quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Conceito e princípios do Direito Processual Penal: breve esquema


Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

            O conceito de Direito Processual Penal, segundo Guilherme Nucci (2012, p. 85), “é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto”.
            Na República Federativa do Brasil, não há como se conceber o Direito Processual Penal dissociado do texto constitucional, visto que nesta estão os direitos e garantias fundamentais, essenciais para coibir quaisquer excessos por parte da autoridade estatal.
            Portanto, mesmo que o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) tenha nascido sob a égide do Estado Novo de Getúlio Vargas, deve o mesmo ser analisado segundo as diretrizes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
            Assim, prevalece a visão de um processo penal democrático, que “cuida da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto de direitos e garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada e, por vezes, nitidamente inconstitucional”, explica Nucci (2012, p. 87).


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            Cada disciplina jurídica possui princípios próprios, que servem de norte e de parâmetro para todo o sistema, e podem estar previstos de maneira expressa ou implícita no ordenamento jurídico. Pois bem, sejam explícitos ou implícitos, a maioria dos princípios do Direito Processual Penal está contida na Constituição Federal.
            Os princípios do Direito Processual Penal, de acordo com Nucci (2012), podem ser agrupados da seguinte maneira:

1. Princípios regentes:
1.1. Devido processo legal – art. 5º, LIV, CF
1.2. Dignidade da pessoa humana – art. 1º, III, CF

2. Princípios constitucionais processuais (explícitos):

            2.1. Concernentes ao indivíduo:
                        2.1.1. Presunção da inocência – art. 5º, LVII, CF (conectado à prevalência do interesse do réu e à imunidade à autoacusação);
                        2.1.2. Ampla defesa – art. 5º, LV, CF;
                        2.1.3. Plenitude de defesa – art. 5º, XXXVIII, “a”, CF;

            2.2. Concernente à relação processual:
                        2.2.1. Contraditório – art. 5º, LV, CF;

            2.3. Concernentes à atuação do Estado:
                        2.3.1. Juiz natural e imparcial – art. 5º, LIII e XXXVII, CF (vedação ao juízo natural ou tribunal de exceção) (conectado à iniciativa das partes);
                        2.3.2. Publicidade – art. 5º, XXXIII, LX, e 93, IX, CF;
                        2.3.3. Vedação das provas ilícitas – art. 5º, LVI, CF;
                        2.3.4. Economia processual – art. 5º, LXXVIII, CF (conectado à duração razoável do processo e à duração razoável da prisão cautelar);
                        2.3.5. Regentes do tribunal do júri
                                    2.3.5.1. Sigilo das votações – art. 5º, XXXVIII, “b”, CF;
                                    2.3.5.2. Soberania dos veredictos – art. 5º, XXXVIII, “c”, CF;
                                    2.3.5.3. Competência para julgamento dos crimes dolosos contra vida – art. 5º, XXXVIII, “d”, CF;
                        2.3.6. Legalidade estrita da prisão cautelar – art. 5º, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LVIII, CF;


3) Princípios constitucionais processuais (implícitos):

            3.1. Concernente à relação processual:
                        3.1.1. Duplo grau de jurisdição

            3.2. Concernentes à atuação do Estado:
                        3.2.1. Promotor natural e imparcial;
                        3.2.2. Obrigatoriedade da ação penal pública e, como consequência, indisponibilidade da ação penal;
                        3.2.3. Oficialidade;
                        3.2.4. Intranscendência;
                        3.2.5. Vedação da dupla punição e do duplo processo pelo mesmo fato;


4) Princípios meramente processuais (explícitos ou implícitos, conforme o caso):

            4.1. Concernentes à relação processual:
                        4.1.1. Busca da verdade real ou material;
                        4.1.2. Oralidade (conectado à concentração, imediatidade e identidade física do juiz);
                        4.1.3. Indivisibilidade da ação penal privada;
                        4.1.4. Comunhão da prova;

            4.2. Concernentes à atuação do Estado:
                        4.2.1. Impulso oficial;
                        4.2.2. Persuasão racional;
                        4.2.3. Colegialidade.


