terça-feira, 7 de julho de 2009

O professor filósofo e o mito da Caverna de Platão


Independentemente da disciplina que leciona, o professor tem a função parecida com a do filósofo. Ou seja, pode contribuir para que os alunos tentem ver as coisas além da mera opinião, do mero achismo, sendo um agente da busca da verdade. O professor pode contribuir para a formação de cidadãos que saibam pensar e refletir acerca da realidade que lhes cerca. Primeiro o professor deve mostrar aos alunos o que é ignorância, para que eles, por si mesmos, descubram se estão imersos, ou não, nela. A segurança monótona da rigidez dos conceitos e decisões (muitas vezes pré-conceitos e pré-julgamentos) provoca uma calmaria que não fomenta qualquer tipo significativo de mudança.



Quaisquer tipos de esboços de reação ao sistema são apenas modismos que surgem e retornam ao sistema, consagrando-se, posteriormente, como dogmas. Há uma mudança meramente aparente, na casca, que apenas lhe arrepia os pêlos, mas não lhe chega a sequer atravessar sua epiderme. O professor pode auxiliar os alunos a perceberem isso, a se libertarem das aparências que lhes aprisionam as mentes, a ver além do sistema.


Num primeiro momento, o professor pode ser rechaçado pois ao mostrar o que é a ignorância e que muitos estão nela inseridos, haverá, inexoravelmente, reações imediatas e brutais. Afinal, ninguém gosta de saber que é ignorante. Muitas vezes, é preferível manter-se numa pseudo-felicidade e ignorar a verdade última das coisas, tal como no filme “Matrix”.


Quando se toma consciência de que o conhecimento que se tinha anteriormente, há uma sensação de insegurança. Essa insegurança catalisa o movimento que fará os alunos a pensarem. Esse é o espaço da filosofia, qualquer que seja a área do conhecimento: fazer pensar e refletir em busca da verdade. É a realização da liberdade num âmbito mais mental do que físico.





Há de se considerar, contudo, condicionantes materiais da vida física, como as diretrizes das unidades de ensino, dos modelos escolares e da sociedade. São amarras, elementos coercitivos de constrangimento, que freiam ou direcionam qualquer tipo de movimento, conformando-o às suas exigências. Essas condicionantes, ou necessidades, podem ser óbices à liberdade do professor? Num primeiro momento, sim. O professor, por mais libertário que seja, está sujeito ao meio em que vive, podendo, inclusive, sofrer pressões para adequar-se ao sistema.


No entanto, se se encarar que tais condicionantes não são camisas de força, mas apenas referenciais de objetividade, o professor pode dar vazão à sua liberdade de ensinar os outros a serem livres. Pode mudar o sistema através de meios fornecidos pelo próprio sistema. O professor está preso às condicionantes assim como todo assalariado num País de terceiro mundo está preso ao seu emprego.


Apesar de ter uma carga de responsabilidade extremada, os dois milhões de professores dão aula porque precisam sobreviver. E, igualmente, a maior parte da sociedade trabalha porque precisa vender sua força de trabalho para conseguir sua subsistência. A liberdade do professor para contribuir na mudança da sociedade, para melhor, só aumentará quando forem implementadas garantias reais que lhe propiciem o exercício digno da sua profissão.


Um paralelo com a figura do “ombudsman”, o crítico do jornal na defesa dos leitores. Ele tem a liberdade para criticar a atividade da empresa, dentro da própria empresa, tendo estabilidade no cargo, inclusive após depois anos do término do seu mandato. Considerando que a maior parte dos professores é da rede pública e que, após três anos, têm estabilidade constitucionalmente assegurada, todos sabem que as pressões do sistema em cima deles é muito grande e que a aura angelical previstas na Carta Magna e na legislação em seu favor, no mundo fático, desmancham-se ao menor toque com o ar da realidade.


Como ser livre nesse clima de perseguição? Quem quer sobreviver, submete-se ao sistema. A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SNDH) da Presidência da República Federativa do Brasil mantém um programa de proteção aos defensores dos direitos humanos. Há proteção governamental para pessoas que venham a ser ameaçadas, ou corram risco de vida, por defenderem os direitos humanos. Talvez ainda não se tenha percebido que os maiores defensores dos direitos humanos, em qualquer nação do mundo, são os professores, que ganham salários miseráveis, em troca de reconhecimento algum, tendo, não raro, que suportar humilhações e ameaças de alunos, entre outros, na sala de aula, nos arredores da escola e em sua vida particular.


O professor, por mais que queira mudar, está preso a esta realidade nefasta. Parodiando o herói Chapolim Colorado, um importado mexicano veiculado na emissora de televisão de Sílvio Santos, a pergunta que não quer calar é a seguinte: “E agora? Quem poderá nos defender?” Provavelmente, esta seja a pergunta do século, o novo enigma das esfinges, já que se joga toda responsabilidade para o professor, mas ninguém parece defendê-lo perante as adversidades ora apontadas.





Caso a sociedade e a comunidade escolar não estejam prontas para mudanças, o professor que as propõe pode ser um suicida. Nessa perspectiva, há de se fazer um paralelo com o mito da caverna de Platão. Um grupo de prisioneiros vivia dentro de uma caverna, acorrentados, de costas para a entrada. Viam somente sombras das coisas. Um dia, um deles conseguiu quebrar os grilhões e sair da caverna. A luz ofuscou-lhe os olhos, mas, aos poucos, adaptaram-se. Ele começou a ver as coisas como elas realmente eram e não suas sombras. Extasiado, ele voltou à caverna para contar aos seus patrícios o que tinha visto, como era maravilhoso o mundo lá fora. Desafiou o sistema, gerando insegurança tal que mobilizou o senso de preservação daquela sociedade. Foi taxado de louco. Persistiu em contar a verdade. Num dado momento, ele foi morto. Qualquer semelhança com a atividade do professor não é mera semelhança.

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