terça-feira, 16 de junho de 2009

O papel do indizível


A filosofia é um exorcista da esperança, diz o professor de filosofia Luis Alberto Peluso, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Ela vasculha os campos mais recônditos da mente, numa aventura maravilhosa pelo conhecimento humano, porém, não plenamente confiável. Pois nos ensina a conviver com a desesperança. Em sua última encíclica, o papa João Paulo II diz que os filósofos tiram a "esperança" das pessoas. Em certo aspecto, está certo. Mas, então, o que nos daria novamente a esperança?


A música, talvez, seria uma das respostas, já que a linguagem tem suas limitações. As palavras, por mais coerentes e verossímeis que sejam, não captam a totalidade de certas coisas, as mais importantes, inclusive. Ludwig Witttgenstein (ver foto) dizia que as coisas mais importantes são aqueles sobre as quais não podemos falar. O essencial, dessa forma, estaria além das limitações da linguagem, restando-nos como alternativa apenas o silêncio.

Essas coisas, que não podem ser expressas por palavras, podem ser mais gratificantes para o espírito. Que dizer da música? Podemos nem saber direito as letras, mas, de uma forma ou outra, a melodia fica gravada na memória e nos desencadeia uma séria de reações, desde a indiferença ao chachoalhar das cabeças.

Seria a música, portanto, a linguagem ideal, que transmitiria sem ruídos as coisas que realmente importam? É uma hipótese admirável, embora não tenha um método para afirmar cientificamente. É apenas uma opinião, como tantas outras.

Alguns sons, entretanto, parecem surtir um efeito de conexão de nosso ser com algo mais perfeito, que nos traz um sentimento de conjunção com o universo. Ludwig Van Beethoven, um dos maiores gênios da humanidade, compôs a sua 9ª Sinfonia completamente surdo. O quarto movimento, a Ode à Alegria, é deveras contagiante. Sua melodia, harmonia e ritmo formam um discurso quase perfeito, que foge às imperfeições da nossa linguagem, que nos evoca imagens e sons, numa paisagem de um mundo perfeito.






Portanto, a música seria uma dimensão mística, além do falar, que nos mostra uma das reais significações do mundo. Johann Sebastian Bach, considerado o maior organista da sua época, podia ter sentido a inspiração divina ao compor "Jesus, A Alegria dos Homens". Como traduzi-la em palavras? Impossível.




O mesmo se pode dizer de solos de guitarra, com "Always With You, Always With Me", de Joe Satriani, ou a belicosa "Eruption", de Edward Van Halen, só para citar alguns exemplos.






Por incrível que pareça, as músicas sem vocal são pouco apreciadas pela maioria. É claro, exigem um grau de abstração maior por parte do ouvinte, maior cultura musical e maior discernimento crítico. Os padrões das canções exploradas vorazmente pelas FMs são facilmente assimiláveis, consumíveis e descartáveis, tal qual apregoava Theodor Adorno, da Escola de Frankfurt, sobre a "Indústria Cultural", em suas considerações sobre "música ligeira".

Se chegamos a este ponto, é porque nosso capitalismo soube manipular e tornar um produto aquilo que considerávamos importante, que nos tocava diretamente a alma. Então, seriam estes sentimentos oriundos de bens de consumo? Sim e não, ao mesmo tempo, já que viver - neste começo de milênio - coincide com o ato de consumir.

A retomada das origens daquilo que é mais importante estaria, assim, fora deste sistema de compra-venda-troca. Seria uma utopia. Um sonho que ainda não conseguiríamos atingir, já que a música - neste aspecto - também falharia na tarefa de comunicar as coisas importantes, pois seria uma ponte cognitiva para "internalizarmos um produto musical".

Embora esteja escrevendo este artigo ouvindo "Land of the Free", do CD homônio, do grupo alemão Gamma Ray, creio que, apesar da desesperança e das armadilhas do consumo, não estou livre das minhas necessidades. Uma delas é a de ouvir música, mesmo para o simples intuito de espantar o vácuo do silêncio.




É uma presença, sobretudo, pois nos liga a algo (mesmo que não seja ao "mundo perfeito") que nos faz sentir juntos de alguém. Se não temos meios totalmente eficazes de transmitir e compreender as coisas importantes, dane-se. Temos ainda a música, que, para mim, ainda é muito importante.

Mais ainda: se o discurso é falível, que sentido terão estas linhas que acabo de escrever? Nenhum. Estamos dando voltas ao redor de nós mesmos para descobrimos a essência do universo. Olhamos nossos próprios umbigos como ponto de referência para tudo. Não estamos certos, porém, realizamos aquilo que está mais próximo da nossa realidade concreta.


Por enquanto, celebremos a nossa debilidade em encontrar o que importa de fato, com os nossas imperfeições e falhas cognitivas. De preferência, que a festa tenha muita gente a fim de um papo-louco e, com churrasco, muita música, de todas as qualidades.

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