Prof. Ms. Roger Moko Yabiku
O conceito de Direito Processual Penal, segundo Guilherme
Nucci (2012, p. 85), “é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o
modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando-se por
intermédio do Poder Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei
ao caso concreto”.
Na República Federativa do Brasil, não há como se
conceber o Direito Processual Penal dissociado do texto constitucional, visto
que nesta estão os direitos e garantias fundamentais, essenciais para coibir
quaisquer excessos por parte da autoridade estatal.
Portanto, mesmo que o Código de Processo Penal
(Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) tenha nascido sob a égide do
Estado Novo de Getúlio Vargas, deve o mesmo ser analisado segundo as diretrizes
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Assim, prevalece a visão de um processo penal
democrático, que “cuida da visualização do processo penal a partir dos
postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto de direitos e
garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa
realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação
infraconstitucional defasada e, por vezes, nitidamente inconstitucional”,
explica Nucci (2012, p. 87).
Cada disciplina jurídica possui princípios próprios, que
servem de norte e de parâmetro para todo o sistema, e podem estar previstos de
maneira expressa ou implícita no ordenamento jurídico. Pois bem, sejam
explícitos ou implícitos, a maioria dos princípios do Direito Processual Penal
está contida na Constituição Federal.
Os princípios do Direito Processual Penal, de acordo com
Nucci (2012), podem ser agrupados da seguinte maneira:
1.
Princípios regentes:
1.1.
Devido processo legal – art. 5º, LIV, CF
1.2.
Dignidade da pessoa humana – art. 1º, III, CF
2.
Princípios constitucionais processuais (explícitos):
2.1. Concernentes ao indivíduo:
2.1.1. Presunção da inocência – art. 5º,
LVII, CF (conectado à prevalência do interesse do réu e à imunidade à
autoacusação);
2.1.2. Ampla defesa – art. 5º, LV, CF;
2.1.3. Plenitude de defesa – art. 5º,
XXXVIII, “a”, CF;
2.2. Concernente à relação processual:
2.2.1. Contraditório – art. 5º, LV, CF;
2.3. Concernentes à atuação do Estado:
2.3.1. Juiz natural e imparcial – art. 5º,
LIII e XXXVII, CF (vedação ao juízo natural ou tribunal de exceção) (conectado
à iniciativa das partes);
2.3.2. Publicidade – art. 5º, XXXIII, LX, e
93, IX, CF;
2.3.3. Vedação das provas ilícitas – art. 5º,
LVI, CF;
2.3.4. Economia processual – art. 5º,
LXXVIII, CF (conectado à duração razoável do processo e à duração razoável da
prisão cautelar);
2.3.5. Regentes do tribunal do júri
2.3.5.1. Sigilo das votações –
art. 5º, XXXVIII, “b”, CF;
2.3.5.2. Soberania dos veredictos
– art. 5º, XXXVIII, “c”, CF;
2.3.5.3. Competência para
julgamento dos crimes dolosos contra vida – art. 5º, XXXVIII, “d”, CF;
2.3.6. Legalidade estrita da prisão cautelar
– art. 5º, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LVIII, CF;
3)
Princípios constitucionais processuais (implícitos):
3.1. Concernente à relação processual:
3.1.1. Duplo grau de jurisdição
3.2. Concernentes à atuação do Estado:
3.2.1. Promotor natural e imparcial;
3.2.2. Obrigatoriedade da ação penal pública
e, como consequência, indisponibilidade da ação penal;
3.2.3. Oficialidade;
3.2.4. Intranscendência;
3.2.5. Vedação da dupla punição e do duplo
processo pelo mesmo fato;
4)
Princípios meramente processuais (explícitos ou implícitos, conforme o caso):
4.1. Concernentes à relação processual:
4.1.1. Busca da verdade real ou material;
4.1.2. Oralidade (conectado à concentração,
imediatidade e identidade física do juiz);
4.1.3. Indivisibilidade da ação penal
privada;
4.1.4. Comunhão da prova;
4.2. Concernentes à atuação do Estado:
4.2.1. Impulso oficial;
4.2.2. Persuasão racional;
4.2.3. Colegialidade.
Síntese dos princípios do
Direito Processual Penal (Nucci, 2012, p. 119-121):
Princípio
jurídico: é um postulado que se irradia por todo o sistema de
normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e
aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir.
