sábado, 20 de fevereiro de 2010

Aristóteles de Estágira, preceptor de Alexandre Magno


Prof. Ms. Roger Moko Yabiku



É indiscutível a presença e a influência de Aristóteles (384-322 a. C.) na estrutura do pensamento ocidental: escreveu sobre ética, poética, política, física, metafísica, biologia e lógica. Ele nasceu em Estágira, cidade de população grega na Macedônia. Pelo fato de seu pai Nicômaco, médico do reis macedônicos Amintas II e Filipe II, ser bem relacionado, Aristóteles cresceu num ambiente de boas condições científicas e culturais. Carlos Eduardo Bianca Bittar (p. 14-15) conta que Aristóteles foi educado nos moldes da medicina empirista, na tradição da escola hipocrática fundada por Cós em V a.C., o que estabeleceria os pilares de toda sua filosofia: “A detida análise da realidade, a observação da natureza (physis) e dos fenômenos (phainomena), a dissecação da vida e os estudos de cunho biológico transportaram-se para os campos político e ético, operando-se em profunda inovação nos métodos científicos adotados até o momento. A terapia do corpo (soma) doutrinada por Hipócrates fundiu-se idealmente com a terapia da alma (psyché) doutrinada por Sócrates resultando-se numa harmônica combinação dos métodos indutivo e dedutivo de conhecimento.”


O ‘leitor’

Aristóteles optou pela formação a exemplo da paidéia sofista de Atenas. E, a partir daí, conheceu as obras de Platão, que posteriormente seria seu mestre. Após a morte de seu pai, o tutor de Aristóteles, Próxeno de Atarne, enviou-o a Atenas, quando tinha 17 anos, para que pudesse aprimorar seus conhecimentos. Quando chegou à Academia, onde Aristóteles permaneceu por 20 anos (como aluno e depois como professor), Platão já tinha 60 anos.
O jovem Aristóteles não era reconhecido como cidadão de Atenas. Pertencia à classe dos metecos, não podendo participar da vida pública. Porém, a Academia não fazia distinção para a seleção de alunos. Geralmente, os metecos dedicavam-se ao comércio, mas o estagirita preferiu incorporar-se aos grupos de outros estudiosos, como outros estrangeiros em Atenas. Aristóteles era metódico, disciplinado e obstinado em seus estudos.
Os gregos eram acostumados à beleza da palavra, então, eram mais acostumados à expressão oral, que à leitura, seja nas lições, quanto no social (teatro e política), ensina Bittar (p. 18). O próprio Platão apelidou-o, por isso, de “Leitor”, pois Aristóteles preferia ler, por si mesmo, as obras científicas e literárias, o que seria uma das suas inovações metodológicas, como busca da verdade.


Alexandre Magno, aluno de Aristóteles




As cidades-estado gregas tiveram várias guerras entre si no século IV a.C. Com o crescimento do reino da Macedônia, nas mãos de Filipe II, Demóstenes – líder em Atenas – acirrou-se a desconfiança aos macedônicos, em nome de um nacionalismo extremado. A Academia, após a morte de Platão, ficou sob a direção do seu sobrinho Eusesipo. Aristóteles jamais poderia suceder Platão como diretor da Academia, afinal estrangeiros não poderiam ter propriedades imóveis em Atenas.
Ele saiu de Atenas – com Xenócrates – para Assos, onde Hérmias era o tirano. Lá, com outros alunos de Platão – Corisco e Erasto – tornou-se conselheiro do governante. Foi uma oportunidade de aprimorar ainda mais seus estudos e de se distanciar da obra do seu mentor. E lá se foram três anos. Teofrasto tornou-se aluno de Aristóteles e juntos partiram para Mitilene (345 a.C.), uma das mais importantes cidades da ilha de Lesbos, na Ásia Menor. Continuou a ensinar e casou-se com Pítias, sobrinha do tirano Hérmias.
Em 343 a.C., Filipe II chamou Aristóteles a Pela (capital da Macedônia), para uma missão importante: educar seu filho Alexandre, para que seu espírito se amoldasse pelo amor à virtude e à grandeza. Filipe II conquistou toda a Grécia, menos Esparta, em 338 a.C, pondo fim às guerras entre as cidades-estado (pólis), que foram submetidas ao poder central imperial. O rei faleceu dois anos depois. Alexandre ascendeu ao trono do império, expandindo-lhes as fronteiras até o Oriente. Ficou conhecido como Alexandre Magno: Alexandre, o Grande.
Aristóteles voltou a Atenas em 335 a.C. Fundou sua escola, o Liceu, por esta estar perto de um templo dedicado a Apolo Lício. Apesar do domínio macedônico, em Atenas, Aristóteles ainda era um estrangeiro e não poderia, jamais, ser proprietário do imóvel da sua própria escola. Dirigiram-se para lá vários alunos que abnegadamente realizaram numerosos estudos empíricos. Escreve Bittar (p. 29): “As despesas para a conservação da descola advinham das contribuições dos particulares e da corte macedônica, uma vez que dos discípulos nada se cobrava. Neste sentido, muito auxílio trouxeram as contribuições de Alexandre Magno, que, acompanhado por grande número de estudiosos, enviava, como testemunho de afinidade e respeito ao tutor de sua juventude, abundante material das longínquas regiões asiáticas que desbravava em nome da Macedônia.”


