Prof.
Ms. Roger Moko Yabiku
O Código Civil de 2002 (CC) disciplina
grande parte das relações sociais de pessoa a pessoa, sejam físicas ou
jurídicas, que produzem efeitos jurídicos. O Livro I da Parte Geral do CC versa
sobre pessoas naturais, pessoas jurídicas e domicílio.
O Título I “Das pessoas
naturais” é dividido em três capítulos: personalidade, capacidade, direitos da
personalidade e ausência.
PERSONALIDADE
Todo ser humano, ao nascer,
adquire personalidade jurídica, um conceito intrínseco ao de pessoa.
Personalidade é a aptidão genérica para ser titular de direitos e obrigações. “A
personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a
todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos
constitucionais de vida, liberdade e igualdade. É qualidade jurídica que se
revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres”, ensina Carlos
Roberto Gonçalves (2019, p. 98).
Nem sempre todos os seres
humanos eram providos de capacidade. Os escravos, por exemplo, eram tidos como
coisas, objetos de direito, e não pessoas dotadas de personalidade.
Vergonhosamente, o Brasil foi o penúltimo país a abolir a escravidão.
O fato de hoje todo o ser
humano ser dotado de personalidade é uma conquista histórica da humanidade,
independentemente de cor, credo, raça, religião, gênero, posicionamento
ideológico, dentre outras questões.
O Código Civil de 2002
preceitua:
Art.
1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art.
2º A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.”
Aqui, cabe um adendo. Há uma
diferença entre o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo. O Direito Objetivo é
a norma produzida pelo Estado, também chamada de “norma agendi”. “O Direito
Subjetivo (“facultas agendi”) consiste numa relação jurídica que se estabelece
entre um sujeito ativo, titular desse direito, e um sujeito passivo ou vários
sujeitos passivos, gerando uma prerrogativa para o primeiro em face destes”,
narra Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 101).
Para este autor, relação
jurídica é toda “relação da vida regulada pelo direito”. O sujeito da relação
jurídica é o ser humano. Quem vive isoladamente, sem o convívio de quem quer
que seja, não se subordina a uma ordem jurídica.
“Ubi societas ibi jus, ubi
jus ibi societas”, diziam os romanos. Traduzindo: “Onde está a sociedade está o
direito. Onde está o Direito está a sociedade.”
Num primeiro momento, os
animais não são considerados sujeitos de diretos, contudo, não significa que estão
desprovidos de proteção jurídica. Hoje, no Brasil, são considerados bens semoventes
(podem se movimentar sozinhos), nos termos do artigo 82 do CC.
Na França, os animais, a
partir de uma alteração recente do Código Civil, passaram a ser considerados
seres sencientes. Ou seja, são seres dotados de sensibilidade, quer dizer, de sentir
prazer ou dor.
Do latim “persona”, que
significava “máscara”, originou-se a palavra pessoa. Era usado pelos atores
romanos e fazia ressonar a voz de uma pessoa. Mais tarde, passou a significar o
papel de cada ator. Posteriormente, a própria pessoa que representava o papel. “No
Direito Moderno, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito da relação
jurídica”, fala Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 102).
No Direito, há dois tipos de
pessoas: pessoa natural ou física e pessoa jurídica.
PESSOA
NATURAL
O Título I do Livro I do
Código Civil de 2002 é intitulado “Das pessoas naturais”. Porém, a doutrina
critica essa denominação, visto que as pessoas podem ser naturais ou jurídicas.
Aliás, o próprio art. 1º do CC está redigido da seguinte forma: “Toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil.”
Quando se fala de pessoa,
neste artigo, abrange-se tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica.
Na legislação tributária
brasileira, assim como na França e na Itália, dentre outros países, utiliza-se
o termo “pessoa física”. Contudo, a doutrina diz ser essa nomenclatura não
muito correta.
A
nomenclatura ‘pessoa natural’ revela-se assim, a mais adequada, como reconhece
a doutrina em geral, por designar o ser humano tal como ele é, com todos os
predicados que integram a sua individualidade.
Pessoa
natural é o ‘ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigaçoes’.
Para qualquer pessoa ser assim designada, basta nascer com vida e, desse modo,
adquirir personalidade. (GONÇALVES, 2019, p. 104)
INÍCIO
DA PERSONALIDADE NATURAL
“A personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro”, prescreve o art. 2º do CC. Considera-se nascida com
vida (com a separação dela do ventre materno por qualquer tipo de parto) se ela
respirou.
