I - INTRODUÇÃO
Este texto versa suscintamente sobre a questão da educação nos modelos homérico, socrático-platônico e sofista, estabelecendo suas características e contribuições para a educação contemporânea. Não se trata de uma obra de maior fôlego, pois demandaria maios tempo de pesquisa e reflexão acerca dos dados coletados. Apenas, tenta-se trazer à tona discussões acerca dos papéis historicamente desempenhados por esses pensadores no contexto da educação, tentando realizar um liame entre as suas doutrinas para que se possa realizar o debate num nível academicamente aceitável e coerente com a realidade contemporânea.
No primeiro tópico, discorre-se sobre o problema da educação no poeta Homero, que era utilizada pelos gregos para fins didáticos, principalmente a partir das suas obras “Ilíada” e “Odisséia”. Há uma tentativa de explicar o mundo e os acontecimentos a partir de relatos históricos, desvencilhando-se, porém, não totalmente do mito. O homem guerreiro e valoroso que dominava o cenário através de feitos heróicos era um modelo de excelência a ser atingido, em prol não só de si mesmo (pelo reconhecimento dos seus feitos), mas para toda a “pólis” em si.
Em seguida, disserta-se sobre o modelo educacional socrático-platônico. Sócrates não deixou produção escrita, sendo retratado por seus discípulos, em especial Platão. Daí, a dificuldade em se diferenciar o que era do ensinamento original de Sócrates e o que foi difundido pelo Sócrates de Platão. Em vez do domínio do mundo exterior, o modelo socrático-platônico tem como objetivo a conquista do mundo interior, pelo descobrimento de si mesmo, mesmo que isso signifique ignorar a realidade material e as convenções tradicionalmente estabelecidas.
Posteriormente, se escreve sobre a importância dos sofistas na educação, da sua influência na concepção científica desse processo e da sua influência até os dias atuais. Não se pretendeu abordar aspectos do conflito entre Sócrates e os sofistas, mesmo porque muitas das concepões a respeito destes últimos são carregadas de preconceitos.
II - A EDUCAÇÃO HOMÉRICA
Homero tido historicamente como o primeiro grande poeta grego teria vivido em no século IX a. C., concomitantemente ao surgimento da escrita na Grécia antiga. Suas principais obras são “Ilíada” e “Odisséia”, a primeira sobre a guerra entre grego e troianos e a segunda, sobre o retorno do rei Odisseu da guerra de Tróia para Ítaca. No entendimento de Werner Jaeger (2003, p. 43), a poesia de Homero posicionou-o como o primeiro grande modelador da humanidade grega. A primordial preocupação com a poesia, no entanto, era a estética, a questão ética era acidental, subseqüente. “É claro que essa frivolidade artística deliberada tem por sua vez efeitos ‘éticos’, pois desmascara sem qualquer consideração os valores falsos e convencionais, e atua como uma crítica purificadora.” (JAEGER, 2003, p. 44)
Ensina Jaeger que Homero se utilizava do mito para exemplificar e explicar situações inúmeras do cotidiano da época, principalmente na considerações de ordem moral. Em Homero, a ética é aristocrática[i], tendo em vista que exalta os feitos dos guerreiros – geralmente oriundos da nobreza –, mesmo que implique num auto-sacrifício, mas realizado em nome de um ideal maior, a soberania da polis, numa comunidade de cidadãos comuns entre si, mas que, de certa maneira, ignoravam o outro, o bárbaro, o não civilizado. Como se explica isso? “A expressão-chave aqui é ‘homens de outras terras’. As leis da comunidade civilizada só se aplicam dentro dela. Fora de seus domínios, outras terras podem ser livremente saqueadas. O que foi a guerra de Tróia senão uma gigantesca operação de saque? Na verdade, a lei e a ordem dentro da comunidade podem ter o efeito de intensificar a selvageria reprimida dessa comunidade. A guerra talvez seja uma maneira positiva de liberar os impulsos selvagens fora da comunidade, como especulou Freud após a carnificina da Primeira Guerra Mundial em seu ensaio O mal-estar na civilização. Freud acreditava que os impulsos anárquicos que os homens reprimem para possibilitar a vida em comunidade encontram válvula de escape na mortandade em massa da guerra.” (STONE, 2005. p. 47)
O objetivo da educação era o bem de todos e não apenas a glória pessoal, como ser verificava inclusive nos jogos e competições. “Desde a infância, cada grego percebia em si o desejo ardente de, na competição entre cidades, ser um instrumento para a consagração da sua cidade: isso acendia o seu egoísmo, mas, ao mesmo tempo, o refreava e limitava. Por isso, os indivíduos da Antigüidade eram mais livres, porque seus objetivos eram mais próximos e alcançáveis. O homem moderno, ao contrário, tem a infinidade cruzando o seu caminho em toda parte, como o veloz Aquiles na parábola do eleata Zenão: a infinidade o obstrui, ele nunca alcança a tartaruga.” (NIETZSCHE, 2005, p. 73)
Importante notar que Homero tem um pensamento “filosófico” acerca da natureza humana e das leis eternas que governam o mundo, tentando abarcar tudo que é essencial à vida humana, pois, de acordo com Jaeger (2003, p. 76-77), “contempla todo o conhecimento particular à luz do seu conhecimento geral das coisas”. Preliminarmente, pode-se dizer que a educação, em Homero, visa moldar a comunidade segundo as qualidades de destreza e heroísmo cunhadas na aristocracia. A “arete” homérica visa a ética acidentalmente, mas essencialmente busca o belo, a realização do cidadão pela integração ao ideal da “pólis”, de se fundir com o “télos” vigente pelas conquistas provadas em batalha ou algum outro feito heróico.