Aristóteles se decepciona com Alexandre

Apesar de ainda admirador de Aristóteles, Alexandre Magno deixou-se levar pelas paixões e seu ímpeto conquistador, em detrimento da razão. Fundiu as culturas greco-macedônica e asiática (helenística), o que, para Aristóteles, era inadmissível. Calístenes, sobrinho de Aristóteles, era o narrador dos feitos das campanhas militares de Alexandre. “Mas também os costumes macedônicos e a política grega eram cada vez mais rejeitados por Alexandre na sua adoção autoglorificada do estilo e da substância da monarquia persa. (...) Calístenes compreendeu sua tarefa como um grego: deveria ser o Homero a narrar os feitos do novo Aquiles. Não surpreendia que estivesse entre os do círculo que Alexandre que foram hostilizados com a transformação de Alexandre de hégemón grego em monarca persa. Alexandre mandou executá-lo”, conta Alasdair MacIntire (p. 102).
Esta foi a gota d’água que fez Aristóteles cerrar relações com Alexandre Magno, em 327 a.C. “Apesar de iniciado no conhecimento das virtudes éticas e dianoéticas da doutrina aristotélica, Alexandre Magno cedeu à sua ambição pela glória temporal, trazendo decepção ao espírito do Estagirita, uma vez que seus princípios haviam sido negligenciados pelo jovem espírito conquistador em detrimento das esperanças de salvação da Hélade”, explica Bittar (p. 30).
Com a morte de Alexandre Magno em 323 a.C, os nacionalistas de Atenas voltam ao poder e acusam Aristóteles de impiedade contra os deuses da cidade. Novamente, ele se retira. Dirige-se a Calcis, capital da Eubéia, e se instala num imóvel que foi de sua mãe, onde esquecido, viveu seus últimos momentos.



Do céu para a terra

Aristóteles discordou da teoria de seu professor, Platão, de oposição entre mundo sensível e mundo inteligível. Fundiu-os no conceito de substância, ou seja, aquilo que é em si mesmo, o suporte dos atributos, explicam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (p. 123). Os atributos que não podem faltar para a substância são a essência. Já os atributos que podem, ou não, fazer parte da substância são o acidente. Exemplo. A substância homem tem como essência a racionalidade e como acidente ser gordo, ou magro, velho ou jovem.
Mas os seres se transformam, e a noção de substância-essência-acidente não responde a isso. Daí, Aristóteles recorre à forma e matéria. Tudo ser é composto de forma e matéria. “Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, é ‘aquilo de que é feito algo’, o que não coincide exatamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação. Forma é ‘aquilo que faz com que uma coisa seja o que é. (...) Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o escultor realiza na estátua. É por meio da noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Por exemplo, a semente, quando enterrada, desenvolve-se e se transforma no carvalho que era em potência’”, ensinam Aranha e Martins (p. 123).
O movimento transforma potência em ato. É uma relação entre dois seres diferentes, em que um se converte no outro. Aranha e Martins (p. 123) explicam: “A potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato.”
Dessa forma, se distinguem vários tipos de movimento e das suas causas. Daí, a teoria das quatro causas: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. “Usando o exemplo de uma estátua, a causa material é aquilo de que a coisa é feita (mármore); a eficiente é aquilo com que a coisa é feita (o escultor); a formal é aquilo que a coisa vai ser (a forma que estátua adquire); a final é aquilo para o qual a coisa é feita (a finalidade da estátua)”, exemplificam Aranha e Martins (p. 124).



