quarta-feira, 20 de maio de 2009

FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA[i]


PROF. MS. ROGER MOKO YABIKU
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INTRODUÇÃO


Este pequeno texto visa facilitar e sistematizar o estudo da disciplina de Filosofia, sob o enfoque da modernidade e da contemporaneidade, numa tentativa de se trazer o conteúdo mais próximo do cotidiano, associando-o com questões relativas ao modo de pensar ocidental, extremamente influenciado pelas diversas correntes filosóficas. Não há maiores pretensões acadêmicas ou para fins de publicação com este trabalho, portanto, não há o rigor exigido em termos de metodologia científica. Trata-se apenas de um mero recurso auxiliar às aulas proferidas em sala. O curso foi dividido em quatro unidades: I - teoria do conhecimento, II - ciência e método, III - trabalho e alienação e IV - cultura e mass media. Ressalta-se que para o melhor aproveitamento dos estudos universitários – em qualquer disciplina – a primeira opção é a leitura dos livros e os estudos realizados intra e extra-classe.


I. TEORIA DO CONHECIMENTO


A parte da Filosofia que investiga as condições do conhecimento verdadeiro chama-se teoria do conhecimento. Como disciplina autônoma, surgiu na Idade Moderna, com autores como René Descartes, John Locke e David Hume, que estavam preocupados em explicar de maneira explícita e sistemática a origem, a essência e a certeza do conhecimento humano. (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 118) Por isso, discorrer-se-á sobre a jornada da separação entre fé e razão, a partir do Renascimento, passando pelos prismas do racionalismo, do empirismo, do iluminismo (Immanuel Kant), do positivismo, do hegelianismo, do marxismo e da Escola de Frankfurt, de modo suscinto, sem maiores aprofundamentos.
Durante o Renascimento (século XIV ao XVI), foram descobertas algumas obras de Platão, desconhecidas durante a Idade Média, e de novas obras de Aristóteles. Essas obras eram lidas, segundo Marilena Chauí (2006, p. 48), em grego, recebendo, posteriormente, traduções em latim, a língua culta da época, como o inglês o é hoje. Nessa época, houve um distanciamento entre fé e razão. Na Idade Média, predominava a fé sobre a razão, pois predominava o domínio cultural da Igreja Católica, que era muito poderosa, chegando mesmo a coroar reis, fundar universidades e organizar Cruzadas à Terra Santa.
Na Idade Média, a visão do mundo era teocêntrica, ou seja, Deus era o centro de todas as coisas. E tudo deveria ser compreendido pela razão. O Renascimento representou uma mudança de visão de mundo. Do teocentrismo, passou-se ao antropocentrismo (o homem como centro das coisas). Retomaram-se os padrões gregos e romanos, seja na filosofia, literatura quanto na arte. O humanismo é a característica, portanto, do Renascimento.
Além da efervescência intelectual, durante o Renascimento ocorreram as grandes navegações, que levaram à descoberta de novas terras, novos povos, permitindo que os europeus pudessem dar um outro olhar para suas próprias vidas. Isso levou a algumas crises, contra a própria Igreja Católica, inclusive, que culminou na Reforma Protestante. A Igreja Católica, por sua vez, contra-acatou a reforma, dando maiores poderes à Inquisição.
Na Idade Moderna (século XVII ao começo do XVIII), procurou-se vencer o pessimismo teórico. Para tal, a filosofia moderna (também conhecida como Grande Racionalismo) propôs algumas mudanças. Em vez de se tentar compreender a natureza e os seus objetos, a Filosofia deveria se preocupar com a reflexão, ou seja com o sujeito do conhecimento. Há também a noção de que a natureza, a sociedade e a política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito do conhecimento. E, por fim, a realidade seria racional, um sistema ordenado de causalidades físico-matemáticas perfeitas e plenamente conhecíveis pela razão humana. (CHAUÍ, p. 48-49)
A razão, para os filósofos modernos, pode ser utilizada pelo sujeito do conhecimento para não só conhecer a realidade, mas também alterá-la. O homem poderia controlar a natureza, por meio de máquinas, para a satisfação das suas necessidades. Na Filosofia Moderna, destacam-se duas correntes filosóficas: o racionalismo e o empirismo.


1.1 Racionalismo


René Descartes (1596-1650), francês, é considerado por muitos o pai da filosofia moderna. Suas principais obras foram Discurso do Método e Meditações Metafísicas. Descartes constatou que tudo era passível de dúvida, por isso converteu a dúvida em método, passando a questionar o senso comum, os discursos das autoridades, das sensações, dos sentidos, entre outros. Vejam o raciocínio de Descartes: se duvido, penso; se penso, existo. Daí, sua célebre frase “Cogito ergo sum” (Penso, logo existo), que fundamentou toda sua filosofia.
A partir dessa intuição primeira, do ser que pensa, Descartes difirencia outros tipos de idéias, já que algumas são duvidosas, confusas e outras são mais claras. Daí, classificou as idéias em três tipos: a-) idéias adventícias – originam-se das sensações, percepções e lembranças, ou seja idéias de qualidades sensoriais (cor, sabor, odor, som, textura, tamanho, lugar, etc) ou de idéias percebidas por meio dessas qualidades. Geralmente, essas idéias são falsas; b-) idéias fictícias – criadas pela fantasia e pela imaginação. Nunca são verdadeiras; c-) idéias inatas – não derivam da experiência sensorial, nem da fantasia, pois são inteiramente racionais e os seres humanos já nascem com elas. (CHAUÍ, p. 70)
As idéias inatas não são sujeitas a erro, pois são independentes das idéias que vêm de fora, aquelas formadas pela ação dos sentidos, e pela imaginação. Portanto, para o racionalismo cartesiano, a razão e o conhecimento surgem de dentro do indivíduo, e não de fora. Há uma separação entre o material e o “espiritual”. Aquilo que deve ser confiável é somente o que pode ser captado pelo espírito, as idéias inatas.
Qual a importância do racionalismo cartesiano? Ele acentuou o caráter absoluto e universal da razão, que descobre todas as verdades possíveis. A partir do século XVII, buscou-se um ideal matemático, uma matemática universal, uma maneira de se tentar compreender o mundo, as idéias, as coisas totalmente pela inteligência, com ordem e medida. A matemática, então, para o racionalismo, é o modelo perfeito de conhecimento verdadeiro.
A resposta dos britânicos ao racionalismo cartesiano, foi o empirismo, representado principalmente por Francis Bacon, John Locke e David Hume.


