segunda-feira, 1 de abril de 2019

PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL: DAS PESSOAS NATURAIS



Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

                    O Código Civil de 2002 (CC) disciplina grande parte das relações sociais de pessoa a pessoa, sejam físicas ou jurídicas, que produzem efeitos jurídicos. O Livro I da Parte Geral do CC versa sobre pessoas naturais, pessoas jurídicas e domicílio.

                    O Título I “Das pessoas naturais” é dividido em três capítulos: personalidade, capacidade, direitos da personalidade e ausência.

                   
PERSONALIDADE

                    Todo ser humano, ao nascer, adquire personalidade jurídica, um conceito intrínseco ao de pessoa. Personalidade é a aptidão genérica para ser titular de direitos e obrigações. “A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade. É qualidade jurídica que se revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres”, ensina Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 98).

                    Nem sempre todos os seres humanos eram providos de capacidade. Os escravos, por exemplo, eram tidos como coisas, objetos de direito, e não pessoas dotadas de personalidade. Vergonhosamente, o Brasil foi o penúltimo país a abolir a escravidão.

                    O fato de hoje todo o ser humano ser dotado de personalidade é uma conquista histórica da humanidade, independentemente de cor, credo, raça, religião, gênero, posicionamento ideológico, dentre outras questões.

                    O Código Civil de 2002 preceitua:

Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.”

                    Aqui, cabe um adendo. Há uma diferença entre o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo. O Direito Objetivo é a norma produzida pelo Estado, também chamada de “norma agendi”. “O Direito Subjetivo (“facultas agendi”) consiste numa relação jurídica que se estabelece entre um sujeito ativo, titular desse direito, e um sujeito passivo ou vários sujeitos passivos, gerando uma prerrogativa para o primeiro em face destes”, narra Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 101).

                    Para este autor, relação jurídica é toda “relação da vida regulada pelo direito”. O sujeito da relação jurídica é o ser humano. Quem vive isoladamente, sem o convívio de quem quer que seja, não se subordina a uma ordem jurídica.

                    “Ubi societas ibi jus, ubi jus ibi societas”, diziam os romanos. Traduzindo: “Onde está a sociedade está o direito. Onde está o Direito está a sociedade.”

                    Num primeiro momento, os animais não são considerados sujeitos de diretos, contudo, não significa que estão desprovidos de proteção jurídica. Hoje, no Brasil, são considerados bens semoventes (podem se movimentar sozinhos), nos termos do artigo 82 do CC.

                    Na França, os animais, a partir de uma alteração recente do Código Civil, passaram a ser considerados seres sencientes. Ou seja, são seres dotados de sensibilidade, quer dizer, de sentir prazer ou dor.

                    Do latim “persona”, que significava “máscara”, originou-se a palavra pessoa. Era usado pelos atores romanos e fazia ressonar a voz de uma pessoa. Mais tarde, passou a significar o papel de cada ator. Posteriormente, a própria pessoa que representava o papel. “No Direito Moderno, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito da relação jurídica”, fala Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 102).

                    No Direito, há dois tipos de pessoas: pessoa natural ou física e pessoa jurídica.


PESSOA NATURAL

                    O Título I do Livro I do Código Civil de 2002 é intitulado “Das pessoas naturais”. Porém, a doutrina critica essa denominação, visto que as pessoas podem ser naturais ou jurídicas. Aliás, o próprio art. 1º do CC está redigido da seguinte forma: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”

                    Quando se fala de pessoa, neste artigo, abrange-se tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica.

                    Na legislação tributária brasileira, assim como na França e na Itália, dentre outros países, utiliza-se o termo “pessoa física”. Contudo, a doutrina diz ser essa nomenclatura não muito correta.

A nomenclatura ‘pessoa natural’ revela-se assim, a mais adequada, como reconhece a doutrina em geral, por designar o ser humano tal como ele é, com todos os predicados que integram a sua individualidade.
Pessoa natural é o ‘ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigaçoes’. Para qualquer pessoa ser assim designada, basta nascer com vida e, desse modo, adquirir personalidade. (GONÇALVES, 2019, p. 104)


INÍCIO DA PERSONALIDADE NATURAL

                    “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, prescreve o art. 2º do CC. Considera-se nascida com vida (com a separação dela do ventre materno por qualquer tipo de parto) se ela respirou.

