quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL I




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku


INTRODUÇÃO

            O inquérito policial é um procedimento investigatório que ocorre devido a ocorrência de uma infração penal. É composto de uma série de diligências para a obtenção de provas e de indícios de autoria para a proposição, pelo titular, da ação penal.
            A Polícia Civil, ou Polícia Federal, dependendo do caso, deve buscar as provas iniciais para que o Ministério Público Estadual ou o Ministério Público Federal, ou o ofendido, em se tratando de ação penal privada, venha a propor a denúncia ou queixa-crime, respectivamente.
            O destinatário imediato do inquérito policial é o Ministério Público, se for crime de ação penal pública. Se for de ação penal privada, o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo. E o mediato, o juiz.
É instaurado o inquérito policial para infrações penais com penas superiores a 2 anos. Nos crimes de menor potencial ofensivo e nas contravenções penais, segundo o art. 69, da Lei nº 9.099/1995, ocorre a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência.
            Contudo, se a infração de menor potencial ofensivo for revestida de certa complexidade, será instaurado o inquérito policial, que, quando concluído, será enviado ao Juizado Especial Criminal.
            Nos casos de violência doméstica e familiar, segundo o art. 41, da Lei Maria da Penha (Lei nº11.340/1996), mesmo que a pena máxima seja inferior a 2 anos, os delitos são apurados por meio de inquérito policia.
            Nos casos de lesão corporal culposa de trânsito (art. 303, da Lei nº 9.503/1997), num primeiro momento, é crime de ação penal pública condicionada. Contudo, conforme o art. 291 desta lei, se o crime for cometido como agente sob influência de álcool ou qualquer outra substância semelhante, participar de “racha” ou transite em velocidade superior à máxima permitida, em via de 50 km/h, será crime de ação penal pública incondicionada. Assim, ocorre inquérito policial.
            Nos crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/1990), não pode haver instauração de inquérito policial, sem, antes, haver encerrado o processo administrativo tributário no qual se discute a constituição ou não do crédito tributário. A Súmula Vinculante nº 24, do STF, dispõe: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990), antes do lançamento definitivo do tributo.”
            Podem existir inquéritos extrapoliciais. O art. 4º, do Código de Processo Penal, estabelece autoridade administrativa incumbida de realizar a investigação. Então, há inquérito administrativo para apurar responsabilidade de servidor público; comissão parlamentar de inquérito, a cargo do Poder Legislativo; e inquéritos para pessoas com prerrogativa de função, como prefeitos, cujo inquérito é realizado pelo Tribunal de Justiça, com diligências da polícia.

‘NOTITIA CRIMINIS’
            O conhecimento da autoridade (policial, ministerial ou judiciária) de um fato tido como infração penal (crime ou contravenção penal) é chamado de “notitia criminis”, e não denúncia. Através dela, a autoridade policial pode iniciar as investigações.
            Ensina Válter Kenji Ishida (2012, p. 26-27):

O conhecimento da “notitia criminis” se dá através da:
a) cognição imediata: através de atividades rotineiras: jornal; através de corpo de funcionários (investigadores de polícia em São Paulo); da vítima (por meio de boletim de ocorrência:
b) cognição mediata: não por meio de atuação rotineira, mas de atuação de terceiro: requerimento da vítima (por escrito e não via boletim de ocorrência), requisição ou representação;
c) cognição coercitiva: prisão em flagrante: apresentação do autor do fato.



CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
            O inquérito policial deve ser realizado pela Polícia Judiciária (Civil ou Federal), cuja presidência é da autoridade policial (Delegado de Polícia ou Delegado Federal). Nas diligências, é auxiliado pelos demais funcionários integrantes da carreira policial.
            O art. 144, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, dispõe que a Polícia Federal destina-se a “apurar as infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo a lei dispuser”.
            Cabe às Polícias Civis, dos Estados e Distrito Federal, segundo o art. 144, § 2º, da CF, “as funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto as militares”.
            Os membros do Ministério Público podem acompanhar as investigações do inquérito (art. 26, IV, Lei nº 8.625/1993). Pode, inclusive, instaurar procedimentos investigatórios na promotoria.
            O inquérito policial sempre será presidido por um Delegado. Se um promotor de Justiça ou procurador da República acompanhar o inquérito policial, não é considerado suspeito ou impedido. Súmula 234, do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A participação de membro do Ministério Público na fase investigativa criminal não acarreta seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.”
            Nos crimes militares, instaura-se inquérito policial militar, com responsabilidade a Polícia Militar ou das forças armadas (a depender do autor da infração). Se o crime for cometido por membro do Ministério Público ou do Poder Judiciário, a investigação ficará a critério da chefia da instituição ou do Poder Judiciário.
            O inquérito policial é inquisitivo. Não é necessário o contraditório. Conforme o art. 5º, LV, da CF, o contraditório só vigora a partir do efetivo início da ação penal. Como consequência o investigado não precisa ser intimado acerca das atividades desenvolvidas pela polícia para apreciar as provas produzidas.
            A vítima da infração penal também pode requerer diligências, segundo o art. 14 do Código de Processo Penal. Se a autoridade policial não a acatar o pedido, a mesma pode requerer a membro do Poder Judiciário ou do Ministério Público.
            O inquérito, por não abranger o contraditório, não pode ser fonte única de condenação. Deve ser produzida, sempre prova em juízo, junto com o inquérito, para embasar a condenação, segundo o art. 155, do Código de Processo Penal.
            O inquérito policial, apesar de inquisitivo, não pode se valer de expedientes ilegais, como tortura, escutas clandestinas, dentre outras.
            O inquérito policial é sigiloso, segundo o art. 20, do Código de Processo Penal. Ele é necessário para a elucidação do fato ou pelo interesse da sociedade. Entretanto, conforme o art. 7º, XIV, da Lei nº 8.904/1994 (Estatuto da OAB), os advogados podem “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.
            Dispõe a Súmula Vinculante nº 14, do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
            Os advogados têm direito de acesso às provas já anexadas aos autos do inquérito. Mas isso não se estende com relação às provas em produção. O advogado pode acompanhar o interrogatório do indiciado e na oitiva das testemunhas. Porém, não pode fazer reperguntas, pois o mesmo é inquisitivo.
            O inquérito policial deve ser necessariamente escrito. Todos os seus atos devem ser reduzidos a termo, preceitua ao art. 9º, do Código de Processo Penal.
            Não é necessário o inquérito policial para a instauração da ação penal. Portanto, é dispensável. Trata-se de procedimento administrativo. Pode haver denúncia ou queixa-crime com base em peças de informação, ou seja, quaisquer documentos que comprovem indícios suficientes de autoria e de materialidade de infração penal.
            Se o membro do Ministério Público entender que não há elementos para oferecer a denúncia, pode requerer arquivar o inquérito policial ou as peças de informação. Se, em posse de peças de informação, o membro do Ministério Público considerar que estas são insuficientes, pode requerer a instauração de inquérito policial para que haja diligências para a produção de provas.
            Nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, o membro do Ministério Público pode dispensar a instauração de inquérito policial, se, com a condição de procedibilidade forem apresentadas provas suficientes para iniciar a persecução judicial.
            De acordo com o art. 40, do Código de Processo Penal, se os membros do Poder Judiciário verificarem, no desempenho das suas funções, a ocorrência de crime de ação penal pública, devem encaminhar cópias e documentos ao Ministério Público que, ao recebê-los, pode oferecer denúncia ou requisitar instauração de inquérito policial.
            Sempre que conhecer de infração penal, a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial (art. 6º, CPP), se for crime de ação penal pública incondicionada e houver entendimento de que há elementos da materialidade do crime.

Leia mais:
CURY, Rogério; CURY, Daniela. Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
ISHIDA, Válter Kenji. Prática Jurídica Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.


Obs.: Texto adequado à alteração do Pacote Anticrime.

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