1.2 Empirismo


Enquanto o racionalismo rejeita as experiências sensíveis, o empirismo valoriza o experimento no processo do conhecimento. Para os empiristas, a experiência sensível é responsável existência de idéias na razão, controlando o seu próprio trabalho (da razão), pios o valor e o sentido da atividade racional dependem do que é determinado pela experiência sensível. “Para os empiristas, o modelo de conhecimento verdadeiro é dado pelas ciências naturais ou ciências experimentais, como a física e a química.” (CHAUÍ, p. 130)
Para os empiristas, a razão e o conhecimento se formam de fora para dentro do ser humano, por meio da experiência sensível, cujas formas principais são a sensação e a percepção.
A sensação fornece ao ser humano as qualidades exteriores e interiores dos objetos e as qualidades que exercem sobre as pessoas. “Na sensação vemos, tocamos, sentimos, ouvimos qualidades puras e diretas das coisas: cores, odores, sabores, texturas, sons, temperaturas. Sentimos o quente e o frio, o doce e o amargo, o liso e o rugoso, o vermelho e o verde, etc. Sentimos também qualidades internas, isto é, que passam em nosso corpo ou em nossa mente pelo contato com as coisas sensíveis: prazer, desprazer, dor, agrado, desagrado. (...) A percepção seria, pois, uma síntese de sensações simultâneas.” (CHAUÍ, p. 132-133)
Entre os empiristas, vale destacar Francis Bacon (1561-1626), John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776). Bacon tinha como lema “saber é poder” e sua principal obra foi “Novum Organum”, na qual denuncia os preconceitos e noções falsas, que dificultam a compreensão da realidade. Ele denomina esses preconceitos e noções falsas de “ídolos”, que podem ser de quatro tipos: a-) ídolos da tribo – são da própria espécie humana, quando as percepções fazem analogia com a mente humana e não com o universo; b-) ídolos da caverna – oriundos dos homens como indivíduos, cada um tem uma maneira particular de entender as coisas, o que pode corromper a verdade; c-) ídolos do foro – das relações comerciais e sociais, nas quais os homens se deixam levar mais pela conversa que pelo intelecto; d-) ídolos do teatro – chegam ao homem por meio de doutrinas filosóficas e regras viciosas.” (ARANHA & MARTINS, p. 132-133)
John Locke, em “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, preferiu o caminho psicológico para investigar a origem das idéias, que tem como fontes a sensação e a reflexão. “Sensação é o resultado da modificação feita na mente por meio dos sentidos. A reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre. Portanto, a reflexão se reduz apenas à experiência interna do resultado da experiência externa produzida pela sensação.” (ARANHA & MARTINS, p. 133)
Para Locke, a produção de uma idéia simples na mente depende da qualidade do objeto, que provoca algumas percepções sensíveis. Essas qualidades podem ser primárias – que possuem caráter objetivo por existirem realmente nas coisas (solidez, extensão, configuração, movimento, repouso, número) - ou secundárias – que variam sujeito para sujeito (cor, som, odor, sabor). Já as idéias complexas são atadas e desatadas das idéias simples. As idéias complexas são formadas pelo intelecto, assim não tem validade objetiva. São mais como nomes para denominar e ordenar as coisas. “Locke critica a doutrina das idéias inatas de Descartes, afirmando que a alma é como uma tábula rasa (tábua sem inscrições), como uma cera em que não há qualquer impressão, e o conhecimento só começa após a experiência sensível.” (ARANHA & MARTINS, p. 133)
Segundo o escocês David Hume, só se pode observar os fenômenos, pois o mecanismo íntimo do real não é passível de experiência. “O que observamos é a sucessão dos fatos ou a sequência de eventos e não o nexo causal entre esses mesmos fatos ou eventos. É o hábito criado pela observação de casos semelhantes que nos faz ultrapassar o dado e afirmar mais do que a experiência pode alcançar. (ARANHA & MARTINS, p. 134)


1.3 Iluminismo


Na onda do movimento iluminista, o filósofo alemão Immanuel Kant tentou superar a dicotomia entre o racionalismo e o empirismo. Antes, cabe falar do iluminismo em si, um movimento surgido no século XVIII, também conhecido como século das luzes, ou ilustração. O nome é alusivo à capacidade das luzes da razão reorganizarem o mundo, libertando-o da obscuridadade. A revolução científica de Galileu, que também deu substrato ao Renascimento, influenciou a filosofia do iluminismo. “O método experimental recém-descoberto tem a técnica como aliada, fazendo surgir novas ciências, as quais, por sua vez, aperfeiçoam ainda mais a tecnologia. Com o seu poder aumentando, o ser humano não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza: quer conhecer para dominá-la. Por fim, a natureza passa a ser vista de forma dessacralizada, isto é, desvinculada da religião. Tornando-se livre de qualquer tutela, sabendo-se capaz de procurar soluções com base em princípios racionais, o ser humano estende o uso da razão a todos os domínios: político, econômico, moral e religioso.” (ARANHA & MARTINS, p. 134)
Para Kant, essa segurança do poder humano decorre da afirmação da burguesia como classe social dominante. Nesse momento, consolidou-se o sistema capitalista, expresso principalmente pela Revolução Industrial, pelo surgimento da máquina a vapor, que auxiliou a mecanização das indústrias. O iluminismo se alastrou e influenciou toda a Europa, principalmente Inglaterra, França e Alemanha.
Apesar de haver inúmeros filósofos que marcam esse período da história, para fins deste estudo, escrever-se-á brevemente sobre Kant. Em sua obra “Crítica da Razão Pura”, Kant questiona se é possível existir uma razão pura, independente da experiência. Seu método ficou conhecido como criticismo. Para ele, o conhecimento é formado por matéria e forma. “A matéria dos nossos conhecimentos são as próprias coisas, e a forma somos nós mesmos. (...) Para conhecer as coisas, temos de organizá-las a partir da forma a priori do tempo e do espaço. Segundo Kant, o tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes formas que o sujeito põe nas coisas. (...)” (ARANHA & MARTINS, p. 136) De acordo com Kant, não há como se conhecer a coisa-em-si (noumenon), mas somente as suas manifestações, os fenômenos.