                    No Código Civil espanhol, para adquirir a personalidade o feto deve ter a figura humana, afirma Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 105), “não seja um monstro, fixando, ainda, no art. 30, um prazo de 24 horas de vida, de inteira separação do corpo materno”.

                    No Direito Civil francês e holandês, é necessário que o recém-nascido seja viável, apto para a vida. Nascer com vida é a sua concepção.

                    No Direito Brasileiro, é necessário saber, mesmo que o bebê tenha falecido, se ele nasceu com vida ou não. “Se respirou, viveu, ainda que tenha perecido em seguida. Lavram-se, neste caso, dois assentos, o de nascimento e o de óbito (LRP, art. 53, § 2º)”, afirma Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 105).

                    Geralmente, isso é constatado pelo exame pericial chamado de “Docimasia Hidrostática de Galeno”. Os pulmões são extraídos do cadáver e imersos um recipiente com água. Se flutuarem, os pulmões receberam ar, o bebê respirou e, portanto, nasceu com vida. Caso os pulmões afundem, não receberam ar, o bebê não respirou, assim, não nasceu com vida.

                    Hoje, porém, existem outros métodos periciais para atestar o nascimento com vida, ou não, do bebê. Essa informação, de que se o bebê nasceu com vida, ou não, é extremamente importante para questões relacionadas a sucessões.

                    Para o Direito Pátrio, independe a viabilidade da vida, as anomalias ou deformidades apresentadas pelo recém-nascido. Nasceu com vida é pessoa natural dotada de personalidade, independentemente do que quer que seja.


O NASCITURO

                    Há três teorias para explicar a situação jurídica do nascituro, aquele que ainda está no ventre materno e, portanto, ainda não nasceu. São elas: a) natalista (da doutrina tradicionalista); b) personalidade condicional; c) concepcionista (influência da doutrina francesa).

                    Pela natalista, a personalidade se inicia com o nascimento com vida. A da personalidade condicional afirma que o nascituro é pessoa condicional, pois só adquire a personalidade com a ocorrência de condição suspensiva, o nascimento com vida. Seria um desdobramento da teoria natalista, visto que também versa que a personalidade se inicia com o nascimento com vida.

                    Por sua vez, a teoria concepcionista admite que a personalidade se inicia antes do nascimento, desde a concepção, e, neste caso, somente os direitos patrimoniais (por herança, legado ou doação) são condicionados ao nascimento com vida.

                    É necessário diferenciar o nascituro do concepturo (indivíduo não concebido).
                    A lei põe a protege os titulares de direito eventual, como o nascituro. Pelo artigo 130, do CC, o nascituro pode requerer, mediante representação da mãe, em caso de morte do pai, a suspensão do inventário, desde que não haja outros descendentes deste, para se aguardar o nascimento com vida.

                    Igualmente, pode propor medidas acautelatórias para evitar dilapidação por terceiros de bens que lhes foram doados ou deixados em testeamento.

                    O Direito dispõe de uma série de proteções ao nascituro:
- Art. 1.779, CC – se a mãe, ainda em estado de gravidez, estiver destituída do poder familiar e o pai falecer, é obrigatória a nomeação de curador;
- Art. 1.609, parágrafo único, CC – nascituro pode ter a filiação reconhecida por objeto de reconhecimento voluntário;
- Art. 542, CC – pode receber doação;
- Art. 1.609, parágrafo único – pode ser incluído em testamento;
- Art. 8º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – tem direito à assistência pré-natal adequada;
- O Código Penal criminaliza algumas formas de aborto;
- A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura a todos o direito à vida.

                    De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, o Supremo Tribunal Federal (STF) ora defende a teoria naturalista, ora a concepcionista. “O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem acolhido a teoria concepcionista, reconhecendo ao nascituro o direito à reparação do dano moral.” (GONÇALVES, 2019, p. 110)

                    Parte dessa discussão foi resolvida pela Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que regulou os alimentos gravídicos. No caso a própria genitora é parte legítima para a propositura da ação.

Leia mais:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 1 – parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

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