III - A EDUCAÇÃO SOCRÁTICO-PLATÔNICA
A educação do homem grego pelo seu próprio esforço foi a tônica do pensamento educacional de Sócrates. Os ensinamentos de Sócrates que escoam nas academias contemporâneamente foram imortalizados nos seus escritos, principalmente pelo mais célebres deles: Platão. Por isso, muitas vezes, há de se falar de um modelo socrático-platônico. Sócrates não deixou produção escrita, sendo retratado pela ótica de Platão[ii], o qual, por sua vez, pode ter “colocado palavras” na boca do seu mestre. No entanto, esta problemática não faz parte deste estudo, apenas a questão educacional no prisma socrático-platônico. “Sócrates é o mais espantoso fenômeno pedagógico da história do Ocidente.” (JAEGER, 2003, p. 512)
A ação educativa de Sócrates, ensina Jaeger (2003, p. 538), é explicada por Platão e Xenofonte através dos seus confrontos com os sofistas. Sócrates não tinha tatno interesse na filosofia da natureza, mas nos problemas dos homens, com se pode ver: “Assim, pois, a redobrada atenção que Sócrates dedica às coisas humanas atua como princípio seletivo no reino dos valores culturais vigentes até então.” (JAEGER, 2003, p. 539) Pretende, então, restruturar uma conexão entre a cultura espiritual com a cultura moral. Sua ação educação política era eminentemente política, pois seus maiores rivais – os sofistas – eram educadores da elite e dos círculos de poder. Caso não houvesse intenção política nos seus ensinamentos, Sócrates não teria chamado atenção na Atenas da época. “A grande novidade que Sócrates trazia era buscar na personalidade, no caráter moral, a medula da existência humana, em geral, e a da vida coletiva, em particular.” (JAEGER, 2003, p. 540)
A partir da ênfase na personalidade, da busca interior dos conhecimentos encravados, porém, adormecidos, Sócrates pretende dar uma noção, aos alunos, de que é necessário autodomínio, para que possam desempenhar suas tarefas com propriedade. Não se trata somente de se submeter às leis, mas de ter algo dentro de si que lhe permita diferenciar o certo do errado, não de maneira mecânica, imposta, mas reflexiva, notadamente filosófica. “Foi graças a Sócrates que o conceito de autodomínio se converteu numa idéia central da nossa cultura ética. Essa idéia concebe a conduta moral como algo que brota do interiro do próprio indivíduo e não como a mera submissão exterior à lei, tal qual a exigia o conceito tradicional de justiça.” (JAEGER, 2003, p. 548)
Despontou a partir de Sócrates um novo conceito de liberdade, que consistia no domínio interior. Em Platão, a versão é a do domínio do espírito sobre o instintos, o que reflete na sua obra política, já que seu Estado tem um conceito puramente interior de justiça, tal como a coincidência do ser humano com a lei que habita dentro de si mesmo, explica Jaeger (2003, p. 549) Assim, em vez da força exterior e da coragem em batalha do modelo homérico, o modelo socrático-platônico salienta a necessidade de uma força interior, somente atingível quando o homem limita seus desejos à esfera do possível, do que ele pode alcançar. “Só o sábio, que sabe dominar os monstros selvagens dos instintos, dentro de si próprio, é verdadeiramente autárquico. É ele quem mais se aproxima da divindade, a qual não tem necessidade.” (JAEGER, 2003, p. 552)
Há uma separação entre o corpo e a alma na consideração socrático-platônica[iii], sendo que o culto ao corpo e ao belo – visto na doutrina homérica – é separado do desenvolvimento do caráter, algo mais atinente à alma. Sócrates tenta esclarecer e elucidar os preconceitos vigentes, mesmo aqueles arraigados pela tradição. O caráter, então, deve ser tratado com esmero
“Sócrates está convencido de que, se eles fosse dada a educação adequada, eles atingiriam por eles próprios as maiores alturas e fariam felizes, ao mesmo tempo, os outros homens. Àqueles que desprezam o saber e tudo confiam às suas qualidades naturais faz compreender que são estas as que mais precisam ser cultivadas, tal como os cavalos e cães de melhor qualidade, que a natureza dotou de raça mais apurada e de melhor temperamento, precisam ser amestrados e disciplinados com o maior rigor desde a nascença; é que se não fossem treinados e disciplinados acabariam por se tornar piores que os outros. São precisamente as naturezas mais bem-dotadas que precisam desenvolver o seu discernimento e o seu juízo crítico, para poderem dar os frutos correspondentes aoseu talento. E aos ricos, que julgam poder desprezar a cultura, abre os olhos para que vejam a inutilidade de uma riqueza que não se sabe empregar ou se emprega para mau fim.” (JAEGER, 2003, p. 558)