1.4 Positivismo


O iluminismo e as obras de Kant influenciaram tremendamente a filosofia da Idade Contemporânea, que se iniciou no século XIX. Numa ponta, surgiram os filósofos materialistas, como alemão Ludwig Fuerbach, e os positivistas, capitaneados pelo francês Augusto Comte. Na outra, os idealistas, como Georg Wilhelm Hegel. Por ora, falar-se-á de Augusto Comte (1798-1857) e o positivismo. No século XVIII, a Revolução Industrial demonstrou que a nova classe social no poder era a burguesia. Ciência e técnica, frutos da razão humana para compreender e transformar a natureza, provocaram também mudanças nos ambientes humanos. Antes da máquina à vapor, por exemplo, o trabalho era predominantemente braçal, ou por tração animal ou eólica. Esse poder-saber – do cientificismo – destacou a ciência como “único método da natureza válido, devendo, portanto, ser estendido a todos os campos da indagação e atividade humanas.” (ARANHA & MARTINS, p. 140)
Diante do cenário cientificista, surgiu o positivismo, cujo principal espoente foi Comte. Para o francês o espírito humano passou por três estados diferentes e consecutivos (lei dos três estados): a-) estado teológico – as explicações para tudo são sobrenaturais, derivam, por exemplo, dos deuses; b-) estado metafísico – forças abstratas, noções absolutas explicam a origem e o destino do universo; c-) estado positivo – devido às ciências, as “ilusões são superadas pelo conhecimento das relações invariáveis dos fatos, por meio de observações do raciocínio que visam alcançar as leis efetivas.” (ARANHA & MARTINS, p. 140)
O estado positivo, portanto, representaria a maturidade do espírito humano. O positivo – aquilo que é posto – mostra aquilo que é real, dá uma certeza, não encontrada jamais, principalmente nas explicações teológicas e metafísicas de mundo. O positivismo tem como modelo a fisica e suas leis invariáveis, que são transpostas dos fenômenos físicos para as relações humanas. Na física, não há liberdade. Por exemplo, todos os corpos são atraídos para o centro da Terra por causa da lei da gravidade. E ninguém está livre disso. Essas leis invariáveis junto aos fenômenos humanos introduz no positivismo o determinismo, quer dizer, o reino da necessidade, no qual se perde a liberdade, sendo o homem determinado pelo meio, pela raça e pela época, como desenvolveria posteriormente Taine, um seguidor de Comte.
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Comte classifica as ciências pela ordem de importância e também cronológica: astronomia, física, química, biologia e física social (sociologia). Ele é tido como o pai da sociologia. No seu entendimento, a sociologia é dominante com relação aos outros saberes científicos. A sociologia de Comte aproveita os modelos da biologia para explicar a sociedade como um imenso corpo. Porém, só algumas pessoas – uma elite como a parte frontal do cérebro mais desenvolvida, capaz de ter maior inteligência e sentimentos morais – dirigiria o restante da sociedade – que deveria ser dominada por não saber controlar sua afetividade, o que causaria desordem. Essa ordem, para Comte, de uma elite dominar os demais era essencial para a efetivação do progresso da humanidade.
O positivismo exerceu grande influência no Brasil, principalmente por meio de Luís Pereira Barreto e do militar Benjamin Constant (um dos articuladores da proclamação da república). Não é à toa que o lema da bandeira brasileira é “ordem e progresso”.


1.5 Hegelianismo


O alemão Georg Wilhelm Hegel (1770-1831) diz que a razão é histórica. Há todo um devir, um vir a ser, um movimento, pois nada seria estático. Usa o princípio da contradição para desenvolver a sua dialética. “Hegel desenvolve novo conceito de história, também dialético: o presente é engendrado por longo e dramático processo; a história não é simples acumulação e justaposição de fatos acontecidos no tempo, mas resulta de um processo cujo motor interno é a contradição dialética.” (ARANHA & MARTINS, p. 143) Cada época, segundo Hegel, era regida por um “Espírito do Tempo” (Zeitgeist). Quer dizer, cada época tinha uma característica peculiar, que a diferenciava das demais.
Partiu do pressuposto de que todo ser já contém em si a semente da sua própria destruição. Há três etapas na dialética: 1 – tese (afirmação), 2 – antítese (negação) e 3 – síntese (negação da negação). O mundo, para Hegel, seria a manifestação da própria Idéia, sendo a história universal a manifestação da razão. O ponto de partida é a Idéia pura (tese). Mas para que a Idéia possa se desenvolver, necessita criar algo que lhe é oposto, a Natureza (antítese) – matéria alienada, ou seja, privada de consciência. Desse conflito, entre a Idéia (tese) e a Natureza (antítese), nasce o Espírito, que é, ao mesmo tempo, pensamento e matéria. A Idéia, então, toma consciência de si por meio da Natureza. Esse movimento dialético se desenrola sucessivamente até atingir o Espírito Absoluto, a síntese final, cuja maior representação estaria na Filosofia.


1.6 Marxismo

Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) utilizaram-se da filosofia hegeliana para formularem sua própria teoria. Para eles, Hegel não conseguiu explicar, com o seu “Espírito”, a vida social da época (século XIX). Houve avanços com o maior controle da técnica e com o maior domínio da natureza e o maior enriquecimento, no entanto, houve escravização maior da classe operária, cada vez mais empobrecida. Marx e Hegel inverteram a dialética de Hegel. E criaram o materialismo dialético. Segundo eles, em vez da Idéia, o movimento é a propriedade fundamental da matéria e existe independentemente da consciência. De acordo com o materialismo dialético a infraestrutura (política e economia) determina a superestrutura (cultura, religião, moral, etc). Quer dizer, as condições materiais cotidianas (relações econômicas) são fundamentais para que se formulem como as relações sociais se desenrolam numa certa sociedade. Assim, quando se mudava a infraestrutura da sociedade, automaticamente o mesmo ocorria com a superestrutura.
Ao se aplicar o materialismo dialético à história, se tem o materialismo histórico, uma explicação histórica por meio dos fatores materiais (economia e política). Na dialética marxista, não se fala da Idéia, mas de fatos materias. Em vez de heróis, está a luta de classes. “Na sociedade contemporânea, baseada no modo de produção capitalista, com emergência da industrialização em grande escala, surge a necessidade do consumo dar vazão aos produtos fabricados: mais ainda, o consumismo resulta do desejo artificialmente produzido de ter muitas coisas para se sentir humano e aceito pelos outros. Portanto, segundo Marx, para estudar a sociedade não se deve partir do que os indivíduos dizem, imaginam ou pensam, mas da forma como produzem os bens materiais necessários a sua vida. Analisando o contato que estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações criadas entre eles, é que se descobre como produzem sua vida e suas idéias. (ARANHA & MARTINS, p. 145) Marx começa a criticar os rumos tomados pelo iluminismo, prenunciando a crise da razão.


