A palavra ética é polêmica. Muitas vezes, se utiliza dela sem que se tenha noção mais profunda do seu signficado. Usa-se e se abusa da ética para justificar, ou não, os mandos, desmandos, ou, ainda, desqualificar alguém. Em vez de argumentar lógica e racionalmente, é mais fácil xingar o outro de “anti-ético”. Mas como se não bastasse isso, há outros termos utilizados como sinônimo da ética em várias ocasiões. Um deles é a moral. Qual a diferença entre ética e moral? São a mesma coisa, ou cada uma tem particularidades que diferenciam o seu emprego, uma ou outra vez?
Não há consenso na doutrina. Uns dizem que ética é diferente de moral. Outros, que ética é a mesma coisa que moral. O que fazer diante desse dilema? Referenciar-se aos autores, é claro. Numa dessas definições, ética é a ciência, ou parte da filosofia, que tem com como objeto de estudo a moral. Então, se ética é ciência, deve ter como requisitos a neutralidade, a imparcialidade, a independência, a generalidade e a objetividade típicas do conhecimento científico.
A ética, portanto, não fornece respostas acerca da correção, ou não, de uma conduta ou intenção. Ela reflete sobre essa conduta ou intenção. Formula o porquê daquilo que se faz ser certo, ou errado. Os problemas éticos são eminentemente problemas teóricos. Dessa maneira, ética é teoria.
Por outro lado, a moral, objeto de estudo da ética, bebe na fonte da realidade em que se vive. Moral é um conjunto de princípios, normas, valores e condutas tido como obrigatório numa determinada sociedade e num determinado período de tempo. Nasce espontaneamente na sociedade e muitas vezes não é escrita, com exceção das morais religiosas baseadas em livros sagrados como a Bíblia, o Alcorão e a Torá. A moral é rica, variando de povo para povo e de geração para geração.
Devido a essa diversidade, o que é tido como moral numa comunidade pode ser considerado imoral em outra. E vice-versa. Ou, ainda, o que é considerado moral hoje pode ser considerado imoral daqui uns dez anos. E vice-versa. Aos exemplos. Usar minissaia no Brasil contemporâneo é algo considerado normal, porém, seria inimaginável em alguns países islâmicos, nos quais a liberdade da mulher é restringida a quase extremos. Mas e se fosse no tempo dos seus bisavôs? Essa mesma sociedade brasileira, de uns tempos atrás, consideraria o uso da minissaia imoral e inaceitável. Mesmo hoje dependendo do local onde se transita não é de bom tom usar minissaia. Causaria um frisson danado uma promotora de Justiça ou uma juíza de Direito andando, pelo fórum, de minissaia ou com uma blusa decotada.
Da mesma maneira, seria mais apropriado se dizer moral religiosa, em vez de ética religiosa. Pois a ética, como ciência, teria como pressupostos os requisitos já citados acima, e que não combinariam com a parcialidade e a particularidade das religiões. As religiões são abrangentes, ou seja, procuram explicar o mundo a partir do ponto de vista da sua moral, que, para cada uma delas, é “invencível”, inquestionável e indubitável.
Quantas vezes, ao se tentar impor uma moral abrangente sobre os de outra moral abrangente, ocorrem guerras? Eis as guerras de religião como exemplo. Um protestante dizer a um católico que o culto às imagens não serve coisa alguma decerto é pedir para brigar. E nessa briga uma agressão leva a outra e tudo, pasmem, justificado em nome da fé, ou de Deus.
A ética estuda esses problemas a partir de métodos científicos e filosóficos, sem “puxar sardinha” para um lado ou outro, mas com uma tentativa de explicar objetivamente as condutas que ganham significado moral.
O que o Direito tem a ver com isso? Direito, também como a moral, serve para regular comportamentos. Porém, é uma organização de força. Que raios seria isso? O Estado contemporâneo é possuidor do monopólio do uso da força. Só o Estado pode aplicar a força para reprimir ou prevenir condutas tidas como indesejáveis. Justamente por causa disso, há um limite ao uso da força para se evitar arbitrariedade por parte de quem está no poder. Esse limite é o princípio da legalidade, ou seja, o Estado só pode fazer aquilo que está prescrito em Lei.