Há necessidade premente de se ter, primeiro, noção da própria ignorância, para a partir daí galgar os passos do conhecimento de si próprio, das próprias forças. “Mas, com a prova convincente da ignorância do homem que julga saber, abre o caminho para um conceito do saber fiel ao seu postulado e que constitui realmente a mais profunda força de caráter do homem. A existência desse saber é para Sócrates uma verdade de firmeza absoluta, pois se demonstra ser ela a base de todo o pensamento e de toda a conduta moral, assim que indagamos as premissas destes.” (JAEGER, 2003, p. 565)
A educação desde a mais tenra idade deveria direcionar os novos para o conhecimento de si mesmo e da verdade, sem que houvesse influência e das fábulas baseadas nos mitos, como na etapa homérica, justamente para que pudessem diferenciar a mentira da verdade, a realidade da fantasia. Nas palavras de Platão (2007, p. 67), em A República, Sócrates explica: “É que quem é novo não é capaz de distinguir o que é alegórico do que o não é. Mas a doutrina que aprendeu em tal idade costuma ser indelével e inalterável. Por causa disso, talvez, é que devemos procurar acima de tudo que as primeiras histórias que ouvirem sejam compostas com a maior nobreza possível, orientadas no sentido da virtude.”
IV - OS SOFISTAS E SUA INFLUÊNCIA EDUCACIONAL
Apesar da importância de Sócrates e Platão para a educação, foram os sofistas considerados os fundadores da ciência da educação, estabelecendo os fundamentos da pedagogia. Converteram a educação numa técnica, salienta Jaeger (2003, p. 349), assim como as demais artes, no intuito de serem utilizadas nos diversos compartimentos separados das facetas das vidas dos cidadãos. Os sofistas, segundo Protágoras, eram especialistas na techne política, a ser cultivada e difundida como a verdadeira educação “e o vínculo que conserva unidas a comunidade e a civilização humanas”, nos dizeres de Jaeger. (2003, p. 350) No entanto, nem todos sofistas obtinham posição de destaque na educação de governantes ou algo do tipo. Dessa forma, muitos se satisfaziam em transmitir sua sabedoria. Isso contribuiu deveras para que grande parte dos cidadãos de Atenas fossem, à época, alfabetizados.
“Desde cedo Atenas conseguiu proporcionar educação elementar a todos os cidadãos – ao menos, desde um século antes de Sócrates – e tudo indica que a maioria era alfabetizada. Isso era reflexo da ascensão da democracia. Mas a instrução superior continuava sendo monopólio da aristocracia, até que apareceram os sofistas. Eles provocaram o antagonismo das classes superiores ao ensinarem as artes da retórica – pois a capacidade de falar bem em público era fundamental para a participação política da classe média nos debates da assembléia e na sua ascenção aos cargos mais elevados da administração pública da cidade. Além disso, a retórica era necessária também – talvez mais ainda – para o cidadão defender-se nos tribunais.” (STONE, 2005, p. 64)
Os sofistas plantaram os fundamentos do humanismo, separando poder e o saber técnico e a cultura propriamente dita. A educação humana é ordenada sobre o reino da técnica, ou seja, num sentido mais contemporâneo, da civilização. (JAEGER, 2003, p. 350) A cisão entre religião e cultura se dá na época dos sofistas, que contribuíram, inclusive, para uma idéia mais consistente e consciente de educação, já que a crença nos mitos e divindades começa a se desmoronar. Aí, se faz premente a convicção de uma nova certeza, a consciência da formação humana, cuja tarefa lhe era cabida historicamente. “O ideal da educação humana é para ele a culminação da cultura, no seu sentido mais amplo. Tudo se engloba nela, desde os primeiros esforços do homem para dominar a natureza física até o grau supremo da autoformação do espírito jumano. Nesta profunda e ampla fundamentação do fenômeno educacional, mais uma vez se manifesta a natureza do espírito grego, orientado par aquilo que de universal e total há no ser.” (JAEGER, 2003, p. 365)
Os sofistas estruturaram o sistema de educação superior grego que até hoje exerce influência, como, por exemplo, nos liceus franceses. Essa influência se dá por causa da sua versatilidade e da não exigência de se conhecer o idioma grego. Durante muito tempo a gramática, a dialética e a retórica eram fundamentos da educação formal ocidental. Eram o “trivium”, dos sofistas, que junto ao “quadrivium”[iv], constituiam as sete artes liberais.