Dignidade
da pessoa humana: é um princípio regente, base e meta do Estado
Democrático de Direito, regulador do mínimo essencial para a sobrevivência
apropriada, a ser garantido a todo ser humano, bem como elemento propulsor da
respeitabilidade e da autoestima do indivíduo nas relações sociais.
Devido
processo legal: cuida-se de princípio regente, com raízes no
princípio da legalidade, assegurando ao ser humano a justa punição, quando
cometer um crime, precedida do processo penal adequado, o qual deve respeitar
todos os princípios penais e processuais penais.
Presunção
da inocência: significa que todo indivíduo é considerado
inocente, como seu estado natural, até que ocorra o advento de sentença
condenatória com o trânsito em julgado.
Prevalência
do interesse do réu (in dubio pro reo): em
caso de razoável dúvida, no processo penal, deve sempre prevalecer o interesse
do acusado, pois é a parte que goza de presunção de inocência.
Imunidade
à autoacusação: significa que ninguém é obrigado a produzir
prova contra si mesmo (nemo tenetur se
detegere), já que o estado natural do ser humano é de inocência, até prova
em contrário, produzida pelo Estado-acusação, advindo sentença penal
irrecorrível. Daí decorre, por óbvio, o direito de permanecer em silêncio, seja
na polícia ou em juízo.
Ampla
defesa: o réu deve ter a mais extensa e vasta possibilidade de
provar e ratificar o seu estado de inocência, em juízo, valendo-se de todos os
recursos lícitos para tanto.
Plenitude
de defesa: cuida-se de um reforço à ampla defesa, que se dá no
contexto do Tribunal do Júri, para assegurar ao réu a mais perfeita defesa
possível, garantindo-se rígido controle da qualidade do aspecto defensivo,
visto estar o acusado diante de jurados leigos, que decidem, sigilosamente, sem
motivar seu veredicto.
Contraditório: a
parte, no processo, tem o direito de tomar conhecimento e rebater as alegações
fáticas introduzidas pelo adversário, além de ter a possibilidade de contrariar
as provas juntadas, manifestando-se de acordo com seus próprios interesses.
Juiz
natural e imparcial: toda pessoa tem o direito inafastável de ser
julgada, criminalmente, por um juízo imparcial, previamente constituído por
lei, de modo a eliminar a possibilidade de haver tribunal de exceção.
Iniciativa
das partes: assegurando-se a imparcialidade do juiz, cabe ao
Ministério Público e, excepcionalmente, ao ofendido, a iniciativa da ação
penal.
Publicidade:
significa que os julgamentos e demais atos processuais devem ser realizados e
produzidos, como regra, publicamente, possibilitando-se o acompanhamento de
qualquer pessoa, a fim de garantir a legitimidade e eficiência do Poder
Judiciário.
Vedação
de provas ilícitas: consagrando-se a busca pelo processo
escorreito e ético, proíbe-se a produção de provas ilícitas, constituídas ao
arrepio da lei, com o fim de produzir efeito de convencimento do juiz, no
processo penal.
Economia
processual: é direito individual a obtenção da razoável duração do
processo, combatendo-se a lentidão do Poder Judiciário, visto que a celeridade
é uma das metas da consecução de justiça.
Duração
razoável da prisão cautelar: a liberdade é a regra, no Estado
Democrático de Direito, constituindo a prisão, exceção. Por isso, quando se
concretiza a prisão cautelar, torna-se fundamental garantir a máxima
celeridade, pois se está encarcerando pessoa considerada inocente, até prova
definitiva em contrário.
Sigilo
das votações: cuida-se de tutela específica do Tribunal do
Júri, buscando-se assegurar a sua plenitude, quanto à decisão de mérito. Nenhum
órgão do Poder Judiciário togado pode sobrepor-se à vontade do povo, em matéria
criminal, pertinente ao júri.
Competência
para os crimes dolosos contra a vida: garantindo-se a competência
mínima, sob mando constitucional, ao Tribunal do Júri, dele não se pode
subtrair o julgamento dos delitos dolosos contra a vida, que são basicamente os
seguintes: homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto.