1.7 Escola de Frankfurt

Profundamente influencidos pelos estudos de Marx, Sigmund Freud, Martin Heidegger e Friedrich Nietzsche, pensadores como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin ampliaram a crítica à razão. Alinharam-se em torno do Instituto para Pesquisa Social, conhecido como Escola de Frankfurt.[iv] Para os frankfurtianos, a crença na ciência e na técnica, de um lado ajudou o ser humano a transformar a natureza com maior facilidade, dominando-a, no entanto, de outro lado, o preço foi muito caro: a liberdade humana. A razão que deveria libertar o homem da obscuridade deixou-o cada vez mais dependente e cego pela indústria cultural e da sociedade de massa. Criticam a racionalidade instrumental. “Trata-se do exercício da racionalidade científica, típica do positivismo, que visa a dominação da natureza para fins lucrativos e coloca a ciência e a técnica a serviço do capital.” (ARANHA & MARTINS, p. 150)
A era da racionalidade inagurada por Descartes sofisticou-se até chegar a Marx (que teve sua versão de “iluminismo”), crendo na força da razão para controle da natureza, e evitar a obscuridão na moral e na política. O ser humano ao ser tratado como parte da massa, em parte devido à separação da racionalidade entre sujeito e objeto, entre corpo e alma, entre eu e mundo, entre natureza e cultura, perdeu a sua individualidade. A emancipação só poderá ocorrer se o indivíduo autônomo, consciente dos seus fins, recupere sua consciência, tornando-se cada vez mais crítico com relação ao mundo e as relações de força que o cercam. O principal representante da Escola de Frankfurt, atualmente, é Jürgen Habermas, autor da “teoria da ação comunicativa”.


II - CIÊNCIA E MÉTODO


2.1 Senso comum x ciência


Num ambiente acadêmico, principalmente, há preocução especial com o conhecimento. Não se aceita qualquer tipo de conhecimento, há primazia do conhecimento científico. A mera opinião, desvinculada de teorias ou embasamento mais rigorosos, é duvidosa, portanto, quase sempre é rejeitada. A opinião pura e simples, via de regra, é associada com o senso comum. O conhecimento mais embasado com o conhecimento científico.
Muitas vezes, o senso comum é adquirido pela vivência, pela tradição oral. É relacionado ao cotidiano, numa tentativa de compreendê-lo, para que se possa atuar no mesmo. O senso comum é constituído de crenças, pois é espontâneo e não crítico.
Não raro, a ciência confronta o senso comum, no intuito de desmistificar preconceitos. Antes da revolução científica do século XVII, o senso comum ajudou a sistematizar o conhecimento. Porém, isso não era o suficiente. Havia uma necessidade de maior certeza que só poderia ser trazida pela ciência.
A ciência é um corpo de conhecimentos organizados e que permite fazer classificações. Necessita de investigações sistemáticas, bem fundamentadas. Geralmente, as explicações científicas baseiam-se em enunciados gerais, os princípios, que explicam diversos fenômenos. Já o senso comum resulta de conhecimento particular, de uma amostra da realidade, que é generalizado, às pressas, gerando imprecisão. A seleção dos dados, nesse caso, não é rigorosa.
O conhecimento científico é geral, pois suas conclusões não valem só para determinados casos observados, mas para todos os que são semelhantes. Já no senso comum, o conhecimento é fragmentário, pois explica somente o caso observado, sem se preocupar com enunciados gerais.
O senso comum é subjetivo, já a ciência é objetiva. Por exemplo, pela pela se pode sentir calor ou frio, cujas sensações variam de pessoa para pessoa. Com um termômetro mede-se objetivamente a temperatura. Assim sendo, as conclusões da ciência, dotadas de objetividade, podem ser verificadas por outros membros da comunidade científica, porque, na medida do possível, há impessoalidade.
A linguagem científica é rigorosa, seus termos são claramente definidos para evitar problemas de interpretação. Quanto mais se utiliza da matemática para transformar qualidades em quantidades, mais precisa é a linguagem.


2.2. Método científico


Galileu Galilei revolucionou a física no século XVII, ao afirmar que a terra girava em torno do Sol e não o contrário. A ciência, tal como se conhece hoje, é algo recente, que tem em torno de 400 anos. Moderna e contemporaneamente, a ciência determina seu método de investigação e cria um método confiável para fazer o controle desse conhecimento. Com isso, se atinge um conhecimento sistemático, com precisão e objetividade, que possa permitir a elaboração de enunciados gerais acerca dos fenômenos.
Como se sabe, há várias ciências. “Cada ciência se torna então uma ciência particular, no sentido de delimitar um campo de pesquisa e procedimentos específicos. As ciências são particulares na medida em que cada uma privilegia setores distintos da realidade: a física trata do movimento dos corpos; a biologia, do ser vivo etc. Recentemente, a partir do século XX, surgem as ciências híbridas, tais como a bioquímica, a biofísica, a mecatrônica, a fim de melhor resolver problemas que exigem, ao mesmo tempo, concurso de mais de uma delas.” (ARANHA & MARTINS, p. 158)
A ciência pretende conhecer as causas do mundo, a sua estrutura causal. Tende à imparcialidade, à autonomia e à neutralidade. Por imparcialidade, entende-se que não se toma partido, pois os dados concluídos foram obtidos por meio de padrões rigorosos de avaliação, por meio de um método preciso e objetivo. Com relação à neutralidade, pode-se dizer que, na ciência, não há valoração moral ou social. Seria neutro por não atender a algum valor em particular, sem servir a interesse específico algum. A autonomia, por sua vez, se refere ao fato de que as instituições científicas deveriam estar isentas de qualquer tipo de influência externa, seja do mercado ou do governo, para produzirem teorias imparciais e neutras.


2.3 Responsabilidade social do cientista


A ciência deveria ser neutra, imparcial e autônoma. Porém, para se produzir ciência são necessários grandes investimentos, principalmente se as pesquisas são desenvolvidas no âmbito empresarial. Essas práticas de controle da natureza, via conhecimento científico, estão nas mãos dos empresários capitalistas. Então, as pesquisas e descobertas científicas servem mais ao individualismo e à propriedade particular que à solidariedade e aos bens sociais. O mercado parece também, com sua mão invisível, manipular a ciência, tornando os homens cada vez mais desiguais.
A neutralidade da ciência então se coloca em cheque-mate diante de tal cenário. O cientista se encontra envolvido numa teia social, política e econômica, na qual dificilmente não será influenciado. “Essas observações nos levam a refletir sobre a formação do cientista, que não deveria se restringir apenas aos conteúdos desse conhecimento, às suas metodologias e práticas de pesquisa. Mais do que isso, é preciso que o futuro cientista tenha condições de examinar os pressupostos desse conhecimento e de sua atividade, de se perceber como pertencendo a uma comunidade e identificar os valores subjacentes à sua prática.” (ARANHA & MARTINS, p. 161)