O animal político

Para Aristóteles, o ser humano é por natureza um animal político (politikon zoon). E a formação das cidades-estado gregas nada mais era que o resultado da concretização da natureza humana. “Historicamente, diz ele, a cidade-estado é um resultado orgânico da união de várias cidadezinhas que desse modo chegaram a um estado de ‘auto-suficiência’. A cidade-estado não existe meramente para a satisfação de necessidades materiais; ao contrário, procura satisfazer a necessidade humana de uma vida existencial satisfatória, e precisamos nos empenhar por fazer com que esse modo de vida esteja em harmonia com a natureza do homem”, assinala Wayne Morrison (p. 49-50).
Aliás, segundo Aristóteles, só se pode desenvolver a razão à medida em que o homem se integre à polis. Fora dela, o homem seria uma divindade ou um monstro. E a política, comenta Flamarion Tavares Leite (p. 39), é a ciência primordial porque o bem da cidade é superior ao bem individual: “A pólis faz do homem um ser completo, pois ela realiza as condições desta completude: ordem, paz e justiça.”
Nesta cidade, assevera Lesley Brown (p. 661), deve haver condições para que o homem adquira e exerça virtudes morais e individuais. Enfim, que se realize em plenitude, já que a pólis é o lócus da racionalidade humana. E, fora dela, não seria possível o seu desenvolvimento. “Separado da pólis, o que poderia ser um ser humano torna-se um animal selvagem”, assevera MacIntyre (p. 111).
No entanto, apesar de ser estrangeiro em Atenas, Aristóteles justificou a exclusão de algumas categorias de pessoas da vida pública – mulheres e escravos, por exemplo. Para ele, a escravidão seria natural. Algumas pessoas seriam incapazes de se auto-governarem, daí, teriam que se submeter ao poder de outro, para seu próprio bem. “O escravo é um instrumento animado, imprescindível para manejar instrumentos inanimados para a produção de bens”, disserta Leite (p. 39) sobre Aristóteles. MacIntyre (p. 129) especifica: “As pessoas reduzidas à condição de escravas realmente tornam-se em grande parte irresponsáveis, sem iniciativa, ansiosas por evitar o trabalho e incapazes de exercer a autoridade. As mulheres, pressionadas por exigências incompatíveis com seu papel social e privadas de educação – determinadas, por circunstâncias variadas, a ser tão mansamente complacentes como Ismene ou Crisótemis e tão desembaraçadamente leais à família como Antígona ou Electra – frequentemente apresentarão emoções fortes e indisciplinadas.”


