Minha amiga Adriana Elias Josende, gaúcha (bah tchê) com origens libanesas (aí, quibe!), colaborou com o nosso blog, após algumas insistências. Ela compartilha a sua experiência como profissional de arteterapia. Para quem não conhece, é uma ótima oportunidade de ficar por dentro, no bom sentido, é claro e sempre.
Abaixo, o artigo de Adriana.
Essa tão sonhada Felicidade
Por Adriana Elias Josende (essenciacriativa@terra.com.br)
A sagaz corrida cotidiana, a busca desenfreada pelo bem-estar social, a competitividade profissional, a degradação do planeta enquanto bem coletivo, entre tantos outros fatores, contribuem para a desestruturação psíquica e emocional do ser humano.
Ao deparar-se, diariamente, com os avanços tecnológicos e a efemeridade das relações, o homem entra em conflito consigo mesmo.
Por tratar-se de um ser sociável e social, o homem necessita estar em harmonia com o seu próprio eu, construindo uma imagem positiva daquilo que ele deseja ser, bem como, necessita construir relações que o possibilitem viver em sociedade, cujas regras, valores e normas firmadas, por vezes, o colocam em conflitos imensuráveis.
Historicamente, a humanidade alicerçou projetos, construiu e destruiu conceitos, buscou soluções para inúmeras e distintas perguntas acerca do mundo e da interação humana. Nessa busca alucinada, o homem evoluiu tecnológica e materialmente.
Deixando de ser apenas coadjuvante, o homem sai, como seus antepassados, à caça. Deseja, ardentemente firmar-se pessoal e profissionalmente, esquecendo-se que não é um ser sozinho no universo. Concebe-se assim, em meio à globalização , reflexo de uma tendência inerente ao ser humano que é de sobressair-se e dominar os seus semelhantes.
A flexibilidade e transitoriedade em busca de melhores condições de trabalho, o impacto causado pela globalização, faz com que o homem viva em um constante transformação, seja em busca de trabalho, seja em busca de qualidade de vida. Se por um lado, isto estimula a sua criatividade e a busca pela realização pessoal e profissional, por outro lado, o homem nunca esteve tão só. Rodeado de gente, sente-se solitário em seus projetos e suas ambições.
O conceito de inter-relação, vê-se esmagado pela individualidade e a eliminação da concorrência. Hoje, um homem que, para evoluir emocionalmente, necessitaria da referência do grupo, é sozinho num mundo concorrido e voraz. Vê-se acuado, solitário, em meio ao caos das grandes cidades. É, agora, um número, uma parte da engrenagem que, desgastada, ainda precisa funcionar. Vive e convive com as máquinas, maquinizando-se também.
Sob esse foco, surgem então, os conflitos. O homem é um ser dotado de sentimentos: razão e emoção o distingue dos demais animais. Sua capacidade e necessidade de conviver com o outro apresenta-se esmagada no cotidiano das máquinas e da competitividade coletiva.
A satisfação é efêmera, uma vez que se firma em projetos mutáveis, que tornam-se obsoletos ainda antes de serem desenvolvidos, dado à voracidade do fator tempo.A busca pela felicidade é vendida pela mídia, pela cultura, pelo crescimento econômico e pela possível aquisição de bens materiais. Muitas pessoas buscam a felicidade consumindo, outras se anestesiam através dos vícios e compulsões,outras ainda, sustentam a idéia de que felicidade é enquadrar-se nos padrões de beleza e estética. Há os que se prendem às lembranças do passado; outras gastam tanto tempo planejando o futuro que se esquecem de estar presente no presente.
A vida tem se tornado cada vez mais superficial. A busca constante pelo mito da felicidade têm tornado e formado seres vazios. A fugacidade mostra que a felicidade é algo que precisa firmar-se no transcendente.
Em meio ao conflito interno instaurado, o homem vê-se insatisfeito e questionador. Nesse momento, começa a reencontrar-se, rebuscar-se, almejando uma reestruturação pessoal e social.
Questões profundas e fundamentais da existência humana lhe permeiam o ser:. Será que existe felicidade? Como ser feliz ? Onde está a felicidade verdadeira? A cultura em que vivemos hoje prima por uma utópica felicidade baseado em fantasias inatingíveis.Nesse vagar filosófico e existencial, o homem compreende a necessidade de visitar as profundezas da sua própria alma.Cada qual com seu questionamento, encontrará diferentes respostas para suprir-se. É nesse momento que, em profunda introspecção, o homem vê-se diante do óbvio: a felicidade está naquilo que não passa; naquilo cuja efemeridade e o materialismo não corrompe; nas conquistas internas que se alicerçam; no respeito ao eu e ao outro. A felicidade está no crescer e auxiliar o crescimento daqueles que nos rodeiam.
Karl Marx, em seu livro “O Manifesto Comunista”,fez uma colocação interessante e que se remete ao atual momento em que vivemos. Ao afirmar que “a família havia sido coberta pelo véu do capitalismo, reduzindo assim, os laços afetivos, limitando-a a relações de interesses”, o filósofo mostra que as relações de posse e de opressão podem começar ainda no âmago da existência humana. Essa lacuna emocional, aliada à desenfreada busca pelo individualismo social, tornam o ser humano infeliz e perdido no imenso universo comum que é a sociedade.