2.4 Razão instrumental


Como já escrito no tópico relacionado à Escola de Frankfurt, o cientificismo típico do positivismo causou uma intrusão das ciências modernas na vida humana, globalizando e priorizando a razão instrumental, com justificativa de roupagem “técnico-científica”. A dominação da “teoria da ciência” e o seu império determinam a exclusão do ético, já que a “validação intersubjetiva de argumentos limita-se ao campo das ciências formais, lógico-matemáticas, e ao campo das ciências factuais, as empírico-analíticas, da realidade”. Declarado este monopólio do campo do saber objetivo, com validade intersubjetiva, as normas morais estão fora de qualquer consideração. As únicas com pretensão de validade, neste aspecto, são aquelas deduzidas de fatos observáveis. O homem tem de desejar submeter a seu domínio a natureza, por meio de metidos geralmente calcados nas ciências experimentais e na tecnologia, numa relação de controle, previsão e recriação artificial.
Por sua vez, o interesse prático consiste naquele organizar os relacionamentos entre os humanos, implicando numa repressão à sua natureza interna, com normas para regular seus processos de vida em sociedade. “E qual é o papel da filosofia com relação à ciência e suas aplicações? Lembremos dos filósofos da Escola de Frankfurt, que criticaram os mitos da ciência, ao mostrarem que o Iluminismo nos acenou com as luzes da razão e co o progresso delas derivado, nos deixou também as sombras dessas promessas. A ciência e a tecnologia, mesmo que sejam expressões da racionalidade, podem produzir contraditoriamente efeitos irracionais, perversos, já que a razão pode ser posta a serviço da destruição da natureza, da alienação humana, da dominação ou do desprezo pelo sofrimento de grande parte da população.” (ARANHA & MARTINS, p. 161)


III – TRABALHO E ALIENAÇÃO


3.1 Revolução Industrial


A palavra trabalho vem do latim tripalium, um antigo instrumento de tortura. Daí, a associação do trabalho com sofrimento. Trabalho era para os escravos, aos senhores cabia o ócio digno, ou seja, tempo para melhorar o corpo e o espírito. O mesmo se deu em Roma, tanto que a palavra negócio significa negação do ócio.
O ditado popular “todos os trabalhos são dignos” remonta a São Tomás de Aquino. Contudo, como sua doutrina se baseava no greco-macedônico Aristóteles, o doutor angélico valorizou mais o trabalho intelectual que o trabalho braçal.
Com a ascenção dos burgueses, na Idade Moderna, a situação começou a mudar. Muitos dos burgueses foram servos dos senhores feudais. Eram acostumados com o trabalho braçal. Com isso conseguiam acumular certas quantias que lhes permitiam comprar sua liberdade para que, depois, se tornassem comerciantes.
As fábricas surgiram no começo da Idade Moderna, fazendo surgir uma nova classe, o proletariado. As antigas corporações de ofício, nas quais os mestres artesões ensinavam uma profissão aos seus discípulos, sucumbiram ante à nova organização burguesa do mundo, não conseguindo competir com os então novos produtos industrializados.
Muitos desses mestres e seus discípulos, assim como grande parte dos camponeses e demais classes sociais – incluindo nobres empobrecidos, passaram a ser mão-de-obra barata das fábricas. Os proletários (funcionários) vendiam sua força de trabalho em troca de salário. O fruto do trabalho não era mais dos trabalhadores, mas do empresário (o capitalista), que comprava a força de trabalho, vendia a produção e ficava com os lucros.
A revolução industrial acelerou muito a exploração do trabalhador. No século XVIII, com a máquina a vapor, a indústria têxtil, tendo como maior expoente a Inglaterra, aumentou a produção. Fato semelhante ocorreu no campo, que também deixou de ser extremamente rude e artesanal, sendo abarcado igual e paulatinamente pela mecanização.
O homem, no Iluminismo, tinha na razão a salvação contra a obscuridade seja no conhecimento considerado como culto, na política e na moral. Mas o trabalho que deveria ser para transformar a natureza, subjugando-a, no intuito, de favorecer a humanidade, teve consequências nefastas. Essa situação de domínio também serviu para que as pessoas passassem a controlar outras pessoas, sofisticando o sistema de servidão anterior.
No século XIX, houve progresso econômico, científico e tecnológico, causando certa abundância e crença num futuro melhor. Por outro lado, não houve melhorias nas condições de vida, já que a exploração dos trabalhadores pela burguesia foi levada quase que ao extremo, já que naquela época, por exemplo, não existiam direitos trabalhistas. Com resposta a esta situação, surgiram os movimentos socialistas e anarquistas.


3.2. Taylorismo e Fordismo


Antes da supremacia da fábricas, o trabalhador conhecia todas as etapas da produção, sendo senhor por completo desse processo. Com o advento da industrialização em massa, isso se modificou. A divisão do trabalho era cada vez mais complexa. Uma pequena parte do pessoal inventava o produto e o seu processo de produção, outra parte gerenciava a produção. E a maioria dividida em grupos produzia. Ou seja, cada grupo produzia uma parte, assim, dificilmente uma pessoa saberia dizer como funcionaria cada etapa da produção.
O norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), com seu livro “Princípios de administração científica”, estabeleceu parâmetros científicos para racionalizar a produção. Esse método, o “taylorismo”, pregava a maior produtividade no menor tempo possível, subtraindo os gastos desnecessários do processo produtivo, maximizando a utilização da máquina e dos movimentos humanos.
Com base na linha de montagem de automóveis que criou, Henry Ford (1863-1947) dividiu ainda mais o trabalho, inaugurando o “fordismo”. O sistema teve sucesso no século XX nos Estados Unidos e não se restringiu ao ambiente industrial. Esse jeito de pensar e conceber o mundo – como uma imensa linha de montagem – se expandiu e abarcou empresas, os esportes, a medicina, as escolas e até mesmo a seara doméstica. Por exemplo, os eletrodomésticos são feitos para economizar o tempo e maximizar o trabalho da dona-de-casa.
Para Taylor, o trabalhador era “preguiçoso” por natureza. Assim, fazia movimentos inadequados no trabalho e se “desligava” facilmente. Analisou como trabalhavam, modificou seus movimentos de modo a otimizar a produção. Observou que se dividisse e parcelasse o processo produtivo, haveria maior rapidez no trabalho. Os novos chefes, os gerentes, substituíam os feitores das fazendas de escravos e os capatazes do sistema de servidão. Os gerentes eram encarregados de treinar os trabalhadores e vigiá-los. Os bons funcionários eram recompensados. Os indolentes, punidos. Ao se ver a expressão “funcionário do mês”, ou algo do tipo, há de se fazer conexões com o pensamento de Taylor: usar o sistema de recompensa e punição, respectivamente, para quem otimiza a produção e para quem a prejudica.