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo homérico de educação enfatiza o desenvolvimento de pessoas voltadas para o heroísmo, para a glória da pátria na qual estavam inseridos. A busca do belo, do honrado e da reputação eram mais essenciais que o mundo interior socrático-platônico. Este, por sua vez, pretende que o indivíduo conheça o seu interior, suas fraquezas, de modo a descobrir o conhecimento e poder enfrentar a realidade exterior.
O primeiro modelo é mais cívico que o segundo, no entanto, há de se ressaltar que naquele há um contexto de guerras e inimigo externo, no segundo, o de uma estabilidade política exterior que permite maior reflexão acerca das questões cotidianas, que não os feitios heróicos na guerra. No modelo socrático-platônico, fomenta-se o autodomínio, uma nova visão do conceito de liberdade que passa a ser também uma liberdade de se desvencilhar dos dogmas e preconceitos tradicionais. Antes, a liberdade, em Homero, era a de não ser submetido a outro povo pela conquista.
O modelo sofista, por sua vez, contempla a necessidade de se vislumbrar a educação de um modo profissional, não ao acaso e formulado com base em premissas, de certa maneira, científicas, de modo sistemático e organizado para que os alunos possam enfrentar o cotidiano na “pólis”. Sua particular preocupação em preparar os alunos para a política, como se vê em Protágoras, foi essencial para que as classes médias pudessem disputar os melhores cargos poíticos com a nobreza aristocrática.
Cada modelo, então, possui características posivitas que podem sem ser condensadas e aplicadas na contemporaneidade. Do modelo homérico, se pode falar da necessidade de os alunos sentirem-se parte de algo que seja maior que eles mesmos, a pátria. A pátria seria algo intrínseco à sua personalidade e também uma coação exterior, que lhe servisse de estímulo para o desenvolvimento da sua cidadania.
Com relação ao modelo socrático-platônico, os alunos teriam a possibilidade de analisar criticamente a realidade em seu redor a partir de um posicionamento interior. Não bastaria, somente servir à pátria, mas servir à pátria diante de um propósito racionalmente justificado, sem que houvesse imposição de ordens absurdas ou mesmo irracionais.
Já do modelo sofista, os alunos teriam a noção de que a educação é uma profissão que deve ser levada adiante para a melhoria das condições de vida geral, principalmente pela via política, já que – no atual contexto histórico – a prova de valor pela guerra não teria tantas vantagens quanto na via política. E para tal deveria haver esmero e preparação dos alunos para ingressar na política ou para participar dela, seja de forma mais direta ou mais passiva, como por meio do voto popular.
Não há divisores de águas extremos entre os modelos apresentados. Portanto, há de se aproveitar o que de melhor cada um deles oferece, para que, desse modelo híbrido, os próprios alunos tenham noção de que nem tudo é rígido ou dogmático, mas há uma evolução histórica que necessita ser compreendida – em termos de modelos educacionais – de modo que os passos seguintes sejam mais embasados, evitando os erros do passado.
VI - BIBLIOGRAFIA
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. A disputa em Homero. In: Cinco prefácios de cinco livros não escritos. 3. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2007.
STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[i] “Tudo quanto é baixo, desprezível e falho de nobreza é suprimido do mundo épico. Já os antigos fizeram notar como Homero eleva àquela esfera até as coisas mais insignificantes.” (JAEGER, 2003, p. 69)
[ii] Xenofonte é outro aluno de Sócrates que retrata os ensinamentos do seu mestre em suas obras.
[iii] Posteriormente, Platão formularia sua teoria do mundo das idéias, o que, infelizmente, não será abordado por não ser objeto direto deste estudo.
[iv] Aritimética, geometria, música e astronomia.