No Código Civil espanhol,
para adquirir a personalidade o feto deve ter a figura humana, afirma Carlos
Roberto Gonçalves (2019, p. 105), “não seja um monstro, fixando, ainda, no art.
30, um prazo de 24 horas de vida, de inteira separação do corpo materno”.
No Direito Civil francês e holandês,
é necessário que o recém-nascido seja viável, apto para a vida. Nascer com vida
é a sua concepção.
No Direito Brasileiro, é
necessário saber, mesmo que o bebê tenha falecido, se ele nasceu com vida ou
não. “Se respirou, viveu, ainda que tenha perecido em seguida. Lavram-se, neste
caso, dois assentos, o de nascimento e o de óbito (LRP, art. 53, § 2º)”, afirma
Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 105).
Geralmente, isso é
constatado pelo exame pericial chamado de “Docimasia Hidrostática de Galeno”.
Os pulmões são extraídos do cadáver e imersos um recipiente com água. Se
flutuarem, os pulmões receberam ar, o bebê respirou e, portanto, nasceu com
vida. Caso os pulmões afundem, não receberam ar, o bebê não respirou, assim,
não nasceu com vida.
Hoje, porém, existem outros
métodos periciais para atestar o nascimento com vida, ou não, do bebê. Essa
informação, de que se o bebê nasceu com vida, ou não, é extremamente importante
para questões relacionadas a sucessões.
Para o Direito Pátrio,
independe a viabilidade da vida, as anomalias ou deformidades apresentadas pelo
recém-nascido. Nasceu com vida é pessoa natural dotada de personalidade,
independentemente do que quer que seja.
O
NASCITURO
Há três teorias para
explicar a situação jurídica do nascituro, aquele que ainda está no ventre
materno e, portanto, ainda não nasceu. São elas: a) natalista (da doutrina
tradicionalista); b) personalidade condicional; c) concepcionista (influência
da doutrina francesa).
Pela natalista, a
personalidade se inicia com o nascimento com vida. A da personalidade
condicional afirma que o nascituro é pessoa condicional, pois só adquire a
personalidade com a ocorrência de condição suspensiva, o nascimento com vida.
Seria um desdobramento da teoria natalista, visto que também versa que a
personalidade se inicia com o nascimento com vida.
Por sua vez, a teoria
concepcionista admite que a personalidade se inicia antes do nascimento, desde
a concepção, e, neste caso, somente os direitos patrimoniais (por herança,
legado ou doação) são condicionados ao nascimento com vida.
É necessário diferenciar o
nascituro do concepturo (indivíduo não concebido).
A lei põe a protege os
titulares de direito eventual, como o nascituro. Pelo artigo 130, do CC, o
nascituro pode requerer, mediante representação da mãe, em caso de morte do
pai, a suspensão do inventário, desde que não haja outros descendentes deste,
para se aguardar o nascimento com vida.
Igualmente, pode propor
medidas acautelatórias para evitar dilapidação por terceiros de bens que lhes
foram doados ou deixados em testeamento.
O Direito dispõe de uma
série de proteções ao nascituro:
-
Art. 1.779, CC – se a mãe, ainda em estado de gravidez, estiver destituída do
poder familiar e o pai falecer, é obrigatória a nomeação de curador;
-
Art. 1.609, parágrafo único, CC – nascituro pode ter a filiação reconhecida por
objeto de reconhecimento voluntário;
-
Art. 542, CC – pode receber doação;
-
Art. 1.609, parágrafo único – pode ser incluído em testamento;
-
Art. 8º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – tem direito à
assistência pré-natal adequada;
- O
Código Penal criminaliza algumas formas de aborto;
- A
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura a todos o
direito à vida.
De acordo com Carlos Roberto
Gonçalves, o Supremo Tribunal Federal (STF) ora defende a teoria naturalista,
ora a concepcionista. “O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem acolhido
a teoria concepcionista, reconhecendo ao nascituro o direito à reparação do
dano moral.” (GONÇALVES, 2019, p. 110)
Parte dessa discussão foi
resolvida pela Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que regulou os
alimentos gravídicos. No caso a própria genitora é parte legítima para a
propositura da ação.
Leia
mais:
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro
1 – parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
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