3.3 Alienação


Marx escreveu que, com a divisão do trabalho e a acentuação da propriedade privada dos meios de produção, o produto do trabalho deixou de pertencer a quem o produziu. Há alienação, pois o trabalhador transfere para outrem (o empresário) aquilo que é seu. Nesse ínterim, o trabalhador perde o centro de si mesmo, sendo controlado em todo o processo produtivo.
Ocorre, segundo Marx, o fetichismo da mercadoria e a reificação do trabalhador. Fetichismo da mercadoria ocorre ao se dar demasiado valor ao produto. O valor da mercadoria (valor de troca) no mercado se torna maior que os valores de uso (o que vale pela sua utilidade), influenciando sobremaneira as relações humanas.
A mercadoria passa a valer mais que as pessoas. Vale o que a pessoa tem e não o que a pessoa é. A mercadoria é “humanizada” e a pessoa é “desumanizada”. A pessoa vira mercadoria e a mercadoria adquire o status de pessoa.
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Na alienação na produção, a intensa burocratização das organizações dá a todo o processo e ao sistema uma imagem de neutralidade e de eficácia, como se estivessem fundamentados num saber objetivo, neutro, desinteressado. Mas, na verdade, é uma técnica de controle social. O homem é formatado, coisificado, como se fosse mais uma peça da imensa engrenagem da fábrica.
O taylorismo, em vez de usar a violência física, utiliza formas de domesticação sofisticadas, deixando o trabalhador dócil e submisso. “É um sistema que impessoaliza a ordem, que não aparece mais com a face de um chefe que oprime, diluindo-a nas ordens de serviço vindas do setor de planejamento. Retira toda a iniciativa do operário, que cumpre ordens, modela seu corpo segundo critérios exteriores, científicos, e cria a possibilidade da interiorização da norma, cuja figura exemplar é a do operário-padrão, até um certo tempo atrás objeto de prêmios e modelo a ser seguido por todos. Ainda hoje o recurso a gratificações e promoções para se obter índices cada vez maiores de produção gera a caça aos postos mais elevados na empresa e estimula a competição em vez da solidariedade. A fragmentação dos grupos e do próprio operário facilita ao dono da empresa o controle do produto final.” (ARANHA & MARTINS, p. 46)
A alienação na produção se deu tanto no capitalismo quanto no socialismo real. Na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin, também racionalizou a produção, sob a o pretexto de que os frutos da produção não iriam para o capitalista, mas para o Estado, já que a propriedade privada foi eliminada em 1917, com a Revolução Russa. O resultado foi a burocratização do próprio Estado e, tal como no capitalismo, houve a “coisificação” do trabalhador.
Mesmo sob o manto da objetividade científica, entre aspas, a racionalização do trabalho tinha em si uma irracionalidade, pois deixou o homem vazio, relegando a segundo plano seus sentimentos, emoções e desejos. “As pessoas que aparecem nas fichas do setor pessoal são vistas de modo impessoal, sem amor nem ódio. O burocrata-diretor torna-se um profissional que as manipula como se fossem cifras ou coisas.” (ARANHA & MARTINS, p. 47)
Com a ampliação do setor de serviços, aumentou-se a chamada classe média. Novas profissões surgiram, abrigando mais executivos e burocratas. Acentuou-se o individualismo e a competição predatória, deixando o ser humano mais fechado em sua dimensão privada, já que não se importava mais com as questões públicas, pois estas não estariam afeitas ao seu trabalho. Os indivíduos buscavam cada vez mais a satisfação imediata, personificada no hedonismo, ou seja uma cultura focada no prazer e no lazer, já que no trabalho essa alegria seria impossível. Agora, a alienação se dá no nível do consumo.
Na alienação no consumo, os trabalhadores ao conseguirem algum progresso material partilham o espírito capitalista. O consumo é uma atividade humana natural para a satisfação das suas necessidades. Porém, no capitalismo, por diversas vezes, o ser humano é induzido a comprar coisas ou serviços que nem sempre compraria se estivesse mais consciente. “A produção em massa tem por corolário o consumo de massa. O problema da sociedade de consumo é que as necessidades são artificialmente estimuladas, sobretudo pelos meios de comunicação de massa, levando os indivíduos a consumirem de maneira alienada. (...) O consumo se torna alienado quando passa a ser um fim em si e não um meio, criando dessa forma desejos nunca satisfeitos, um sempre querer mais, um poço sem fundo. A ânsia do consumo perde toda relação com as necessidades reais, o que faz com que as pessoas gastem sempre mais o que tem.” (ARANHA & MARTINS, p. 47-48)
O que ocorre com a população de menor poder aquisitivo? Como ela não se revolta porque não consegue comprar aquilo que vê na televisão e outros meios de comunicação? O capitalismo proporciona ilusões de mobilidade social, pelo trabalho e pelo estudo. Caso isso não ocorra, foi por falta de sorte, incompetência ou algo do tipo. As telenovelas participam de modo marcante nesse tipo de alienação. Outra fantasia comum é a de ganhar na loteria. Outro meio de se tentar suprir a ânsia de consumo por produtos caros é a manufatura de produtos de menor preço e qualidade, semelhantes ao utilizado pela “madame” ou artista de telenovela, que possam ser comprados pela camada menos favorecida. O ser humano fica preso na dimensão do consumo, de que o consumo lhe trará a felicidade. E se perde a liberdade.
Se a produção e o consumo são alienados, também é o lazer. As pessoas vivem estressadas, pois seus trabalhos são mecânicos e repetivivos. Suas mentes estão tão “pesada”, que buscam tipos de diversões estimulantes ou mesmo violentas, para tentarem “sentir” alguma coisa, já que, em vida, parecem quase mortos, zumbis das linhas de produção ou das cadeias de prestação de serviço. Na alienação do lazer, a publicidade é decisiva na direção das escolhas, modismos e programas.
Quem tem mais dinheiro, gasta com boliche, patinação, danceterias, restaurantes, barzinhos específicos, conforme o modismo da época. Mas e quem não dispõe desses recursos financeiros? “Resta lembrar, ainda, que as cidades não oferecem infra-estrutura que garanta aos mais pobres a ocupação do seu escasso tempo livre em atividades gratuitas: lugares onde ouvir música, praças para passeios, várzeas para o joguinho de futebol, clubes populares, locais de integração social espontânea. Essa restrição torna muito reduzida a possibilidade do lazer ativo, não-alienado, ainda mais se lembrarmos que as pessoas se encontram submetidas a várias formas de massificação pelos meios de comunicação.” (ARANHA & MARTINS, p. 49)
Se a pessoa não tem possibilidade econômica de escolher o seu lazer, não há como se participar ativamente na construção do seu lazer. Não há reformulação da experiência, nada se acrescenta, pois se reforçam comportamentos mecanizados.


