sexta-feira, 19 de junho de 2009

Mentira ou "de mentira"?


A verdade é a diretriz, o princípio-motriz, dos sistemas de pensamento. A teoria do conhecimento e a epistemologia tem como característica, em seus estudos, a busca da verdade, seja pela manifestação lógico-gramatical (como na filosofia da linguagem) ou pela correspondência ontológica com a realidade, ou aquilo que se concebe como realidade.


Contudo, o mundo está sempre em conflito e o que se concebe como verdade, na filosofia, essa turbulência se eleva, porém, sem carregar a violência, no entendimento de Karl Jaspers.
Em contraposição, a falsidade, ou mentira – no jargão popular -, contrapõe-se ao verdadeiro. Mas é preciso valorar, antes, cada ação e situar cada enunciado, antes de se falar sobre a “qualidade” da falsidade.

Numa conceituação simples, desprovida de maior pretensão teórica, a mentira é uma falsidade carregada de valoração ética negativa, aquilo que seria chamado na teoria geral do delito de reprovabilidade.

O “de mentira”, por sua vez, seria uma falsidade não comprometida na sua valoração ética, mas valorada segundo parâmetros que não necessitam, essencialmente, corresponder com a realidade, já que não há compromisso mais rigoroso com as premissas da lógica.
Verifica-se a “mentira” em atividades reprováveis em termos éticos e jurídicos, como, respectivamente, desobedecer a um mandamento religioso, ou cometer estelionato, por exemplo. Já o “de mentira” é comum nas brincadeiras infantis, no exercício do imaginário, ou nas obras dos artistas.

Ao ouvir um conto de fadas, a criança sabe que seus pais contam coisas “de mentira”. Mas é diferente quando ela ouve seus pais dizerem que não vão mais fumar. E ela os vê, mesmo que escondidos, fumando. As valorações das situações e dos contextos são diferentes. O “de mentira” pode até mesmo assumir valorações estéticas, enquanto a mentira, em si, geralmente continuará sendo reprovada. Salvo melhor juízo, há um texto do filósofo francês Jean-Paul Sartre intitulado “A imaginação”, que versa sobre o universo do “de mentira”.

Também é preciso, nesse texto sobre a “mentira” e o de “mentira”, escrever, mesmo que brevemente, sobre o que é conhecimento. O que é conhecimento? Desde o nascimento da filosofia e das ciências o ser humano tenta responder essa pergunta. O filósofo grego Sócrates (469-399 a. C.) dizia: “Só sei que nada sei.” E fazia do conhecimento uma jornada sem fim, a ser sempre descoberta. Por outro lado, autores como Rufolf Carnap (1891-1970), do Círculo de Viena, século XX, dizem que é impossível fundamentar absolutamente o conhecimento. Quando mais se pensa a respeito, mais se complica a respeito. A filosofia tem esse papel: fazer pensar.


Aquilo que conhecemos nos traz segurança. Mas o que é possível conhecer? O conhecimento está correto? Essas indagações de caráter filosófico são como baldes de água em cima de castelos de areia. A filosofia nos leva a um passeio maravilhoso pelo conhecimento humano, mas, ao mesmo tempo, nos ensina a viver com a falta de segurança. O Papa João Paulo II (1920-2005) dizia que os filósofos tiram a esperança das pessoas por causa disso.

O mais usual é dividir o conhecimento em opinião (senso comum) e ciência (conhecimento científico). Na opinião, ou senso comum, as pessoas geralmente dizem “eu acho que”. É o famoso palpite. No conhecimento científico, as pessoas dizem “eu sei que”. Qual a diferença? No senso comum, se falam coisas sem que haja necessidade de comprová-las. Quer dizer, não há compromisso com a verdade. Já, no conhecimento científico, quando se diz algo, esse algo pode ser comprovado por meio de uma argumentação sólida ou por testes empíricos.

O senso comum é o conhecimento normal do dia-a-dia. É o que a gente ouve falar nas ruas, nas escolas, no serviço, nas igrejas e também nossas viagens na maionese. Exemplos: orientais são mais inteligentes que as outras “raças”; beber leite e chupar manga é veneno. Isso é o senso comum, que muitas vezes carrega preconceitos – noções sobre algo ou alguma pessoa que nem sempre são aquilo que se fala por aí, ou o que nós pensamos, mas que podem ser corrigidas se nós tivermos maior conhecimento de causa sobre o assunto.

O conhecimento científico é mais comum nas universidades e nos meios acadêmicos. Pode surgir do senso comum. Muitas vezes, o conhecimento científico serve para comprovar coisas que achamos que são, ou para contrariar coisas que achamos que são de determinado jeito. Vamos usar os exemplos anteriores para mostrar como o conhecimento científico nos livra dos preconceitos do senso comum: a-) orientais não são mais inteligentes que outras “raças”.








Descobriu-se que, cientificamente, não há várias “raças”, apenas diferenças ocasionadas por causa de influências geográficas e isolamento de outros grupos humanos. Mas orientais vieram para o Brasil só com a roupa do corpo, sem dinheiro, sem saber português, por que tanto progresso? No Oriente, houve influência muito grande do filósofo Confúcio, que pregava respeito ao professor, dedicação aos estudos e não querer mais coisas do que se fez merecer por meio do trabalho ou dos estudos, segundo análise de Marcelo Paixão, professor de Economia do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Portanto, nenhuma “raça” é melhor que a outra. Somos todos iguais. b-) chupar manga e beber leite não é veneno. Historiadores explicam que, na época da escravidão no Brasil, a última refeição dos escravos era um copo de leite. Mas isso era muito pouco, principalmente para quem trabalhava na agricultura e pecuária o dia inteiro. Então, os escravos iam escondidos para as plantações comer manga para matar a fome. Os fazendeiros, claro, não queriam prejuízos, aí, espalharam o boato de que comer manga é veneno.

O conhecimento científico pode filtrar os preconceitos do senso comum, visando desmistificar pretensas verdades, que, na realidade, são “mentiras”, que podem causar muitos estragos. Já o “de mentira” – embora possa facilmente ser desmascarada pelo próprio senso comum, ou se necessário, pelo conhecimento científico – pode ter sua validade epistemológica questionada por não corresponder à lógica ou à realidade. Contudo, o “de mentira” é de certa forma fundamental para o aprendizado e para dar vazão à criatividade humana.

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