Diferentemente da moral, o Direito é emanado de autoridade estatal competente, embasado principalmente na lei em sentido amplo, para regular os comportamentos tidos como mais “importantes”. Numa acepção mais simples, o Direito varia de País para País, constituindo-se de um sistema ordenado de normas estatais impostas coercitivamente à observância de todos, sob pena de sanção, em caso de desobediência.
Se na moral, a sanção – a punição, ou castigo – é optativa, no Direito ela o é – via de regra – obrigatória. E qual seria a punição, na moral? Bom, poderia ser uma reprimenda, um sermão, um “gelo”, sem jamais, no entanto, restringir os direitos da pessoa, como no caso do Direito. A sanção jurídica só pode ser imposta por autoridade estatal competente para tal intento: o Poder Judiciário. A sanção moral é aplicada por qualquer um da sociedade, ou por qualquer um tido como autoridade moral daquela sociedade.
Exemplo. João intencionalmente mata Pedro com uma facada. João é condenado e preso pelo crime de homicídio simples. Essa conduta é proibida pelo artigo 121 do Código Penal Brasileiro, cuja pena é a reclusão (prisão) de 6 a 20 anos. Neste caso, o castigo só poderá ser aplicado a João pelo Poder Judiciário, depois de ter ocorrido um processo judicial, em cujo final tenha sido condenado. A sociedade não pode “julgar”, muito menos condenar em João nesse caso.
Veja agora. José, de 10 anos, e Pedro, de 12 anos, são irmãos. João dá uma paulada em Pedro. A mãe deles, Joana, vê o ocorrido e resolve não deixar barato. Dá uma chinelada em José e o deixa de castigo. O pai dos meninos, Marcos, diz que o castigo dado pela mãe foi brando, o melhor seria dar uma cintada e botá-lo ajoelhado no milho. O avô dos garotos, Joaquim, na sua sabedoria de idoso, apenas sorri e aconselha os pais a não aplicarem castigo algum ao garoto, pois isso seria apenas coisa de criança.
No primeiro exemplo, a sanção deve ser obrigatoriamente imposta a João, porque este cometeu homicídio. Isso foi devidamente apurado por um processo judicial devidamente constituído, segundo os parâmetros constitucionais e legais. E, segundo a legislação, não é caso de perdoá-lo, mas de aplicar uma pena de prisão. Já no segundo, no entanto, José pode ser punido, ou não, segundo os critérios variados das “autoridades morais” subjacentes à questão.
Sacou, cara?
Não há consenso na doutrina. Uns dizem que ética é diferente de moral. Outros, que ética é a mesma coisa que moral. O que fazer diante desse dilema? Referenciar-se aos autores, é claro. Numa dessas definições, ética é a ciência, ou parte da filosofia, que tem com como objeto de estudo a moral. Então, se ética é ciência, deve ter como requisitos a neutralidade, a imparcialidade, a independência, a generalidade e a objetividade típicas do conhecimento científico.
A ética, portanto, não fornece respostas acerca da correção, ou não, de uma conduta ou intenção. Ela reflete sobre essa conduta ou intenção. Formula o porquê daquilo que se faz ser certo, ou errado. Os problemas éticos são eminentemente problemas teóricos. Dessa maneira, ética é teoria.
Por outro lado, a moral, objeto de estudo da ética, bebe na fonte da realidade em que se vive. Moral é um conjunto de princípios, normas, valores e condutas tido como obrigatório numa determinada sociedade e num determinado período de tempo. Nasce espontaneamente na sociedade e muitas vezes não é escrita, com exceção das morais religiosas baseadas em livros sagrados como a Bíblia, o Alcorão e a Torá. A moral é rica, variando de povo para povo e de geração para geração.
Devido a essa diversidade, o que é tido como moral numa comunidade pode ser considerado imoral em outra. E vice-versa. Ou, ainda, o que é considerado moral hoje pode ser considerado imoral daqui uns dez anos. E vice-versa. Aos exemplos. Usar minissaia no Brasil contemporâneo é algo considerado normal, porém, seria inimaginável em alguns países islâmicos, nos quais a liberdade da mulher é restringida a quase extremos. Mas e se fosse no tempo dos seus bisavôs? Essa mesma sociedade brasileira, de uns tempos atrás, consideraria o uso da minissaia imoral e inaceitável. Mesmo hoje dependendo do local onde se transita não é de bom tom usar minissaia. Causaria um frisson danado uma promotora de Justiça ou uma juíza de Direito andando, pelo fórum, de minissaia ou com uma blusa decotada.