Este texto versa suscintamente sobre a questão da educação nos modelos homérico, socrático-platônico e sofista, estabelecendo suas características e contribuições para a educação contemporânea. Não se trata de uma obra de maior fôlego, pois demandaria maios tempo de pesquisa e reflexão acerca dos dados coletados. Apenas, tenta-se trazer à tona discussões acerca dos papéis historicamente desempenhados por esses pensadores no contexto da educação, tentando realizar um liame entre as suas doutrinas para que se possa realizar o debate num nível academicamente aceitável e coerente com a realidade contemporânea.
No primeiro tópico, discorre-se sobre o problema da educação no poeta Homero, que era utilizada pelos gregos para fins didáticos, principalmente a partir das suas obras “Ilíada” e “Odisséia”. Há uma tentativa de explicar o mundo e os acontecimentos a partir de relatos históricos, desvencilhando-se, porém, não totalmente do mito. O homem guerreiro e valoroso que dominava o cenário através de feitos heróicos era um modelo de excelência a ser atingido, em prol não só de si mesmo (pelo reconhecimento dos seus feitos), mas para toda a “pólis” em si.
Em seguida, disserta-se sobre o modelo educacional socrático-platônico. Sócrates não deixou produção escrita, sendo retratado por seus discípulos, em especial Platão. Daí, a dificuldade em se diferenciar o que era do ensinamento original de Sócrates e o que foi difundido pelo Sócrates de Platão. Em vez do domínio do mundo exterior, o modelo socrático-platônico tem como objetivo a conquista do mundo interior, pelo descobrimento de si mesmo, mesmo que isso signifique ignorar a realidade material e as convenções tradicionalmente estabelecidas.
Posteriormente, se escreve sobre a importância dos sofistas na educação, da sua influência na concepção científica desse processo e da sua influência até os dias atuais. Não se pretendeu abordar aspectos do conflito entre Sócrates e os sofistas, mesmo porque muitas das concepões a respeito destes últimos são carregadas de preconceitos.
II - A EDUCAÇÃO HOMÉRICA
Homero tido historicamente como o primeiro grande poeta grego teria vivido em no século IX a. C., concomitantemente ao surgimento da escrita na Grécia antiga. Suas principais obras são “Ilíada” e “Odisséia”, a primeira sobre a guerra entre grego e troianos e a segunda, sobre o retorno do rei Odisseu da guerra de Tróia para Ítaca. No entendimento de Werner Jaeger (2003, p. 43), a poesia de Homero posicionou-o como o primeiro grande modelador da humanidade grega. A primordial preocupação com a poesia, no entanto, era a estética, a questão ética era acidental, subseqüente. “É claro que essa frivolidade artística deliberada tem por sua vez efeitos ‘éticos’, pois desmascara sem qualquer consideração os valores falsos e convencionais, e atua como uma crítica purificadora.” (JAEGER, 2003, p. 44)
Ensina Jaeger que Homero se utilizava do mito para exemplificar e explicar situações inúmeras do cotidiano da época, principalmente na considerações de ordem moral. Em Homero, a ética é aristocrática[i], tendo em vista que exalta os feitos dos guerreiros – geralmente oriundos da nobreza –, mesmo que implique num auto-sacrifício, mas realizado em nome de um ideal maior, a soberania da polis, numa comunidade de cidadãos comuns entre si, mas que, de certa maneira, ignoravam o outro, o bárbaro, o não civilizado. Como se explica isso? “A expressão-chave aqui é ‘homens de outras terras’. As leis da comunidade civilizada só se aplicam dentro dela. Fora de seus domínios, outras terras podem ser livremente saqueadas. O que foi a guerra de Tróia senão uma gigantesca operação de saque? Na verdade, a lei e a ordem dentro da comunidade podem ter o efeito de intensificar a selvageria reprimida dessa comunidade. A guerra talvez seja uma maneira positiva de liberar os impulsos selvagens fora da comunidade, como especulou Freud após a carnificina da Primeira Guerra Mundial em seu ensaio O mal-estar na civilização. Freud acreditava que os impulsos anárquicos que os homens reprimem para possibilitar a vida em comunidade encontram válvula de escape na mortandade em massa da guerra.” (STONE, 2005. p. 47)
O objetivo da educação era o bem de todos e não apenas a glória pessoal, como ser verificava inclusive nos jogos e competições. “Desde a infância, cada grego percebia em si o desejo ardente de, na competição entre cidades, ser um instrumento para a consagração da sua cidade: isso acendia o seu egoísmo, mas, ao mesmo tempo, o refreava e limitava. Por isso, os indivíduos da Antigüidade eram mais livres, porque seus objetivos eram mais próximos e alcançáveis. O homem moderno, ao contrário, tem a infinidade cruzando o seu caminho em toda parte, como o veloz Aquiles na parábola do eleata Zenão: a infinidade o obstrui, ele nunca alcança a tartaruga.” (NIETZSCHE, 2005, p. 73)
Importante notar que Homero tem um pensamento “filosófico” acerca da natureza humana e das leis eternas que governam o mundo, tentando abarcar tudo que é essencial à vida humana, pois, de acordo com Jaeger (2003, p. 76-77), “contempla todo o conhecimento particular à luz do seu conhecimento geral das coisas”. Preliminarmente, pode-se dizer que a educação, em Homero, visa moldar a comunidade segundo as qualidades de destreza e heroísmo cunhadas na aristocracia. A “arete” homérica visa a ética acidentalmente, mas essencialmente busca o belo, a realização do cidadão pela integração ao ideal da “pólis”, de se fundir com o “télos” vigente pelas conquistas provadas em batalha ou algum outro feito heróico.