Síntese dos princípios do Direito Processual Penal (Nucci, 2012, p. 119-121):

Princípio jurídico: é um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir.
Dignidade da pessoa humana: é um princípio regente, base e meta do Estado Democrático de Direito, regulador do mínimo essencial para a sobrevivência apropriada, a ser garantido a todo ser humano, bem como elemento propulsor da respeitabilidade e da autoestima do indivíduo nas relações sociais.
Devido processo legal: cuida-se de princípio regente, com raízes no princípio da legalidade, assegurando ao ser humano a justa punição, quando cometer um crime, precedida do processo penal adequado, o qual deve respeitar todos os princípios penais e processuais penais.
Presunção da inocência: significa que todo indivíduo é considerado inocente, como seu estado natural, até que ocorra o advento de sentença condenatória com o trânsito em julgado.
Prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo): em caso de razoável dúvida, no processo penal, deve sempre prevalecer o interesse do acusado, pois é a parte que goza de presunção de inocência.
Imunidade à autoacusação: significa que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), já que o estado natural do ser humano é de inocência, até prova em contrário, produzida pelo Estado-acusação, advindo sentença penal irrecorrível. Daí decorre, por óbvio, o direito de permanecer em silêncio, seja na polícia ou em juízo.
Ampla defesa: o réu deve ter a mais extensa e vasta possibilidade de provar e ratificar o seu estado de inocência, em juízo, valendo-se de todos os recursos lícitos para tanto.
Plenitude de defesa: cuida-se de um reforço à ampla defesa, que se dá no contexto do Tribunal do Júri, para assegurar ao réu a mais perfeita defesa possível, garantindo-se rígido controle da qualidade do aspecto defensivo, visto estar o acusado diante de jurados leigos, que decidem, sigilosamente, sem motivar seu veredicto.
Contraditório: a parte, no processo, tem o direito de tomar conhecimento e rebater as alegações fáticas introduzidas pelo adversário, além de ter a possibilidade de contrariar as provas juntadas, manifestando-se de acordo com seus próprios interesses.
Juiz natural e imparcial: toda pessoa tem o direito inafastável de ser julgada, criminalmente, por um juízo imparcial, previamente constituído por lei, de modo a eliminar a possibilidade de haver tribunal de exceção.
Iniciativa das partes: assegurando-se a imparcialidade do juiz, cabe ao Ministério Público e, excepcionalmente, ao ofendido, a iniciativa da ação penal.
Publicidade: significa que os julgamentos e demais atos processuais devem ser realizados e produzidos, como regra, publicamente, possibilitando-se o acompanhamento de qualquer pessoa, a fim de garantir a legitimidade e eficiência do Poder Judiciário.
Vedação de provas ilícitas: consagrando-se a busca pelo processo escorreito e ético, proíbe-se a produção de provas ilícitas, constituídas ao arrepio da lei, com o fim de produzir efeito de convencimento do juiz, no processo penal.
Economia processual: é direito individual a obtenção da razoável duração do processo, combatendo-se a lentidão do Poder Judiciário, visto que a celeridade é uma das metas da consecução de justiça.
Duração razoável da prisão cautelar: a liberdade é a regra, no Estado Democrático de Direito, constituindo a prisão, exceção. Por isso, quando se concretiza a prisão cautelar, torna-se fundamental garantir a máxima celeridade, pois se está encarcerando pessoa considerada inocente, até prova definitiva em contrário.
Sigilo das votações: cuida-se de tutela específica do Tribunal do Júri, buscando-se assegurar a sua plenitude, quanto à decisão de mérito. Nenhum órgão do Poder Judiciário togado pode sobrepor-se à vontade do povo, em matéria criminal, pertinente ao júri.
Competência para os crimes dolosos contra a vida: garantindo-se a competência mínima, sob mando constitucional, ao Tribunal do Júri, dele não se pode subtrair o julgamento dos delitos dolosos contra a vida, que são basicamente os seguintes: homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto.
