sexta-feira, 12 de junho de 2009

Com ou sem você


Aqui postado contra o Sol, tenho um ângulo privilegiado, que me permite ver seu rosto refletindo a luz da manhã. Suas pupilas escuras, em contraste com as íris castanhas, parecem pedrinhas cujo brilho se acentua devido a ação dos raios solares. São jóias bem no meio dos seus olhos, infinitamente mais preciosas para mim que para qualquer outro. Qual a consistência do valor dessas coisas para os que não fazem parte deste relacionamento? Não me interessa, nem um pouquinho. Rasgo as cédulas e as jogo no rio, porque o que vale é o que está discriminado nas cláusulas do nosso contrato leonino; você fica com tudo e eu, com nada.
Dos seus olhos irradia a minha vontade de existir, muito embora, nem sempre estejamos de acordo. As suas vontades e as minhas vontades têm um ponto em comum, apesar das nossas diferenças. Mas eu lhe vejo, ao lado dos arbustos rebuscados, me esqueço de tudo e lhe aguardo.


Jeitosamente e com ajuda das reviravoltas do destino, atraiçoa-me e me deixa esperar. A angústia da nossa distância, no espaço e no tempo, é como se estivesse deitado numa cama de pregos. Mesmo ao véu da sua doce tortura, espero por você. Tanto faz se vem ou não. Questiono-me: como fico, com ou sem você?

Naquele dia em que saímos do mar revolto, impiedoso por causa de uma tempestade, e alcançamos a praia. Com nossas peles temperadas e curtidas pelo litoral, você disse que me amava. Entregou-se totalmente, mas eu queria e quero muito mais. Estou esperando por você. Aguardo, sem você. Com ou sem você, para sempre, como quiser, até que não haja mais amanhecer.

A implosão que me joga contra o vazio da sua não presença implica numa súplica das suas carícias por toda a extensão da minha pele. Esses toques suaves penetram pelos poros e atravessam, gradativamente, a derme e a epiderme, contagiando os tecidos. A sua substância entra na corrente sangüínea que a distribui para todas as células do meu organismo. Você faz parte de mim, em definitivo, como uma essência que torna vermelho o meu sangue e lhe dá o gosto agridoce, que alimenta os vampiros de todas as espécies.

Você me transformou num usuário do lhe servir, viciando-me com fragmentos do seu próprio ser. Depois, sumiu repentinamente, sem dar maiores explicações, e me largou sozinho para apreciar, simplesmente, as partículas subatômicas do seu odor. Fiquei sem a fonte para suprir minha necessidade de você, pois geralmente sua voracidade se desfaz quando está saciada, o que lhe deixa indiferente aos aspectos exteriores a sua personalidade, rompendo o nexo de causalidade do nosso ciclo biológico.

Estou totalmente dependente e você sabe disso. Necessito sentir seus lábios contra os meus e envolver o seu corpo contra o meu, atando-os com meus braços, roçar os seus seios e sentir o seu amor, plenamente, sem nada para atrapalhar.





Sua língua vermelha toca meu lóbulo esquerdo e me arrepio só de pensar no que você pode fazer comigo. Tal submissão é a sua vantagem, e por ter certeza disso, me faz de gato e sapato, num jogo de contradições que você mesma cria para me manter o seu escravo. Neste emaranhado de ilusões, nos desligamos da razão e damos vazão somente aos nossos sentidos, num misto de posições que escapam ao nosso controle racional. Somos um uníssono, uma teia intrincada e perfeita, na qual nos tornamos prisioneiros de nós mesmos. Mas você é a artesã que tece os fios e me ata junto ao seu corpo.

Não tenho escapatória. Você se deleita com meu estado de fragilidade e me põe debaixo do salto do seu sapato: só um ponto de pressão e estou liquidado, sem retorno para amarrar-me ao seu corpo novamente. Num estalar de dedos, você some sem deixar vestígios, abandonando-me novamente no meu vício de lhe desejar, num contínuo querer. Sou um parasita dependente do seu ser e você um parasita que usa da minha vontade de lhe servir.

Minhas mãos estão presas e minha carcaça está esgotada. Não tenho mais nada a ganhar ou perder. Você sabe disso e se aproveita ainda mais. Estou acabado, devido a sua ação, e não posso continuar mais desse jeito, pois preciso de você ao meu lado para pôr fim a este sofrimento. Sentado aqui, na escadinha da frente da minha casa, sei que só serei curado quando você estiver em definitivo ao meu lado. Aqui mesmo, no terceiro degrau da escadinha de lajota vermelha, queria que nós dois estivéssemos sentados, de mãos dadas, tomando um sorvete, vendo as pessoas passarem, e jogando conversa fora.



Há sempre uma chance de se fazer uma escolha. Mesmo se tudo parece sem sentido e as saídas parecem ser túneis para o obscuro, existe uma escapatória, uma passarela para a luz. Deixo você decidir o que fazer quando chegar o momento. Dependo da sua essência para garantir a minha existência, por isso, estou perdido quer com sua presença quer com sua ausência. Por hora, eu lhe espero e você sabe: meu sofrimento - tal como agora estou - prevalece, com ou sem você. Dos males, eu escolho martirizar-me todos os dias, pois meu sofrimento só é mais ameno quando eu amo você.



* Conto baseado na música "With or Without You", do LP "The Joshua Tree", do grupo irlandês U2.

2 comentários:

Heleee ♪ disse...

Primo, vc escreve bem mesmo hein?
Profundamente profundo.
Tudo em excesso faz mal, não vai ficar desse jeito por alguma muié indecente hein?!?!?!
rs!

jarcytania disse...

Seu texto + ousado, visceral e intimo.
Lindo d+.
8)

"...é tão bonito quando a gente vai a vida, nos caminhos onde bate bem mais forte o coração” Pasteur