Virtudes intelectuais e virtudes morais

Aristóteles definiu a eudaimonia (felicidade, ou bem-estar) como o supremo bem. “Nesta perspectiva, a felicidade reside numa disposição efetiva da alma, de acordo com a virtude; acentua-se que se trata de uma disposição anímica efetiva, pois a possessão da virtude não pode ser separada de sua práxis”, salienta Bittar (p. 1014). Uma felicidade, portanto, racional e não aquela de satisfação dos instintos. Há necessidade de o homem cultivar virtudes para atingir o supremo bem. Essas virtudes podem ser intelectuais (ou dianoéticas) ou morais (éticas), que residem na alma racional. Aliás, dizia Aristóteles, que todos os seres vivos possuem almas, porém, nem todos tinham todas suas faculdades. A nutritiva é comum aos animais, vegetais e aos homens. A sensitiva, comum a homens e animais. E a racional é exclusiva dos homens, que lhes permite desenvolver a capacidade moral. “A escolha moral precisa da razão”, afirma Morrison (p. 55).
E é essa razão que deve prevalecer sobre as paixões que, por abstinência ou excesso, levam o homem ao erro. Os homens se diferem dos animais pois, pelo uso da razão, organizam seus desejos e disposições segundo aquilo que consideram verdadeiramente seu bem. O apetite (órexis), então, se divide em dois: desejo racional (boúlesis) e desejo não racional imediata e temporariamente satisfatório (epithymía). O preferível é o desejo racional, enquanto o desejo não racional seria fruto do engano conduzido pelo descontrole das paixões. “Cada virtude é produto do controle racional das paixões. Levar uma vida virtuosa não significa negar ou rejeitar nenhuma das aptidões naturais do homem, mas sim mantê-las sob controle”, diz Morrison (p. 55).
O raciocínio humano, para Aristóteles, se desdobra em dois: o teórico (dá conhecimento de princípios estabelecidos, saber filosófico) e o prático (guia racional para atos de uma pessoa em circunstâncias particulares – sabedoria prática), assevera Morrison (p. 55). As virtudes intelectuais – sabedoria e compreensão filosófica – são adquiridas pelo ensino e pela aprendizagem, já as virtudes morais, pelo hábito. “Todas virtudes morais têm de ser aprendidas e praticadas, e só se tornam virtudes por meio da ação, pois ‘tornamo-nos justos através da prática da justiça, moderados através da prática da moderação, corajosos através da demonstração de coragem’. As virtudes ‘cardeais’ são a coragem, a moderação, a justiça e a sabedoria”, escreve Morrison (p. 55-56). “Segue-se que, para aqueles que ainda não foram educados nas virtudes, a vida das virtudes parecerá necessariamente sem justificação racional; a justificação racional da vida virtuosa dentro da pólis só está disponível àqueles que já participaram mais ou menos completamente daquela vida”, adiciona MacIntyre (p. 124).
Cada virtude seria o controle racional das paixões e estaria como o meio-termo entre extremos (teoria da mesótes). Porém, há de se salientar que esse meio-termo não é igual de pessoa para pessoa. Porém, alguns outros atos, como homicídio, rancor, inveja, adultério, roubo não têm meio-termo. “São coisas más em si mesmas, e não por seus excessos e carências. Quem as pratica está sempre incorrendo em erro”, diferencia Morrison. Confira o quadro aristotélico de virtudes e vícios por excesso e por falta, elaborado pela professora Marilena Chauí (p. 312):


Virtude Vício por excesso Vício por falta
coragem temeridade covardia
temperança libertinagem insensibilidade
liberalidade prodigalidade avareza
respeito próprio vulgaridade vileza
magnificência vaidade modéstia
gentileza irrascibilidade indiferença
veracidade orgulho descrédito próprio
agudeza de espírito zombaria grosseria
amizade condescendência tédio
justa indignação inveja malevolência


Justiça geral e justiça particular

Não se pretende esgotar, obviamente o estudo da doutrina da justiça aristotélica, porém, apenas de delinear algumas características para facilitar a sistematização do estudo. Aí vai, então. A principal virtude, para Aristóteles, seria a justiça, que se divide em geral (total, universal ou integral, a díkaion nomimón) e particular. Em regra, justiça geral seria a observância de que a norma social é de caráter vinculativo. Justiça e legalidade são uma, já que o respeito à lei corresponde ao respeito de todos, alertam Carlos Eduardo Bianca Bittar e Guilherme de Assis Almeida (p. 131). Justiça total seria agir segundo a legalidade. A lei deveria ser produzida segundo a prudência (phrónesis) legislativa, a nomothesía por parte do legislador. O fim das leis deveria ser o bem comum.
Virtude total seria agir segundo a disposição do caráter, sem que haja necessidade de se impor lei ou que se tenha conhecimento dela. Contudo, não se quer justificar o cumprimento de leis “más”, como comenta Morrison (p. 56): “Embora Aristóteles acredite que a lei seja um instrumento por meio da qual a cidade-estado é direcionada para o bem comum, ou através do qual uma classe dominante de alto nível dirige a cidade, pode haver leis que, apesar de sancionadas, não cumprem sua finalidade.”
Por sua vez, a justiça particular se relaciona com parte da virtude, e não com a virtude total como a justiça geral (ou total). “Trata-se dizer que o justo particular é, de certa forma, espécie do gênero justo total, pois quem comete um injusto particular não deixa de violar a lei, e como tal, praticar um injusto no sentido mais genérico. Mas aqui se particulariza ainda mais a acepção do termo justiça é porque se procede per genus et differentiam da mais ampla à mais estreita das significações”, ensinam Bittar e Almeida (p. 132).
A justiça particular se refere mais às relações diretas entre as partes e se divide em: a-) justiça distributiva (díkaion dianimetikón); b-) justiça corretiva – díkaion diorthotikón (b.1 – justiça comutativa e b.2 – justiça judicial, ou reparativa). “A justiça corretiva tem função de restaurar, na medida do possível, a ordem justa que foi parcialmente destruída por alguma ação ou ações injustas. A justiça distributiva consiste na obediência ao princípio de distribuição que define a ordem protegida pela justiça corretiva”, prescreve MacIntyre (p. 118).