Legalidade estrita da prisão cautelar: significa que a prisão processual ou provisória constitui uma exceção, pois é destinada a encarcerar a pessoa ainda não definitivamente julgada e condenada; demanda, então, estrita observância de todas as regras constitucional e legalmente impostas para a sua concretização e manutenção.
Duplo grau de jurisdição: no processo penal, todo acusado tem o direito de recorrer a instância superior, obtendo, ao menos, uma segunda possibilidade de julgamento, confirmando ou reformando a decisão tomada em primeiro grau. Cuida-se de autêntica segunda chance para alcançar a mantença do estado de inocência.
Promotor natural e imparcial: não somente o órgão estatal julgador deve ser imparcial, pois o Estado-acusação cumpre papel de destaque na apuração e punição dos crimes, razão pela qual se espera uma atuação justa e desvinculada de interesses escusos e partidários.
Obrigatoriedade da ação penal: trata-se de princípio ligado à ação penal pública, em que a titularidade cabe ao Ministério Público, instituição fundamental à realização de justiça. Consagrando-se a atuação imparcial do Estado-acusação, é obrigatório o ajuizamento de ação penal, quando há provas suficientes para tanto.
Indisponibilidade da ação penal: é o corolário natural da obrigatoriedade da ação penal pública, pois, uma vez ajuizada, não mais se pode dela desistir, devendo o Estado-acusação levar até o fim a pretensão punitiva, obtendo-se uma decisão de mérito definitiva.
Oficialidade: significa que o monopólio punitivo é exclusivo do Estado, motivo pelo qual os atos processuais são oficiais em não há qualquer possibilidade de justiça privada na seara criminal.
Intranscendência: quer dizer que nenhuma acusação pode ser feita a pessoa que não seja autora de infração penal; conecta-se com os princípios penais da responsabilidade pessoal e da culpabilidade.
Vedação do duplo processo pelo mesmo fato (bis in idem): é a garantia de que ninguém pode ser processado duas ou mais vezes com base em idêntica imputação, o que implicaria em claro abuso estatal e ofensa à dignidade humana.
Busca da verdade real: no processo penal, impera a procura pela verdade (noção ideológica da realidade) mais próxima possível do que, de fato, aconteceu, gerando o dever das partes e do juiz de buscar a prova, sem posição inerte ou impassível.
Oralidade: significa que a palavra oral deve prevalecer sobre a escrita, produzindo celeridade na realização dos atos processuais e diminuindo a burocracia para o registro das ocorrências ao longo da instrução.
Concentração: almeja-se que a instrução processual seja centralizada numa única audiência ou menor número delas, a ponto de gerar curta duração para o processo.
Imediatidade: significa que o juiz deve ter contato direto com a prova colhida, em particular, com as testemunhas, de modo a formar o seu convencimento mais facilmente.
Identidade física do juiz: interligando-se com a verdade real, demanda-se que o magistrado encarregado de colher a prova seja o mesmo a julgar a ação, pois teve contato direto com as partes e as testemunhas.
Indivisibilidade da ação penal privada: constituindo a ação punitiva um monopólio do Estado, quando se transfere ao ofendido a possibilidade de ajuizar a ação penal privada, deve fazê-lo contra todos os coautores, não podendo eleger uns em detrimento de outros.
Comunhão da prova: significa que a prova produzida, nos autos, pela acusação e pela defesa, é comum ao resultado da demanda, fornecendo todos os elementos necessários à formação do convencimento do julgador.
Impulso oficial: cabe ao juiz a condução do processo criminal, jamais permitindo a indevida e injustificada paralisação do curso da instrução.
Persuasão racional: é o sistema de avaliação das provas escolhido pela legislação processual penal, em que o juiz forma o seu convencimento pela livre apreciação das provas coletadas, desde que o faça de maneira motivada.
Colegialidade: significa que os órgãos judiciais superiores, que servem para concretizar o duplo grau de jurisdição, devem ser formados por colegiados, não mais permitindo que uma tomada de decisão seja tomada por um magistrado único.


Para ler mais:
NUCCI, Guilherme de Souza. “Manual de Processo Penal e Execução Penal.” 9. ed.  rev. atua. ampl. São Paulo: RT, 2012.

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