo individualismo social, tornam o ser humano infeliz e perdido no imenso universo comum que é a sociedade.
A era tecnológica com toda a sua parafernália do progresso e a mercantilização da vida fez com que o homem/mulher fossem se afastando cada vez mais de si próprios e dos outros. Sob a ótica da modernidade ser-mais é ter mais. Saber-se importante é ocupar o primeiro lugar, é usufruir do poder e do outro, manipulando-o, numa cegueira que impossibilita ver no outro a si mesmo, convivendo numa sociedade que ignora a alteridade e os valores comuns ao crescimento coletivo; somente o individual é que conta.
Urge, então, que o ser humano reveja conceitos, atitudes, olhe para sua própria condição humana. E há todo um cenário propício para isso. A virada do milênio; a insatisfação do homem/mulher com um sistema que nos iguala e ao mesmo tempo dilata o abismo entre os diferentes grupos sociais; a subjetividade pós-moderna, diferente do individualismo moderno, leva o sujeito a resgatar sentimentos da essência humana. É tempo de olhar para dentro de si próprio em direção a uma transcendência que resulta na emersão consciente de uma nova condição humana, envolta em princípios, que caracterizam um novo ser. Princípio esses, como a solidariedade, respeito às diferenças e a busca pelo não efêmero, alicerçam o desejo do homem voltar-se ao transcendente, numa espécie de regresso ao berço, ao colo do Pai.Assim, em meio a tanta tecnologia, competitividade, materialidade, desapego aos valores éticos e morais, o homem busca, exaustivamente, reencontrar-se.
O momento é oportuno para o resgate das relações humanas. Profissões relacionadas à saúde, ao desenvolvimento humano e social ganham espaço e força , num desejo imenso de resgatar a identidade humana, seus anseios e interrogações, apontando-lhes um novo horizonte a ser desvendado.
A percepção de que, para ser feliz, o homem necessita crescer e integrar-se, passa a ser vista como alavanca essencial de um trabalho que surge como complemento às ciências humanas. A Arteterapia transita por entre esse universo da psicologia, da psiquiatria, da educação, das relações humanas e encontra respaldo na sua essência primeira: o homem e seus sentimentos.
Assim, através de mecanismos como a dança, a pintura, o teatro, a modelagem, a arte na sua forma expressiva, oferece um canal para que o indivíduo se (re) encontre e encontre o outro. Esse processo, marca o retorno do homem à sua essência, que é compreender-se como parte do universo que está inserido, respeitando o espaço do outro e vendo nele, o outro, alguém que faz parte das minhas relações.
Um grande leque se abre para profissionais desejosos de “ajudar” àqueles que estão nessa jornada de volta ao seu ser. O arteterapeuta encontra na ânsia do outro em resolver seus conflitos, o seu foco de auxílio. De forma sutil ,desacomodadora, propõe atividades que resgatam o ser humano da sua clausura existencial, trazendo-o à reflexão de conflitos, apontando-lhes um novo olhar, um novo foco e redimensionando seus conflitos internos na busca da estrutura interior.
Chico Xavier, costumava dizer que: “ A verdadeira caridade alenta e liberta aquele que ajuda, não o ajudado.” Assim, ao deparar-me com o maravilhoso universo da Arteterapia, sua proposta centrada na Arte como essência, sua faceta social, não pude recusar ao chamado interior de segui-la.
Quisera fazer da Arteterapia, mais que uma profissão. Quisera concebê-la como forma de auxiliar àqueles que buscam reencontrar-se, regressar, rever seus conflitos e poder estar em sintonia consigo mesmo, com o outro e com o transcendente.
Aí, quem sabe um dia, possamos aceitar nossa condição única e singular; serem livres das convenções sociais, buscando em nós mesmos a verdade, a luz e a essência. Então, libertar-nos-emos das amarras; não mais vagaremos sem sentido pela trajetória da vida; seremos capazes de percebermos o fundamental, o singelo e assim entenderemos a sensação de completude e de totalidade, numa transcendência que nos orienta e nos faz renascer, todos os dias.
Que eu possa pelo menos sonhar, e, nesse sonho, encontrar-me feliz por ajudar alguém. Talvez, ousarei dizer que é provável que a felicidade exista, que momentos felizes não passam e que as lembranças podem ser menos dolorosas quando reportar a recordações e saudades. Aí sim, teremos encontrado a tão sonhada felicidade, e quiçá, possamos continuar constantemente buscando-a nos momentos mais simples do cotidiano.


* Adriana Elias Josende é professora de Literatura, Teatro e Expressão Corporal, pós- graduanda do curso de Arteterapia pelo Centro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação (Centrarte), da Faculdade Cenecista Bento Gonçalves (Facebeg), em Bento Gonçalves (RS).
* Trabalhado apresentado originalmente para apreciação da professora Edna Pereira.