Cisnes moribundos e asas quebradas. Testemunho o sofrimento das aves em circunstâncias bizarras e me surge um sentimento que mescla, pari passu, o horror e a curiosidade. Pergunto a mim mesmo: - Meu Deus, o que fiz para estar aqui? - Neste lugar, a beleza não é necessária, nem mesmo como elemento acessório das ilusões que permeiam as fantasias dos sonhos de esperança de alcançar uma vida melhor, física e metafisicamente. Estou aqui, isolado, sem meu amor e sem minha vida. Presenciei de tudo um pouco durante minha existência terrestre, mas nunca vi algo como este lugar. Suplico, do fundo das entranhas, que a deusa do amor - por piedade - me leve de volta para casa. Não suporto mais ficar neste recinto.
Nesta casa selvagem, de culto à dor, que não tem sentido algum, os seres são transformados em criaturas sem vontade própria ou desejo de agirem por si mesmos. De unidades orgânicas, individuais e autônomas, somos convertidos em máquinas de carne e aço inoxidável, com microchipes implantados - sem anestesia - em nossos sistemas nervosos, para que nos lembremos eternamente do sofrimento a que seríamos submetidos se desafiássemos a ordem deste fantástico novo mundo.
Agora, somos unidades teleológicas, com apenas um fim: servir e obedecer as regras deste mundo. O que ainda me resta de mim mesmo reza para que tudo isso não seja real, apenas o fruto de um pesadelo cruel. Minha mente foi isolada, silenciada e imbecilizada para fazer sentido somente em estado de massa. Neste emaranhado de sensações, para aderirmos à perfeição da coletividade, vendemos nossas almas, para suportarmos a idéia de tudo mais está perdido. Aqui, dragões são reis e as rainhas beiram à morte. E tudo isso é muito diferente daquilo que eu tinha planejado anteriormente. Onde está minha salvação, agora?
Nesta colônia tecnológica e perfeita, perdi minha vida e meus sonhos. Meus ossos foram arrancados da minha carne. O governantes, indiferentes com relação à violação dos nossos corpos e integridade moral, vangloriam-se com a edificação de um sistema perfeito, para ordenar este fantástico mundo que se inicia. O controle sobre as vontades é geral, portanto, as questões pessoais são suprimidas para dar vazão às determinações do Estado e da coletividade. Tipo bastardo de governo, esta tirania, que condena seus cidadãos, desde a concepção original, à maldição.
Consegui encontrar uma brecha no ordenamento social. Puramente pelo acaso, sofri uma descarga elétrica na cabeça, por um agente do órgão de repressão do Estado, por não estar devidamente na fila, quando fui prestar o depoimento semanal das minhas atividades aos assessores dos governantes. Foi durante a saída que um cassetete cromado, em trajetória descendente, me acertou e provocou faíscas ao contato com meu crânio. Caso ocorresse no início do processo, eu seria fatalmente reprogramado após o interrogatório. Uma falha do sistema bastou para recuperar meu eu, novamente. Desmaiei e acordei confuso. Senti-me senhor de mim mesmo, como antigamente.
Ainda meio alheio, dei um largo passeio por este fantástico mundo novo, observei tudo e me dei conta da violência que tinha sofrido. Os monitores logo descobriram minha falha de programação e passaram a me perseguir. Construí um esconderijo e procurei informações sobre o passado, me enfocando particularmente na música. No começo do século XXI, a música foi enquadrada pelos governantes como crime social, por acreditarem que possuía teor altamente subversivo, sendo assim altamente perigosa para a existência e manutenção da coletividade.
Depois de pesquisar muito, sempre escondido, me desloquei a um sítio arqueológico. No luar da madrugada, encontrei revistas de música e equipamentos. Coloquei o que pude na minha célula de transporte. Hoje, consigo decifrar o idioma arcaico das publicações e ensaio os primeiros acordes e solos naquilo que descobri ser uma guitarra. Uma banda de rock, Iron Maiden, já havia previsto o desastre que instituiu esta tirania coletivista que deturpa aos extremos os ideais de igualdade. Este é o começo da resistência, que colocará um fim neste fantástico novo mundo, e a música será sua maior e mais eficaz arma, para despertar os corações congelados pela apatia. Agora, só falta encontrar outras pessoas, recrutá-las e montar uma banda.
* Este conto foi baseado na música "Brave New World", do CD "Brave New World", do conjunto britânico Iron Maiden.
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