Da mesma maneira, seria mais apropriado se dizer moral religiosa, em vez de ética religiosa. Pois a ética, como ciência, teria como pressupostos os requisitos já citados acima, e que não combinariam com a parcialidade e a particularidade das religiões. As religiões são abrangentes, ou seja, procuram explicar o mundo a partir do ponto de vista da sua moral, que, para cada uma delas, é “invencível”, inquestionável e indubitável.
Quantas vezes, ao se tentar impor uma moral abrangente sobre os de outra moral abrangente, ocorrem guerras? Eis as guerras de religião como exemplo. Um protestante dizer a um católico que o culto às imagens não serve coisa alguma decerto é pedir para brigar. E nessa briga uma agressão leva a outra e tudo, pasmem, justificado em nome da fé, ou de Deus.
A ética estuda esses problemas a partir de métodos científicos e filosóficos, sem “puxar sardinha” para um lado ou outro, mas com uma tentativa de explicar objetivamente as condutas que ganham significado moral.
O que o Direito tem a ver com isso? Direito, também como a moral, serve para regular comportamentos. Porém, é uma organização de força. Que raios seria isso? O Estado contemporâneo é possuidor do monopólio do uso da força. Só o Estado pode aplicar a força para reprimir ou prevenir condutas tidas como indesejáveis. Justamente por causa disso, há um limite ao uso da força para se evitar arbitrariedade por parte de quem está no poder. Esse limite é o princípio da legalidade, ou seja, o Estado só pode fazer aquilo que está prescrito em Lei.
Diferentemente da moral, o Direito é emanado de autoridade estatal competente, embasado principalmente na lei em sentido amplo, para regular os comportamentos tidos como mais “importantes”. Numa acepção mais simples, o Direito varia de País para País, constituindo-se de um sistema ordenado de normas estatais impostas coercitivamente à observância de todos, sob pena de sanção, em caso de desobediência.
Se na moral, a sanção – a punição, ou castigo – é optativa, no Direito ela o é – via de regra – obrigatória. E qual seria a punição, na moral? Bom, poderia ser uma reprimenda, um sermão, um “gelo”, sem jamais, no entanto, restringir os direitos da pessoa, como no caso do Direito. A sanção jurídica só pode ser imposta por autoridade estatal competente para tal intento: o Poder Judiciário. A sanção moral é aplicada por qualquer um da sociedade, ou por qualquer um tido como autoridade moral daquela sociedade.
Exemplo. João intencionalmente mata Pedro com uma facada. João é condenado e preso pelo crime de homicídio simples. Essa conduta é proibida pelo artigo 121 do Código Penal Brasileiro, cuja pena é a reclusão (prisão) de 6 a 20 anos. Neste caso, o castigo só poderá ser aplicado a João pelo Poder Judiciário, depois de ter ocorrido um processo judicial, em cujo final tenha sido condenado. A sociedade não pode “julgar”, muito menos condenar em João nesse caso.
Veja agora. José, de 10 anos, e Pedro, de 12 anos, são irmãos. João dá uma paulada em Pedro. A mãe deles, Joana, vê o ocorrido e resolve não deixar barato. Dá uma chinelada em José e o deixa de castigo. O pai dos meninos, Marcos, diz que o castigo dado pela mãe foi brando, o melhor seria dar uma cintada e botá-lo ajoelhado no milho. O avô dos garotos, Joaquim, na sua sabedoria de idoso, apenas sorri e aconselha os pais a não aplicarem castigo algum ao garoto, pois isso seria apenas coisa de criança.
No primeiro exemplo, a sanção deve ser obrigatoriamente imposta a João, porque este cometeu homicídio. Isso foi devidamente apurado por um processo judicial devidamente constituído, segundo os parâmetros constitucionais e legais. E, segundo a legislação, não é caso de perdoá-lo, mas de aplicar uma pena de prisão. Já no segundo, no entanto, José pode ser punido, ou não, segundo os critérios variados das “autoridades morais” subjacentes à questão.
Sacou, cara?
* Texto baseado no livro Ética, de Adolfo Sánchez Vázquez, 25 ed. Civilização Brasileira, 2004, para fins meramente ilustrativos, sem maiores preocupações com rigores doutrinários ou metodológicos.
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