A era tecnológica com toda a sua parafernália do progresso e a mercantilização da vida fez com que o homem/mulher fossem se afastando cada vez mais de si próprios e dos outros. Sob a ótica da modernidade ser-mais é ter mais. Saber-se importante é ocupar o primeiro lugar, é usufruir do poder e do outro, manipulando-o, numa cegueira que impossibilita ver no outro a si mesmo, convivendo numa sociedade que ignora a alteridade e os valores comuns ao crescimento coletivo; somente o individual é que conta.
Urge, então, que o ser humano reveja conceitos, atitudes, olhe para sua própria condição humana. E há todo um cenário propício para isso. A virada do milênio; a insatisfação do homem/mulher com um sistema que nos iguala e ao mesmo tempo dilata o abismo entre os diferentes grupos sociais; a subjetividade pós-moderna, diferente do individualismo moderno, leva o sujeito a resgatar sentimentos da essência humana. É tempo de olhar para dentro de si próprio em direção a uma transcendência que resulta na emersão consciente de uma nova condição humana, envolta em princípios, que caracterizam um novo ser. Princípio esses, como a solidariedade, respeito às diferenças e a busca pelo não efêmero, alicerçam o desejo do homem voltar-se ao transcendente, numa espécie de regresso ao berço, ao colo do Pai.Assim, em meio a tanta tecnologia, competitividade, materialidade, desapego aos valores éticos e morais, o homem busca, exaustivamente, reencontrar-se.
O momento é oportuno para o resgate das relações humanas. Profissões relacionadas à saúde, ao desenvolvimento humano e social ganham espaço e força , num desejo imenso de resgatar a identidade humana, seus anseios e interrogações, apontando-lhes um novo horizonte a ser desvendado.
A percepção de que, para ser feliz, o homem necessita crescer e integrar-se, passa a ser vista como alavanca essencial de um trabalho que surge como complemento às ciências humanas. A Arteterapia transita por entre esse universo da psicologia, da psiquiatria, da educação, das relações humanas e encontra respaldo na sua essência primeira: o homem e seus sentimentos.
Assim, através de mecanismos como a dança, a pintura, o teatro, a modelagem, a arte na sua forma expressiva, oferece um canal para que o indivíduo se (re) encontre e encontre o outro. Esse processo, marca o retorno do homem à sua essência, que é compreender-se como parte do universo que está inserido, respeitando o espaço do outro e vendo nele, o outro, alguém que faz parte das minhas relações.
Um grande leque se abre para profissionais desejosos de “ajudar” àqueles que estão nessa jornada de volta ao seu ser. O arteterapeuta encontra na ânsia do outro em resolver seus conflitos, o seu foco de auxílio. De forma sutil ,desacomodadora, propõe atividades que resgatam o ser humano da sua clausura existencial, trazendo-o à reflexão de conflitos, apontando-lhes um novo olhar, um novo foco e redimensionando seus conflitos internos na busca da estrutura interior.
Chico Xavier, costumava dizer que: “ A verdadeira caridade alenta e liberta aquele que ajuda, não o ajudado.” Assim, ao deparar-me com o maravilhoso universo da Arteterapia, sua proposta centrada na Arte como essência, sua faceta social, não pude recusar ao chamado interior de segui-la.
Quisera fazer da Arteterapia, mais que uma profissão. Quisera concebê-la como forma de auxiliar àqueles que buscam reencontrar-se, regressar, rever seus conflitos e poder estar em sintonia consigo mesmo, com o outro e com o transcendente.
Aí, quem sabe um dia, possamos aceitar nossa condição única e singular; serem livres das convenções sociais, buscando em nós mesmos a verdade, a luz e a essência. Então, libertar-nos-emos das amarras; não mais vagaremos sem sentido pela trajetória da vida; seremos capazes de percebermos o fundamental, o singelo e assim entenderemos a sensação de completude e de totalidade, numa transcendência que nos orienta e nos faz renascer, todos os dias.
Que eu possa pelo menos sonhar, e, nesse sonho, encontrar-me feliz por ajudar alguém. Talvez, ousarei dizer que é provável que a felicidade exista, que momentos felizes não passam e que as lembranças podem ser menos dolorosas quando reportar a recordações e saudades. Aí sim, teremos encontrado a tão sonhada felicidade, e quiçá, possamos continuar constantemente buscando-a nos momentos mais simples do cotidiano.
* Adriana Elias Josende é professora de Literatura, Teatro e Expressão Corporal, pós- graduanda do curso de Arteterapia pelo Centro de Estudos em Arteterapia, Psicologia e Educação (Centrarte), da Faculdade Cenecista Bento Gonçalves (Facebeg), em Bento Gonçalves (RS).
* Trabalhado apresentado originalmente para apreciação da professora Edna Pereira.
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