III - A EDUCAÇÃO SOCRÁTICO-PLATÔNICA
A educação do homem grego pelo seu próprio esforço foi a tônica do pensamento educacional de Sócrates. Os ensinamentos de Sócrates que escoam nas academias contemporâneamente foram imortalizados nos seus escritos, principalmente pelo mais célebres deles: Platão. Por isso, muitas vezes, há de se falar de um modelo socrático-platônico. Sócrates não deixou produção escrita, sendo retratado pela ótica de Platão[ii], o qual, por sua vez, pode ter “colocado palavras” na boca do seu mestre. No entanto, esta problemática não faz parte deste estudo, apenas a questão educacional no prisma socrático-platônico. “Sócrates é o mais espantoso fenômeno pedagógico da história do Ocidente.” (JAEGER, 2003, p. 512)
A ação educativa de Sócrates, ensina Jaeger (2003, p. 538), é explicada por Platão e Xenofonte através dos seus confrontos com os sofistas. Sócrates não tinha tatno interesse na filosofia da natureza, mas nos problemas dos homens, com se pode ver: “Assim, pois, a redobrada atenção que Sócrates dedica às coisas humanas atua como princípio seletivo no reino dos valores culturais vigentes até então.” (JAEGER, 2003, p. 539) Pretende, então, restruturar uma conexão entre a cultura espiritual com a cultura moral. Sua ação educação política era eminentemente política, pois seus maiores rivais – os sofistas – eram educadores da elite e dos círculos de poder. Caso não houvesse intenção política nos seus ensinamentos, Sócrates não teria chamado atenção na Atenas da época. “A grande novidade que Sócrates trazia era buscar na personalidade, no caráter moral, a medula da existência humana, em geral, e a da vida coletiva, em particular.” (JAEGER, 2003, p. 540)
A partir da ênfase na personalidade, da busca interior dos conhecimentos encravados, porém, adormecidos, Sócrates pretende dar uma noção, aos alunos, de que é necessário autodomínio, para que possam desempenhar suas tarefas com propriedade. Não se trata somente de se submeter às leis, mas de ter algo dentro de si que lhe permita diferenciar o certo do errado, não de maneira mecânica, imposta, mas reflexiva, notadamente filosófica. “Foi graças a Sócrates que o conceito de autodomínio se converteu numa idéia central da nossa cultura ética. Essa idéia concebe a conduta moral como algo que brota do interiro do próprio indivíduo e não como a mera submissão exterior à lei, tal qual a exigia o conceito tradicional de justiça.” (JAEGER, 2003, p. 548)
Despontou a partir de Sócrates um novo conceito de liberdade, que consistia no domínio interior. Em Platão, a versão é a do domínio do espírito sobre o instintos, o que reflete na sua obra política, já que seu Estado tem um conceito puramente interior de justiça, tal como a coincidência do ser humano com a lei que habita dentro de si mesmo, explica Jaeger (2003, p. 549) Assim, em vez da força exterior e da coragem em batalha do modelo homérico, o modelo socrático-platônico salienta a necessidade de uma força interior, somente atingível quando o homem limita seus desejos à esfera do possível, do que ele pode alcançar. “Só o sábio, que sabe dominar os monstros selvagens dos instintos, dentro de si próprio, é verdadeiramente autárquico. É ele quem mais se aproxima da divindade, a qual não tem necessidade.” (JAEGER, 2003, p. 552)
Há uma separação entre o corpo e a alma na consideração socrático-platônica[iii], sendo que o culto ao corpo e ao belo – visto na doutrina homérica – é separado do desenvolvimento do caráter, algo mais atinente à alma. Sócrates tenta esclarecer e elucidar os preconceitos vigentes, mesmo aqueles arraigados pela tradição. O caráter, então, deve ser tratado com esmero
“Sócrates está convencido de que, se eles fosse dada a educação adequada, eles atingiriam por eles próprios as maiores alturas e fariam felizes, ao mesmo tempo, os outros homens. Àqueles que desprezam o saber e tudo confiam às suas qualidades naturais faz compreender que são estas as que mais precisam ser cultivadas, tal como os cavalos e cães de melhor qualidade, que a natureza dotou de raça mais apurada e de melhor temperamento, precisam ser amestrados e disciplinados com o maior rigor desde a nascença; é que se não fossem treinados e disciplinados acabariam por se tornar piores que os outros. São precisamente as naturezas mais bem-dotadas que precisam desenvolver o seu discernimento e o seu juízo crítico, para poderem dar os frutos correspondentes aoseu talento. E aos ricos, que julgam poder desprezar a cultura, abre os olhos para que vejam a inutilidade de uma riqueza que não se sabe empregar ou se emprega para mau fim.” (JAEGER, 2003, p. 558)