3.4 Sociedade pós-industrial


No século XX, surgiu a sociedade pós-industrial, caracterizada pela ampliação do setor de serviços (terciário). Muda-se o enfoque da produção para a informação e para o consumo. Muita gente trabalha no escritórios, em vez das fábricas, ou dos campos. Há necessidade de um tipo de comunicação mais veloz e mais eficiente, como os telefones celulares e a internet, por exemplo. Com isso, se permite que algumas pessoas possam trabalhar em casa (teletrabalho). Esses trabalhadores dispõem de maior flexiblidade de horárioe maior autonomia, não precisam bater cartão ou ficarem em locais fixos. Podem fazer seu serviço na própria residência.
Algumas empresas passam a se preocupar com formas mais saudáveis de relacionamento, visando ética, compromisso e qualidade de vida. Mas essas preocupações estão alinhadas com o capitalismo, com intuito sempre de lucro. Ampliam-se também a quantidade de organizações não governamentais (ONGs), que não são nem do governo, nem empresas privadas, mas uma forma de uma entidade privada atuar com funções públicas. As ONGs sobrevivem de doações e, geralmente, abraçam causas públicas e coletivas.


IV – CULTURA E MASS MEDIA


Com o Romantismo, a partir do século XVIII, houve uma onda de nacionalismo nos países para reforçar o sentimento de unidade dos países. Falava-se em em tradições populares, em cultura de um povo, ou como diria Georg W. Hegel, em “volksgeist” (espírito do povo). Daí, a idéia de um folclore, uma cultura e uma arte popular, decorrentes das tradições de um povo. Na época, muitos Estados Nacionais começaram a se firmar, principalmente, pela unidade territórial e política e de idioma. O nacionalismo servia para expressar essa “febre do momento”, porém, esse movimento também trouxe em si a fragmentação das classes sociais típicas do capitalismo.


4.1 Cultura popular x cultura de massa


Na época do Romantismo, houve a ascenção da burguesia como classe social predominante, constituída de pequenos e grandes proprietários, funcionários públicos e intelectuais, tendo como massa o proletariado (trabalhadores das indústrias e do campo). Essa divisão em duas principais grandes classes sociais trouxe algumas características importantes, segundo Marilena Chauí (2006, p. 289): “1. a cultura e as artes foram distinguidas em dois tipos principais: a erudita (ou de elite), própria dos intelectuais e artistas da classe dominante da sociedade, e a popular (ou ingênua), própria dos trabalhadores urbanos e rurais; 2. quando pensadas como produções ou criações coletivas vindas do passado nacional, formando a tradição nacional, a cultura e arte populares receberam o nome de folclore, constituído de mitos, lendas e ritos populares, danças regionais populares, artesanatos, etc; 3. a arte erudita ou de elite passou a ser o conjunto das belas artes produzidas ou criadas no presente por artistas individuais, que se dirigiam a um público majoritariamente burguês, isto é, escolarizado, instruído e endinheirado, consumidor de obras de arte.”
Embora houvesse uma nítida divisão de classes sócio-econômicas para distinguir cultura popular e cultura erudita, a distinção levou em conta o processo de elaboração de cada uma delas, assim como a sua qualidade. Dizia-se que a arte popular era mais simples e menos complexa que a arte erudita, mais sofisticada quanto à forma e conteúdo. A popular era mais repetitiva e tradicional, já a erudita, de vanguarda e futurista. Quanto ao público, a autoria geralmente é desconhecida e artista e audiência são praticamente os mesmos, com relação à erudita, há sempre distinção entre o artista (criador) e a audiência (consumidores). O artista popular busca inspiração no seu ambiente, na sua vida, que é o mesmo do seu público, o que facilita a compreensão da sua obra. Na erudita, o artista não tem sua obra compreendida de imediato porque só entendidos no assunto a entendem, pois é carregada de novos meios de expressão.
Com o desenvolvimento da sociedade industrial, cada vez mais os trabalhadores saíram do campo para se fixarem nas cidades. Começaram a morar nas periferias, deixando para trás sua cultura e arte, originais das suas terras de origem. Mas nos seus bairros e locais de trabalho, junto aos familiares, novos vizinhos e colegas de serviço, construíram uma cultura própria, também conhecida como cultura popular. Mas também viraram consumidores de produtos industriais produzidos em larga escala, réplicas de qualidade e preço inferior das criações da cultura e da arte de alite, a cultura e a arte de massa.
Hoje, as artes podem ser classificadas em: “folclore (as tradições coletivas nacionais populares), popular (as criações dos artistas que pertencem à classe trabalhadora, erudita ou de elite (as criações complexas e de vanguarda de artistas individuais que se dirigem a um público restrito) e de massa (financiada por empresas que fazem tanto as reproduções simplificadas das obras da arte erudita como também compram para produção em escala industrial as obras de artistas individuais e as destinam ao mercado de consumo em larga escala).” (CHAUÍ, p. 289)


4.2 Indústria cultural e cultura de massa


A sociedade industrial permitiu a reprodução em larga escala de diversos itens da cultura e arte. De um lado, segundo o filósofo frankfurtiano Walter Benjamin, isso permitiria que mais pessoas tivessem acesso aos bens culturais e artísticos. Isso seria uma democratização cultural e artística, pelo potencial de divulgação, principalmente, dos livros, artes gráficas, fotografia, rádio e cinema. Um dos exemplos do potencial libertador da cultura foi a impressão da Bíblia traduzida para o alemão por Martinho Lutero, impressa por Gutenberg, que inspirou outras impressões do livro sagrado para diversos idiomas. Democratizou-se a leitura da Bíblia, com isso, os camponeses alemães e holandeses passaram a questionar seus governantes, pois verificavam, por si mesmos, que estes não seguiam fielmente o que estava nas escrituras.
No entanto, outro grupo de pensadores da Escola de Frankfurt, especialmente Max Horkheimer e Walter Benjamin, examinaram uma questão até então ignorada. Com a inauguração da sociedade pós-industrial, as artes e a cultura se libertaram da religião, mas eram profundamente influenciadas pelo mercado capitalista e pela ideologia da indústria cultural. “A expressão indústria cultural significa que as obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo. (...) Sob o poderio das empresas capitalistas, as obras de arte verdadeiramente criadoras, críticas e radicais foram esvaziadas para se tornarem entretenimento; e outras obras passaram a ser produzidas para celebrar o existente, em lugar de compreendê-lo, criticá-lo e propor um outro futuro para a humanidade. A força de conhecimento, crítica e invenção das artes ficou reduzida a algumas produções da arte erudita, enquanto o restante da produção artística foi destinado a um consumo rápido, transformando-se em sinal de status social e prestígio político para artistas e seus consumidores e em meio de controle cultural por parte dos empresários e proprietários dos meios de comunicação de massa.” (CHAUÍ, p. 290-291)
A ação da indústria cultural é devastadora e opera silenciosamente nas consciências. Ela vulgariza as informações, fazendo com que as pessoas percam a perspectiva crítica. Há uma diferença muito grande entre democratização da cultura e a massificação cultural. Na democratização cultural, a cultura e a arte são direito de todos e não privilégios de alguns. Na massificação da indústria cultural, separa-se os bens em obras caras e obras baratas. Os bens caros são os acessíveis à elite. Os baratos, os dirigidos à massa dos trabalhadores. Divide-se a população entre a que tem maior poder aquisitivo, elite culta, e a de menor poder aquisitivo, a massa inculta. Há uma ilusão de que todos os bens culturais estão disponíveis para todas as classes sociais, tal como num supermercado. Ora, sabe-se que os bens num supermercado estão à venda para todos, mas nem todos podem comprá-los. “A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A ‘média’ é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.” (CHAUÍ, p. 292)


