As pessoas têm duas faculdades morais. A primeira é a de perseguir para si os bens que satisfarão suas necessidades, sejam elas essenciais ou não. A segunda é a de ter uma noção de justiça. Com estas colocações, o filósofo político John Rawls delimita claramente as esferas privada e pública, denominando-as, respectivamente, de “racional” e “razoável”. Tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica são “racionais” quando buscam os bens (materiais ou imateriais) que lhes vão saciar os desejos. Entretanto, o “racional” ao extremo converte-se num psicopata, uma máquina obcecada em perseguir ilimitadamente aquilo que anseia, sem se deter diante de quaisquer obstáculos, como consideração pelos “outros”.
Daí, o papel do “razoável”, ou seja, a faculdade moral do homem que lhe dá a dimensão de inserção como igual no mundo público. É nesta esfera em que cada um se dispõe a elaborar e aceitar as normas e regras de convívio conforme termos eqüitativos de cooperação, segundo o contratualismo de Rawls. No âmbito público, então, as decisões devem ser consensuais, firmadas numa instância “razoável” de deliberação, permitindo uma estrutura básica (instituições e ordenamento jurídico) que garanta a cada um ter seu “plano racional de vida”. Nesta perspectiva, o “justo” precede o “bem”, ou seja, a ética situa-se no campo deontológico, em vez do teleológico (como uma ética de caráter religioso, por exemplo), reafirmando a assertiva kantiana de que a disponibilidade de agir em respeito à lei moral é a única coisa incondicionalmente boa.
Numa sociedade plural, com variadas concepções de “bem”, seria praticamente violentar a autonomia do indivíduo impor-lhe uma única e singular concepção de “bem” (como o caso de uma ética teleológica). Não se deve apontar normas e decisões como inquestionáveis (verdades absolutas), mas como “razoáveis” – aquelas que indicarão formas de convivência que respeitem os indivíduos em igualdade de condições e, ao mesmo tempo, preservem a coletividade.
As “verdades absolutas”, geralmente reservadas para as religiões e entidades que as sustentam num plano metafísico, são dogmáticas e rechaçam as demais visões divergentes. Do ponto de vista político, que admitiria a pluralidade religiosa, não seria aconselhável a adoção de “verdades absolutas”, devido à própria dinâmica da sociedade, cujos valores e necessidades se transformam com uma velocidade espantosa, principalmente com a revolução das tecnologias da informação.
Percebe-se, porém, que alguns partidos políticos comportam-se como “religiões civis”, ou seja, impõem suas considerações como “verdades absolutas”. A imposição de um “fim último” (ou “telos”) - como a ideologia única de um só partido (socialista ou liberal, entre outros), por exemplo - é danosa aos direitos inalienáveis do ser humano, que não deveriam estar sujeitos ao bel prazer dos interesses políticos.
Os partidos políticos são “racionais”, perseguem aquilo que lhes é o “bem”, para si, e acirram a competitividade destrutiva, se não houver limites “razoáveis”. Daí, verifica-se a necessidade de se realizar pactos para que, na luta pelo poder, os partidos políticos não destruam a si mesmos e a sociedade. Novamente, requer-se o “razoável”, o caráter público das suas faculdades morais.
A tolerância é salutar neste processo, porque admite que haja um pluralismo de doutrinas, morais e religiões com traços em comum. A intersecção das características compatíveis das ideologias dos partidos é o ponto de partida para o levantamento dos problemas relacionados à estrutura básica de uma sociedade, assim como a sua resolução “razoável”. Apontar os problemas sem indicar-lhes as devidas soluções e depositar a culpa em bodes expiatórios (governo, burguesia, proletariado ou, até mesmo, entidades sobrenaturais, pasmem) é uma amostra de irracionalidade e demagogia.
O partido político que se auto-declara portador exclusivo da ética é, por isso mesmo, imoral porque reduz o campo de atuação das vozes discordantes, atirando-as fora da dimensão política. Neste espectro da intolerância – aliás, um passo para o emprego da violência -, abre-se margem para um regime ditatorial, já que, ao monopolizar a ética, justifica arbitrariamente o esmagamento dos direitos, liberdades e garantias daqueles que não aceitam a sua “verdade absoluta”.
Às portas do século XXI, velhos conceitos devem ser repensados dialeticamente, renovando as políticas públicas, tal como as relações entre o individual e o coletivo, para não se cometer novamente aberrações como o nazismo, o neoliberalismo selvagem e, em termos, a ditadura soviética. Rotular-se como comunista, ou socialista, não é atestado de permissão para atitudes maniqueístas, características de adolescentes (ou, se preferir, “chiliques teens”, aliás, tipicamente burgueses), no exercício político. Por outro lado, ser liberal não quer dizer conservadorismo, tradicionalismo no último grau , recusa total ao novo, ou, muito menos, liberou geral. Daí, a necessidade de uma conjunção dialética de todas as visões, pondo fim aos embates – como o de apontar a supremacia ora da igualdade (segundo a esquerda), ora da liberdade (conforme a direita) – para caminhar harmonicamente rumo ao desenvolvimento.
Existem pontos de conciliação, sempre abertos a melhores ajustes. E diante dos mesmos, nunca se deve falar em política como a arte da negociação (definição neoliberal) porque, assim, considera-se os agentes políticos como objetos, em vez de pessoas, sujeitos ao resultado de uma barganha. Numa concepção marxista, política é a guerra (de interesses, classes, etc.) continuada por outros meios. Contudo, a guerra (no sentido de divergência) deve desenrolar-se dialeticamente até o consenso, abrindo caminho para o entendimento “razoável” e, conseqüentemente, à paz – quesitos para a formulação de juízos ponderados que conduzirão às políticas públicas mais justas ao atual paradigma de flexibilidade e pluralidade ideológica de uma democracia moderna, havendo ainda possibilidade de revê-las ou redefini-las a qualquer momento, se for o caso. Certo ou errado, cara-pálida?
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