Justiça distributiva: entre governante e governados

A justiça distributiva seria um tipo de relação pública-privada na qual se atribui a cada um o que é seu na medida dos seus merecimentos. Seria uma ação do governante aos administrados, concernentes na distribuição de dinheiro, honras, cargos, ou outros bens. Novamente, entra a teoria da mesótes. A proporcionalidade da justiça distributiva é um meio-termo entre o excesso e a falta. Apesar de escorada na igualdade, esta deve ser vista como igualdade numa sociedade de desiguais. Dessa forma, escrevem Bittar e Almeida (p. 134): “De fato, a injustiça na distribuição recai em um dos pólos, seja quando pessoas desiguais recebem a mesma quantia de encargos e de benefícios, seja quando pessoas iguais recebem quantias desiguais de benefícios e encargos.”
A doutrina de Pitágoras, também ensinada na Academia de Platão, também influenciou Aristóteles. O número 4, para Pitágoras, representava a justiça, o que era sustentado pelos seguintes cálculos: 2 + 2 = 4 e 2 x 2 = 4. Um pouco místico, porém, com sentido. Em Aristóteles, observam-se quatro partes (dois sujeitos e dois objetos) relacionadas. O primeiro termo tem proporção direta com o terceiro, e o segundo com o quarto: A : B = C : C, onde A + C = B + D. “A igualdade estabelecida é do tipo geométrico, observando-se a proporcionalidade da participação de cada qual no critério eleito pela constituição (politeía). A igualdade na distribuição visa à manutenção de um equilíbrio, pois aos iguais é devida a mesma quantidade de benefícios ou encargos, assim como aos desiguais são devidas partes diferentes à medida que são desiguais e que se desigualam”, asseveram Bittar e Almeida (p. 134).


Justiça corretiva: entre iguais

A justiça corretiva, por outro lado, é aplicada nas relações entre os indivíduos, nas quais estariam – em tese – em situação de igualdade, ou de coordenação. A justiça particular corretiva estriba-se no restabelecimento de um equilíbrio entre os particulares que foi, em algum momento, rompido. Prima-se pela igualdade aritmética. Ao contrário da justiça particular distributiva, não se leva em consideração o mérito ou outros fatores subjetivos. Bittar e Almeida ensinam (p. 135): “A aritmética aplicável permite a ponderação entre a perda e o ganho, com objetividade, o restabelecimento das partes à posição inicial em que se encontravam; o justo corretivo se exerce por meio do retorno das partes ao status quo ante. Tem-se uma perfeita equidistância das partes relativamente ao centro, onde se situa o justo meio.”
A justiça corretiva comutativa se dá quando se intervém a vontade dos interessados. A justiça corretiva judicial (ou reparativa) ocorre ao se contrapor contra a vontade dos interessados. A grosso modo, a primeira poderia ser associado com as obrigações e contratos, o reequilíbrio das instituições humanas baseadas na voluntariedade da ação, principalmente nas questões patrimoniais, intercambiadas pela moeda.
A segunda, a justiça corretiva judicial ou reparativa, se relaciona com um dano causado indevidamente a outrem. Também se aplica o conceito de igualdade aritmética para que as partes, se possível, retornem ao estando anterior à ofensa. A igualdade, nesse prisma, seria rompida por meio da clandestinidade (furto, adultério, envenenamento, lenocínio, corrupção, falso testemunho, etc) ou da violência (sequestro, agressão, homicídio, roubo, mutilação, insultos, injúrias, por exemplo), ensinam Bittar e Almeida (p. 139). À clandestinidade refere-se à sutileza dos atos injustos. Já à violência, os elementos de agressão moral ou física. Houve, pois, desigualdade a partir de uma situação causadora de dano, “cabendo ao juiz, num exercício racional de apreciação do caso particular, igualar novamente as partes, aplicando ao causador de uma lesão a pena que corresponde ao delito por este cometido”, prosseguem (p. 140). “Com o restabelecimento da igualdade, atua o juiz de modo a tolher o ganho, reprimindo a conduta lesiva, e, se possível, fazendo com que a perda sofrida seja reparada.”


