sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os pré-socráticos: a cosmologia dos filósofos da natureza




Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

A Filosofia foi a primeira tentativa ocidental de se tentar explicar o mundo, a origem das coisas, as relações entre os homens, de maneira racional. Antes, as explicações eram fantasiosas, não consistentes, muito menos racionais. Davam-se, principalmente, por meio do mito. Os primeiros filósofos viveram no final do século VII antes de Cristo ao século V antes de Cristo, em colônias gregas como Jônia (em Mileto, Éfeso, Samos e Clazômeda)
[i], Magna Grécia (Crotona, Tarento, Eléia e Agrigento)[ii] e Abdera, na Tracia, explica Marilena Chauí (p. 39). Sua principal preocupação era com a origem do mundo e as causas das transformações na natureza, prossegue a professora (p. 38).
Por isso, eram conhecidos como filósofos da natureza ou pré-socráticos
[iii] e seu período histórico como cosmológico. Confuso? Calma, explica-se tudo. “A cosmogonia, típica do pensamento mítico, é descritiva e explica como do caos surge o cosmos, a partir da geração dos deuses, identificando-os às forças da natureza. Já na cosmologia, as explicações rompem com o mito: a arché (princípio) não se encontra na ordem do tempo mítico mas significa tempo teórico, fundamento de todas as coisas”, ensinam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (p. 119)
As principais escolas pré-socráticas, segundo Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme de Assis Almeida (p. 63-64), eram: “Escola Jônica, na Ásia Menor: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de Éfeso; Escola Pitagórica, na Magna Grécia: Pitágoras de Samos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento; Escola eleata, da Magna Grécia: Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia, Melissos de Samos; Escola de Pluralidade: Leucipo e Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena.”
Eles tentavam, a seu modo, explicar a natureza. E, assim, explicar a origem e as mudanças dos seres humanos que estão inseridos, por sua vez, na natureza. De acordo com Marilena Chauí (p. 39), na cosmologia se afirma a “geração de todas coisas por um princípio natural de onde tudo vem e para onde tudo retorna”. E prossegue: “Esse princípio é uma natureza primordial e chama-se physis (palavra que vem de um verbo que significa “fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer, produzir”), sendo ele a causa natural contínua e imperecível da existência de todos os seres e de suas transformações”. Os pré-socráticos tentavam explicar racionalmente o mundo, sem recorrer à mitologia ou à religião. Eles buscavam encontrar explicações para um princípio ordenador do universo. Por isso, são chamados também fisiólogos, já que tentavam compreender a physis, a natureza material.
Porém, não se podia conhecer a physis pelos sentidos, mas somente pela razão. Seria, de certa maneira, como versa Marilena Chauí (p. 39), a resposta dada pela razão acerca daquilo que existe e se transforma na natureza. Olha só que interessante. Essa natureza primeira, a physis, é imutável, quer dizer, não se transforma, nem perece. Mas os seres físicos, ou naturais, por ela gerados, são mutáveis, ou seja, estão em transformação contínua, seja em qualidade ou quantidade.
O mundo e os seres, então para alguns dos pré-socráticos, estão em constante movimento, movidos também por outras coisas. Essa transformação nunca acaba. Isso é o “devir”, o movimento das coisas e do mundo, que segue as rigorosas leis do pensamento. Quando se fala em “devir”, lembre-se dos contrários: dia-noite, claro-escuro, quente-frio, seco-úmido, etc. Essas passagens, transformações, obedecem ao princípio fundamental do mundo, estabelecido pela physis.
Não havia consenso sobre o princípio primeiro (arché), ou fundamental, de todas as coisas entre os filósofos da natureza. Como escreve Marilena Chauí (p. 40), para Tales, era a água (ou úmido); para Anaximandro, o ilimitado; para Anaxímedes, o ar (ou o frio); para Pitágoras, o número; para Heráclito, o fogo; para Empédocles, quatro raízes (úmido, seco, quente e frio); para Anaxágoras, as sementes que continham os elementos de todas as coisas; para Leucipo e Demócrito, o átomo.