Há necessidade premente de se ter, primeiro, noção da própria ignorância, para a partir daí galgar os passos do conhecimento de si próprio, das próprias forças. “Mas, com a prova convincente da ignorância do homem que julga saber, abre o caminho para um conceito do saber fiel ao seu postulado e que constitui realmente a mais profunda força de caráter do homem. A existência desse saber é para Sócrates uma verdade de firmeza absoluta, pois se demonstra ser ela a base de todo o pensamento e de toda a conduta moral, assim que indagamos as premissas destes.” (JAEGER, 2003, p. 565)
A educação desde a mais tenra idade deveria direcionar os novos para o conhecimento de si mesmo e da verdade, sem que houvesse influência e das fábulas baseadas nos mitos, como na etapa homérica, justamente para que pudessem diferenciar a mentira da verdade, a realidade da fantasia. Nas palavras de Platão (2007, p. 67), em A República, Sócrates explica: “É que quem é novo não é capaz de distinguir o que é alegórico do que o não é. Mas a doutrina que aprendeu em tal idade costuma ser indelével e inalterável. Por causa disso, talvez, é que devemos procurar acima de tudo que as primeiras histórias que ouvirem sejam compostas com a maior nobreza possível, orientadas no sentido da virtude.”
IV - OS SOFISTAS E SUA INFLUÊNCIA EDUCACIONAL
Apesar da importância de Sócrates e Platão para a educação, foram os sofistas considerados os fundadores da ciência da educação, estabelecendo os fundamentos da pedagogia. Converteram a educação numa técnica, salienta Jaeger (2003, p. 349), assim como as demais artes, no intuito de serem utilizadas nos diversos compartimentos separados das facetas das vidas dos cidadãos. Os sofistas, segundo Protágoras, eram especialistas na techne política, a ser cultivada e difundida como a verdadeira educação “e o vínculo que conserva unidas a comunidade e a civilização humanas”, nos dizeres de Jaeger. (2003, p. 350) No entanto, nem todos sofistas obtinham posição de destaque na educação de governantes ou algo do tipo. Dessa forma, muitos se satisfaziam em transmitir sua sabedoria. Isso contribuiu deveras para que grande parte dos cidadãos de Atenas fossem, à época, alfabetizados.
“Desde cedo Atenas conseguiu proporcionar educação elementar a todos os cidadãos – ao menos, desde um século antes de Sócrates – e tudo indica que a maioria era alfabetizada. Isso era reflexo da ascensão da democracia. Mas a instrução superior continuava sendo monopólio da aristocracia, até que apareceram os sofistas. Eles provocaram o antagonismo das classes superiores ao ensinarem as artes da retórica – pois a capacidade de falar bem em público era fundamental para a participação política da classe média nos debates da assembléia e na sua ascenção aos cargos mais elevados da administração pública da cidade. Além disso, a retórica era necessária também – talvez mais ainda – para o cidadão defender-se nos tribunais.” (STONE, 2005, p. 64)
Os sofistas plantaram os fundamentos do humanismo, separando poder e o saber técnico e a cultura propriamente dita. A educação humana é ordenada sobre o reino da técnica, ou seja, num sentido mais contemporâneo, da civilização. (JAEGER, 2003, p. 350) A cisão entre religião e cultura se dá na época dos sofistas, que contribuíram, inclusive, para uma idéia mais consistente e consciente de educação, já que a crença nos mitos e divindades começa a se desmoronar. Aí, se faz premente a convicção de uma nova certeza, a consciência da formação humana, cuja tarefa lhe era cabida historicamente. “O ideal da educação humana é para ele a culminação da cultura, no seu sentido mais amplo. Tudo se engloba nela, desde os primeiros esforços do homem para dominar a natureza física até o grau supremo da autoformação do espírito jumano. Nesta profunda e ampla fundamentação do fenômeno educacional, mais uma vez se manifesta a natureza do espírito grego, orientado par aquilo que de universal e total há no ser.” (JAEGER, 2003, p. 365)
Os sofistas estruturaram o sistema de educação superior grego que até hoje exerce influência, como, por exemplo, nos liceus franceses. Essa influência se dá por causa da sua versatilidade e da não exigência de se conhecer o idioma grego. Durante muito tempo a gramática, a dialética e a retórica eram fundamentos da educação formal ocidental. Eram o “trivium”, dos sofistas, que junto ao “quadrivium”[iv], constituiam as sete artes liberais.