4.3 Os mass media e a informática


Os meios de comunicação de massa (mass media) como o rádio, a televisão, os jornais, as revistas e, hoje, a internet exercem função primordial na difusão de informações. Se de um lado favorecem a divulgação cultural, de outro suas potencialidades são utilizadas pela indústria cultural. Há invasões culturais, nas quais a cultura de um País pode sobrepujar a dos demais, num exemplo gritante de imperialismo cultural. A publicidade (alguns dizem propaganda comercial) dirigida ao público consumidor fornece explicações simplificadas e elogios exagerados sobre os produtos, com mensagens curtas e facilmente recordáveis (slogans), garantindo que o comprador terá igualdade com os demais pares se cmoprar o produto e, ao mesmo tempo, se diferenciará dos demais.
A publicidade reforça os valores de uma comunidade e ainda desperta desejos do consumidor. Com o maior desenvolvimento científico e tecnológico, os produtos, assim como as pessoas, passaram a ser cada vez mais descartáveis. Portanto, criam-se novos produtos e novos serviços, divulgados pela publicidade nos meios de comunicação, como superiores aos seus modelos anteriores e aos dos seus concorrentes. Com a concorrência acirrada, a publicidade atingiu novos patamares, de maior requinte, vendendo, além dos produtos, as ilusões de sucesso, prosperidade, segurança, beleza, juventude, sex appeal e felicidade.
Além disso, apresenta produtos ou serviços como maneira de o consumidor realizar desejos que não pode realizar na vida cotidiana, como uma viagem ao exterior, experiências sexuais com mulheres exóticas, liberação feminina, etc. “De fato, como todos os indivíduos são mercadorias que consomem mercadorias, a propaganda passa a estimular imagens de indivíduos vencedores na competição instituída pelo mercado de trabalho: roupas, calçados, bolsas e pastas de grife, sabonetes, perfumes e desodorantes que sugerem requinte e glamour, cosméticos de marcas famosas, etc., passam a constituir o próprio corpo do indivíduo, formam sua imagem como uma espécie de segunda natureza ou de máscara colada em sua pele.” (CHAUÍ, p. 295-296)
Os meios de comunicação que mais se destacam, na indústria cultural, são o rádio e a televisão, pois vendem entretenimento e lazer em forma de informação. Com estudos mercadológicos, a programação é divida em públicos A, B, C e D, segundo o poder de consumo, e as ocupações (dona-de-casa, operário, executivos, etc), para que os anunciantes possam escolher os melhores horários para veicularem suas mensagens publicitárias, de acordo com públicos-alvo específicos. Essa regra, porém, não é absoluta. Empresas podem anunciar produtos em programas não relacionados num primeiro momento com seu público-alvo, na intenção de captar uma clientela de modo indireto. No entanto, percebe-se que pode haver influência do anunciante no conteúdo dos programas, como nos jornalísticos. O poder do anunciante pode também ser verificado nas telenovelas e programas de auditório, em geral.
Os programas jornalísticos oferecem uma avalanche de informações como se fossem todas reais, verdadeiras e legítimas. As informações são ligeiras e acabam, em vez de informar, por desinformar o público. A simplificação demasiada proporciona a dispersão da atenção e a infantilização das pessoas. Atividades que exigem maior atenção não são mais atrativas, pois o público já se acostumou com a formatação proporcionada pelas telenovelas e demais programas de televisão. Uma aula, por exemplo, que exige maior atenção não chama tanto atenção quanto um espetáculo. E os intervalos das aulas são como se fossem os intervalos comerciais, tornados tão necessários para que as pessoas voltem a recobrar a capacidade de atenção.
A informática proporcionou maior aproveitamento das capacidades intelectuais do ser humano, economizando-lhe tempo e demais tipos de esforço. Na primeira revolução industrial, o trabalho do corpo era otimizado por meio das máquinas. Hoje, com a informática, é o trabalho intelectual que é otimizado. Essa facilidade comunicativa aumentou a velocidade das transformações e das transações econômicas. O ditado “tempo é dinheiro” nunca foi tão verdadeiro quanto agora. Quem se imagina sem internet ou e-mail hoje?
Há, ademais, alguns comentários acerca do potencial difusor de informações proporcionados pelos computadores e pela internet. Ao mesmo tempo que ela inclui as pessoas e as torna mais próximas, ela distancia as que não tem conhecimento de informática, por mínimo que seja, deixando-as mais alienadas e longe do mercado de trabalho e de outros relacionamentos mais qualificados. Verifica-se, atualmente, o fenômeno do analfabetismo digital. Ou seja, daqueles que não sabem se comunicar ou utilizar computadores ou aparelhos mais sofisticados. São esses alguns dos paradoxos da tecnologia.

V – BIBLIOGRAFIA


ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. Filosofando. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006.

[i] Material elaborado para a disciplina de Filosofia.
[ii] Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo, bacharel em Direito, formado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, especialista (MBA) em Comércio Exterior, especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e mestre em Filosofia Ética.
[iii] Alguns autores, inclusive, utilizaram o determinismo para justificar teorias racistas que influciaram sobremaneira o modo de pensar ocidental, dando-lhe ares de cientificismo. No Brasil, por exemplo, pregou-se o estímulo da imigração européia nos séculos XVIII e XIX para se “branquear” a população brasileira, evitando-se a sua degeneração. À época, a população era em sua maioria de mestiços. O modelo ideal de raça superior era a européia. Um dos principais artífices dessa ideologia foi o baiano Raimundo Nina Rodrigues, profundamente influenciado pelas teorias do Conde de Gobineau.
[iv] As teorias dos frankfurtianos eram avançadas para a época, tanto que muitos dos autores (também de origem judaica) foram perseguidos pelo regime nazista de Adolf Hitler. Durante algum tempo, os autores se refugiaram em outros países. Por um período a Escola de Frankfurt teve de se alojar nos Estados Unidos. Atualmente, sua sede retornou a Frankfurt, na Alemanha.

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