Equidade para que a justiça não seja injusta

A lei é geral e abstrata e muitas vezes, caso não seja corrigida, pode causar problemas. Aristóteles disse, então, haver necessidade da equidade (epieikéia), que adapta a lei para cada caso em particular, temperando-lhe a melhor aplicação. Explica-se o justo legal é estático, já a realidade da vida é mutante. A equidade, segundo Aristóteles, serviria para aplicar-se o Direito segundo a intenção do legislador. E, geralmente, essa situação mais se amolda, quando há ausência de lei. “A necessidade de aplicação da equidade decorre do fato de que as leis prescrevem conteúdos de modo genérico, indistintamente, dirigindo-se a todos, sem diferenciar, portanto, possíveis nuances e variações concretas, fáticas, fenomênicas, de modo que surgem casos para os quais, se aplicada a lei (nómos) em sua generalidade (kathólou), estar-se-á a causar uma injustiça por meio do próprio justo legal”, arrematam Bittar e Almeida (p. 150).


Amizade como liame perfeito

Amizade (philía) e justiça (dikaiosýne), segundo Aristóteles, estariam estreitamente relacionadas. A primeira seria o verdadeiro liame entre as cidades-estado, o verdadeiro assento da paz, para o bem do convívio social. Os amigos necessitam de justiça, e os justos precisam de amizade. E a forma mais genuína de justiça seria um tipo de amizade, principalmente a amizade entre pessoas virtuosas. Entretanto, a amizade exige semelhança para que torne essa interação subjetiva uma relação justa, “pois caracteriza-se por estar desprovida de todo interesse e de toda vontade de prejudicar, que são substituídas, neste tipo de relacionamento verdadeiramente humano, uma vez que racional e equitativo, pela reciprocidade, pela espontaneidade, pelo auxílio mútuo, pela confiança, pela igualdade”, escrevem Bittar e Almeida (p. 154).
Ensinam ainda Bittar e Almeida (p. 155) que, para Aristóteles, quando maior a proximidade e afeição da amizade, maior o grau de justiça. O justo e a amizade se aperfeiçoam em sociedade. E, para cada tipo de comunidade, uma forma de amizade. As formas de governo, aliás, também concernem à razão dominando as paixões e também ao grau de amizade. Assim, as formas normais seguidas das suas formas degeneradas (corruptas) seriam: monarquia (basiléia) e tirania (tyrannis); aristocracia (aristokratía) e oligarquia (oligarchía); timocracia (tímokratía) – ou democracia moderada - e democracia (demokratia) – o democracia radical, a demagogia.
Num primeiro momento, a sabedoria seria o único título legítimo de governo. Discorre Leite (p. 40): “Em Aristóteles, o ciclo constitucional toma a seguinte sequência: da monarquia passa-se à tirania; da tirania à aristocracia; da aristocracia à oligarquia; e desta, à democracia e suas etapas moderada e radical. Este esquema não é histórico, mas lógico.” À medida em que as paixões sublevam-se à razão, tal como a amizade e a justiça se esvaem da vida comunitária, as formas de governo se degeneram.


Considerações finais

Por questões óbvias, não se pretende esgotar a doutrina de Aristóteles em tão poucas páginas. Trata-se apenas de um texto introdutório e de guia para os estudos da teoria do estagirita. O enfoque deste trabalho foram ética, justiça, Direito e amizade. Porém, a influência deste autor no mundo ocidental não se esgota a isso. Daí, a necessidade – para quem se interessar – de fazer como o próprio Aristóteles, quer dizer, ler suas principais obras e seus comentadores.





Ouça!