Legalidade
estrita da prisão cautelar: significa que a prisão processual ou
provisória constitui uma exceção, pois é destinada a encarcerar a pessoa ainda
não definitivamente julgada e condenada; demanda, então, estrita observância de
todas as regras constitucional e legalmente impostas para a sua concretização e
manutenção.
Duplo
grau de jurisdição: no processo penal, todo acusado tem o direito
de recorrer a instância superior, obtendo, ao menos, uma segunda possibilidade
de julgamento, confirmando ou reformando a decisão tomada em primeiro grau.
Cuida-se de autêntica segunda chance para alcançar a mantença do estado de
inocência.
Promotor
natural e imparcial: não somente o órgão estatal julgador deve ser
imparcial, pois o Estado-acusação cumpre papel de destaque na apuração e
punição dos crimes, razão pela qual se espera uma atuação justa e desvinculada
de interesses escusos e partidários.
Obrigatoriedade
da ação penal: trata-se de princípio ligado à ação penal
pública, em que a titularidade cabe ao Ministério Público, instituição
fundamental à realização de justiça. Consagrando-se a atuação imparcial do
Estado-acusação, é obrigatório o ajuizamento de ação penal, quando há provas
suficientes para tanto.
Indisponibilidade
da ação penal: é o corolário natural da obrigatoriedade da
ação penal pública, pois, uma vez ajuizada, não mais se pode dela desistir,
devendo o Estado-acusação levar até o fim a pretensão punitiva, obtendo-se uma
decisão de mérito definitiva.
Oficialidade:
significa que o monopólio punitivo é exclusivo do Estado, motivo pelo qual os
atos processuais são oficiais em não há qualquer possibilidade de justiça
privada na seara criminal.
Intranscendência: quer
dizer que nenhuma acusação pode ser feita a pessoa que não seja autora de
infração penal; conecta-se com os princípios penais da responsabilidade pessoal
e da culpabilidade.
Vedação
do duplo processo pelo mesmo fato (bis in
idem): é a garantia de que ninguém pode ser processado duas ou
mais vezes com base em idêntica imputação, o que implicaria em claro abuso
estatal e ofensa à dignidade humana.
Busca
da verdade real: no processo penal, impera a procura pela
verdade (noção ideológica da realidade) mais próxima possível do que, de fato,
aconteceu, gerando o dever das partes e do juiz de buscar a prova, sem posição
inerte ou impassível.
Oralidade:
significa que a palavra oral deve prevalecer sobre a escrita, produzindo
celeridade na realização dos atos processuais e diminuindo a burocracia para o
registro das ocorrências ao longo da instrução.
Concentração:
almeja-se que a instrução processual seja centralizada numa única audiência ou
menor número delas, a ponto de gerar curta duração para o processo.
Imediatidade: significa
que o juiz deve ter contato direto com a prova colhida, em particular, com as
testemunhas, de modo a formar o seu convencimento mais facilmente.
Identidade
física do juiz: interligando-se com a verdade real, demanda-se
que o magistrado encarregado de colher a prova seja o mesmo a julgar a ação,
pois teve contato direto com as partes e as testemunhas.
Indivisibilidade
da ação penal privada: constituindo a ação punitiva um monopólio
do Estado, quando se transfere ao ofendido a possibilidade de ajuizar a ação
penal privada, deve fazê-lo contra todos os coautores, não podendo eleger uns
em detrimento de outros.
Comunhão
da prova: significa que a prova produzida, nos autos, pela acusação
e pela defesa, é comum ao resultado da demanda, fornecendo todos os elementos
necessários à formação do convencimento do julgador.
Impulso
oficial: cabe ao juiz a condução do processo criminal, jamais
permitindo a indevida e injustificada paralisação do curso da instrução.
Persuasão
racional: é o sistema de avaliação das provas escolhido pela
legislação processual penal, em que o juiz forma o seu convencimento pela livre
apreciação das provas coletadas, desde que o faça de maneira motivada.
Colegialidade:
significa que os órgãos judiciais superiores, que servem para concretizar o
duplo grau de jurisdição, devem ser formados por colegiados, não mais
permitindo que uma tomada de decisão seja tomada por um magistrado único.
Para ler mais:
NUCCI, Guilherme de Souza.
“Manual de Processo Penal e Execução Penal.” 9. ed. rev. atua. ampl. São Paulo: RT, 2012.
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