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo homérico de educação enfatiza o desenvolvimento de pessoas voltadas para o heroísmo, para a glória da pátria na qual estavam inseridos. A busca do belo, do honrado e da reputação eram mais essenciais que o mundo interior socrático-platônico. Este, por sua vez, pretende que o indivíduo conheça o seu interior, suas fraquezas, de modo a descobrir o conhecimento e poder enfrentar a realidade exterior.
O primeiro modelo é mais cívico que o segundo, no entanto, há de se ressaltar que naquele há um contexto de guerras e inimigo externo, no segundo, o de uma estabilidade política exterior que permite maior reflexão acerca das questões cotidianas, que não os feitios heróicos na guerra. No modelo socrático-platônico, fomenta-se o autodomínio, uma nova visão do conceito de liberdade que passa a ser também uma liberdade de se desvencilhar dos dogmas e preconceitos tradicionais. Antes, a liberdade, em Homero, era a de não ser submetido a outro povo pela conquista.
O modelo sofista, por sua vez, contempla a necessidade de se vislumbrar a educação de um modo profissional, não ao acaso e formulado com base em premissas, de certa maneira, científicas, de modo sistemático e organizado para que os alunos possam enfrentar o cotidiano na “pólis”. Sua particular preocupação em preparar os alunos para a política, como se vê em Protágoras, foi essencial para que as classes médias pudessem disputar os melhores cargos poíticos com a nobreza aristocrática.
Cada modelo, então, possui características posivitas que podem sem ser condensadas e aplicadas na contemporaneidade. Do modelo homérico, se pode falar da necessidade de os alunos sentirem-se parte de algo que seja maior que eles mesmos, a pátria. A pátria seria algo intrínseco à sua personalidade e também uma coação exterior, que lhe servisse de estímulo para o desenvolvimento da sua cidadania.
Com relação ao modelo socrático-platônico, os alunos teriam a possibilidade de analisar criticamente a realidade em seu redor a partir de um posicionamento interior. Não bastaria, somente servir à pátria, mas servir à pátria diante de um propósito racionalmente justificado, sem que houvesse imposição de ordens absurdas ou mesmo irracionais.
Já do modelo sofista, os alunos teriam a noção de que a educação é uma profissão que deve ser levada adiante para a melhoria das condições de vida geral, principalmente pela via política, já que – no atual contexto histórico – a prova de valor pela guerra não teria tantas vantagens quanto na via política. E para tal deveria haver esmero e preparação dos alunos para ingressar na política ou para participar dela, seja de forma mais direta ou mais passiva, como por meio do voto popular.
Não há divisores de águas extremos entre os modelos apresentados. Portanto, há de se aproveitar o que de melhor cada um deles oferece, para que, desse modelo híbrido, os próprios alunos tenham noção de que nem tudo é rígido ou dogmático, mas há uma evolução histórica que necessita ser compreendida – em termos de modelos educacionais – de modo que os passos seguintes sejam mais embasados, evitando os erros do passado.
VI - BIBLIOGRAFIA
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. A disputa em Homero. In: Cinco prefácios de cinco livros não escritos. 3. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2007.
STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[i] “Tudo quanto é baixo, desprezível e falho de nobreza é suprimido do mundo épico. Já os antigos fizeram notar como Homero eleva àquela esfera até as coisas mais insignificantes.” (JAEGER, 2003, p. 69)
[ii] Xenofonte é outro aluno de Sócrates que retrata os ensinamentos do seu mestre em suas obras.
[iii] Posteriormente, Platão formularia sua teoria do mundo das idéias, o que, infelizmente, não será abordado por não ser objeto direto deste estudo.
[iv] Aritimética, geometria, música e astronomia.
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