terça-feira, 23 de junho de 2009

'Karajimagi', o cabeludo



Desenho feito por uma amiga num guardanapo do bar 'Asilo Arkham", por volta de 1994. Até que fiquei bonitinho, né






No uchinaguchi (dialeto de Okinawa, província do Japão), há uma palavra chamada “karajimagi”. Significa “cabeludo”. Durante um bom tempo da minha vida, uns cinco anos (não necessariamente ininterruptos), fui “karajimagi”. Na adolescência, tudo é possível, já que nossas ilusões ainda não foram macetadas pelas pancadas do mundo real.

Eu, por exemplo, queria ser guitarrista profissional. Tinha uma banda formada com o Celso Sinzato (hoje psicólogo), o Fabinho (já há algum tempo na Austrália), o Alexandre Minhoca (atual Policial Militar) e meu irmão, o Chico (continua a tocar na Banda Blackberry).

Fazia guitarra solo com minha Tajima vermelha, modelo Stratocaster, para canhoto. Para apimentar as performances da nossa banda (Xamã), o balançar de cabeça para frente e para trás, para os lados e assim vai.

Conheci muita gente legal nessa época, os irmãos Choquito e Chocola, baixista e guitarrista, respectivamente, gênios nos seus instrumentos. A galerinha muito dez do “The Wry”, que, vocês todos devem conhecer e, se não conhecem, deveriam, pois fazem um som da hora.

Era uma época com sabor de selvageria e delírios teens, mas sem frescuras de tremeliques. Mas como tudo o que é bom dura pouco, essa festa também acabou. Um professor de Biologia - o Sérgião -, no colegial, me apelidou de "Japonês Orgasmatron". E minha lenda se disseminou durante algum tempo na escola. Um outro nipo-brasileiro cabeludo, o professor Iwao, de Química, disse em classe que eu era o cover dele. Outro apelido era "Iwao Cover". Só tiração de sarro.

Por volta de 1991 ao começo de 1993, quando passei no vestibular de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e de História na Universidade de São Paulo (USP), fui "karajimagi".

Não teve jeito, tive que cortar as longas madeixas de cabelos lisos, que causaram tanta inveja das mulheres que passam horas nos salões de cabeleireiros à procura da “lisura” perfeita.

Eu andava muito a pé naquela época ou de ônibus. Era magro e muito pálido, parecia uma lombriga. Entrei no Salão Fluminense, do João (que Deus o tenha, morreu de acidente automobilístico quando voltava de uma pescaria).

Sentei no banco, cabisbaixo, com dó da minha fonte de forças, tal como se fosse um Sansão da vida. Peguei uma Playboy, só para ler os artigos, como tudo mundo faz, aliás, para ver se me distraía um pouco.

Chegou o momento fatídico. João me chamou. Sentei-me à cadeira, que parecia ser elétrica, pronto para a execução. Resolvi fazer um corte nada tradicional. Cortei moicano a la Phil Anselmo (veja a foto do cara enrolado numa cobra), então, vocalista da banda Panthera. Ficou um troço no meio da cabeça que dava para prender com uma xuquinha.






Saí do salão, todo mundo me olhava meio espantado. Algumas pessoas saíam do meu lado da calçada e iam para outra. Só risos internos.

Passado o período de bicho, na faculdade de Jornalismo, deixei os cabelos crescerem novamente. O período de incubação da cabeleira é sofrido. No meio do caminho, os cabelos ficam parecidos com aqueles ninhos bem desarranjados de passarinho. Horrível. Depois, fica bom.

Comecei a tocar em outra banda, com o Emerson (depois do K-Zone), Ceratti (também K-Zone), Marquinho e novamente Alexandre Minhoca. A temática era rock melódico a la Iron Maiden. O nome era sugestivo “Self Lords” – Senhores de Si.