Aqui se faz um adendo para falar de dois filósofos pré-socráticos cujas idéias se destacaram ao longo dos tempos: Heráclito e Parmênides. Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia eram filósofos situados no período pré-socrático, no século V antes de Cristo. O elemento primordial para Heráclito era o fogo, para Parmênides, o ser.
Ambos, cada qual a sua maneira, procuravam compreender a realidade, em busca da verdade. Para Parmênides, tudo é estático, enquanto que, para Heráclito, tudo era movimento. O primeiro focou-se no “ser”, o segundo, o “vir-a-ser”.
Para Heráclito, a natureza era um fluxo perpétuo de eterna mudança, em que cada está em vias de transformação no seu contrário. Por isso, Heráclito vê a complementaridade entre os contrários, pois uns se transformam nos outros: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos.”
Devido a essas mudanças constantes, Heráclito questionava a percepção, que mostrava as coisas como estáveis, duradouras e permanentes. Como isso? Heráclito entendia que havia uma diferença entre o conhecimento atingido pelos sentidos e o conhecimento alcançado pelo pensamento. Os sentidos, segundo Heráclito, captavam a imagem da estabilidade, já o pensamento, a verdade como mudança contínua.
Parmênides pensava em sentido contrário de Heráclito. Dizia que só se pode pensar sobre aquilo que permanece o mesmo em si mesmo, pois seria não correto pensar sobre algo que não seria o mesmo, o que traduziria em relações falsas entre coisas contrárias e contraditórias entre si.
De acordo com Parmênides, atingi-se o conhecimento quando se alcança a identidade imutável. Só se pode pensar, segundo Parmênides, se se apreender a identidade profunda e permanente de um ser.
Parmênides, como Heráclito, também tinha que perceber e pensar eram atividades diferentes. Contudo, para Parmênides, percebe-se mudanças que não são pensáveis e se deve pensar somente identidades imutáveis.
Ambos estabelecem limites entre o conhecimento adquirido por meio das percepções e o conhecimento racional. Tentam explicar o conhecimento por meio de paralelos com a natureza. Contudo, se para Heráclito, o conhecimento sensitivo demonstrava os seres como em não movimento e o conhecimento racional como aquele que capta a realidade em si como eterna mudança, Parmênides vislumbra o contrário. De acordo com Parmênides, o conhecimento sensitivo identifica as mudanças, que não podem ser pensadas, apenas percebidas, já o conhecimento racional pensa somente identidades imutáveis.


Analise essa música:

Mudaram as estações (Legião Urbana)



Mudaram as estações, nada mudou
Mais eu sei que alguma coisa aconteceu,
Tá tudo assim, tão diferente.
Se lembra quando agente chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber,
Que o pra sempre, sempre acaba
Mais nada vai conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguem, só penso em você
E aí então, estamos bem
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está
Nem desistir nem tentar agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa
Mudaram as estações, nada mudou
Mais eu sei que alguma coisa aconteceu,
Tá tudo assim, tão diferente.
Se lembra quando agente chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber,
Que o pra sempre, sempre acaba
Mais nada vai conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguem, só penso em você
E aí então, estamos bem
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está
Nem desistir nem tentar agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa
Essa letra não se parece com as teorias de Heráclito e Parmênides?
Dica de filme:
Transformers”, de Michael Bay. As facções “Autobots” e “Decepticons”, do Planeta Cybertron, competem para encontrar a “All Spark” escondida na Terra. A “All Spark” seria a origem de toda a vida no planeta dos robôs que se transformam em veículos, entre outros aparelhos eletro-mecânicos. Há uma certa semelhança entre a “All Spark” e o princípio primeiro de todas as coisas dos filósofos da natureza. O que pensa sobre isso?





Leia mais:

ARANHA, M.L.A.; MARTINS, M.H.P. Filosofando. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
BITTAR, C.E.B.; ALMEIDA, G.A. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. rev. aum. São Paulo: Atlas, 2010.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006.



[i] Corresponde ao atual território da Ásia Menor.
[ii] Sul da Itália e Sicília.
[iii] Viveram num período anterior a Sócrates. Daí, a alcunha “pré-socráticos”.

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