Depois de economizar por muito, mas muito tempo, consegui uma aparalhagem melhor. Uma guitarra Ibanez para canhoto, um cubo Marshall 4040 e uma pedaleira Zoom 505. Uma das nossas performances foi num lugar chamado “Caipira & Country”, cujas instalações hoje abrigam um teatro pornográfico ao vivo (obs.: eu só ouvi falar, ein. Não frequento esses lugares).

Um lugar mais afeito ao público sertanejo, e nós lá. Tocando heavy melódico com algumas composições próprias. Uns instantes antes, havia um tal de “show das mulheres”. Uns “bofes” subiam ao palco e tiravam a roupa. Na hora de tocarmos, havia uma pequena pausa em uma das nossas músicas. Tirei a camisa, aproveitando o embalo, e comecei a solar. Só gritos da mulherada. Eu, magrelo, pensei que ia tomar xingo, entre outras coisas. Mas como a mulherada fazia tempo, parecia, que não via homem, até que gostou de mim. Menos pior.

Gravamos, com essa banda, uma faixa na coletânea “Rock n Roll de lo Tercero Mundo”, de um estúdio em Salto (SP). Só gente do interior paulista com composições próprias. A nossa foi a música “The first sight”. Mais tarde, mudamos o nome da banda para “Senhores de Si”, vertemos algumas músicas nossas para o português e gravamos, em 2000, no Estúdio Dó, Ré, Mi, em Sorocaba (SP), sob a batuta do músico Maurício Nogueira, duas faixas que seriam lançados num CD coletânea.

Lá por 1995, já estava com os cabelos no meio das costas. Outro impasse. Formei-me na primeira faculdade. No entanto, apesar de jornalista ser meio “bicho grilo”, as aparências no mercado de trabalho são implacáveis.

Por livre e espontânea pressão do mercado de trabalho, resolvi, novamente, cortar os cabelos. Dessa vez, pedi para o João, do Salão Fluminense, me entregar os cabelos. Eles estão guardados, no meu armário, dentro de uma caixa de sapatos. E, ainda, exalam o perfume da última lavada com xampu.





Tinha algumas coisas que me incomodavam também, como me confundirem com mulher na rua, levar encochada no ônibus, essas coisas chatas. Uma vez, um cara me perguntou: “- A senhora vai descer nesse ponto?” Respondi com voz bem grossa, igual dos filmes de samurai: “- Como é que é?” O cara ficou mudo e olhou para o outro lado. Ouvi algumas vezes: “Aí, gostosa!” Nossa, esses caras deviam ser doidos ou meio cegos. Já que eu, cabeludo, deveria parecer a japonesa mais horrível do mundo. Pensando melhor, a segunda mais horrível do mundo. A mais horrível é a Yoko Onno.

Por outro lado, tinha gente que falava coisas maldosas, do tipo "hippie nojento", "nojo de você", e outras delicadezas verbais típicas de gente "muito bem instruída".


Fiquei de cabeça rente por um tempo, principalmente, durante a faculdade de Direito. Depois da colação de grau, em 2005, deixei o cabelo crescer novamente. Fiquei assim até 2007. Na foto da minha carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), aliás, estou com cabelos longos e presos, devidamente trajado com terno e gravata.

Não era muito legal aparecer cabeludo no forum ou outros meios jurídicos. As pessoas olahvam meio estranho. Cortei a cabeleira mais uma vez em junho de 2007, na galeria da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), onde fazia pós-graduação em Direito Penal e Direito Processsual Penal. O pessoal da classe não me reconheceu, perguntou se eu era aluno novo.


Por mim, deixava o cabelo grande mesmo, mas vivemos numa sociedade que dita normas e costumes. Não posso me dar ao luxo de ignorá-las. Por enquanto, não posso me expressar tanto ou viver como eu quero, já que tenho que me adequar ao que a coletividade e o mercado de trabalho pedem. Um dia quando não tiver que dar satisfações para quem quer que seja eu deixo o cabelo crescer de novo. Mas acho que só depois que estiver aposentado. Aí, tem tempo. O tiozinho aqui não é tão velho assim. he he he. Piada sem graça.

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