Alexander, the Great (Iron Maiden)






My son, ask for thyself another kingdom,
For that which I leave is too small for thee."
Near to the East, in a part of ancient Greece,
In an ancient land called Macedonia,
Was born a son to Philip of Macedon,
The legend his name was Alexander.
At the age of nineteen, he became the Macedon king,
And he swore to free all of Asia Minor,
By the Aegian Sea in 334 BC,
He utterly beat the armies of Persia.
Chorus:
Alexander the Great,
His name struck fear into hearts of men,
Alexander the Great,
Became a legend 'mongst mortal men.
King Darius the third, Defeated fled Persia,
The Scythians fell by the river Jaxartes,
Then Egypt fell to the Macedon king as well,
And he founded the city called Alexandria.
By the Tigris river, he met King Darius again,
And crushed him again in the battle of Arbela,
Entering Babylon and Susa, treasures he found,
Took Persepolis, the capital of Persia.
Chorus:
Alexander the Great,
His name struck fear into hearts of men,
Alexander the Great,
Became a god amongst mortal men.
A Phrygian King had bound a chariot yoke,
And Alexander cut the "Gordion knot",
And legend said that who untied the knot,
He would become the master of Asia.
Hellenism he spread far and wide,
The Macedonian learned mind,
Their culture was a western way of life,
He paved the way for Christianity.
Marching on, Marching on.
The battle weary marching side by side,
Alexander's army line by line,
They wouldn't follow him to India,
Tired of the combat, pain and the glory.
Chorus:
Alexander the Great,
His name struck fear into hearts of men,
Alexander the Great,
He died of fever in Babylon.



Tradução:
Alexandre, o Grande (Iron Maiden)

“Meu filho, consiga para você um outro reino
Pois este que deixo é pequeno demais para você”
Perto do leste, em uma parte da antiga Grécia
Em uma antiga terra chamada Macedônia
Nasceu o filho de Felipe da Macedônia
A lenda, seu nome era Alexandre
Aos dezenove anos tornou-se o rei da Macedônia
E jurou libertar toda a Ásia Menor
Pelo mar Egeu em 334 antes de Cristo
Derrotou completamente os exércitos da Pérsia
Refrão:
Alexandre, o Grande
Seu nome colocava medo nos corações dos homens
Alexandre, o Grande
Tornou-se uma lenda entre os mortais
Rei Dário III defendeu a Pérsia vazia
Os Simérios se renderam no rio Jaxartes
Os Egípcios sucumbiram também ao rei Macedônio
E ele fundou a cidade chamada Alexandria
No rio Tigre ele encontrou novamente o rei Dário
E o esmagou novamente na batalha de Arbela
Adentrando Babilônia e Susa, tesouros ele encontrou
Tomou Persépolis, a capital da Pérsia
Refrão:
Alexandre, o Grande
Seu nome colocava medo nos corações dos homens
Alexandre, o Grande
Tornou-se uma lenda entre os mortais
Um rei Frígio partiu em uma biga
E Alexandre cortou o Nó Górdio
E a lenda dizia que quem cortasse o Nó
Tornaria-se o governante da Ásia
Ele espalhou o Helenismo por todos os lados
A mente ensinada da Macedônia
Sua cultura era um estilo ocidental de vida
Ele pavimentou o caminho para o Cristianismo
Marchando, marchando
A cansativa batalha, marchando lado a lado
Os exércitos de Alexandre, linha a linha
Eles não seguiriam para a Índia
Cansados do combate, da dor, e da glória
Refrão:
Alexandre, o Grande
Seu nome colocava medo nos corações dos homens
Alexandre, o Grande
Morreu de febre na Babilônia

A letra desta música é praticamente uma biografia do mais célebre aluno de Aristóteles, Alexandre Magno (O Grande).


An Die Freude (Ode To Joy) – 9ª Sinfonia de Beethoven



O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern lasst uns angenehmere anstimmen
und freudenvollere!
Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken.
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder
Wo dein sanfter Flügel weilt.
Wem der grosse Wurf gelungen
Eines Freundes Freund zu sein,
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer's nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund.
Freude trinken alle Wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen,
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott!
Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt'gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken.
Himmlische, dein Heiligtum!
Seid umschlungen, Millionen.
Dieser Kuss der ganzen Welt!
Brüder! Über'm Sternenzelt
Muss ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such ihn über'm Sternenzelt!
Über Sternen muss er wohnen.




Ode à Alegria

de Friedrich von Schiller, tradução do original, tal como se canta na 9ª Sinfonia de Ludwig Van Beethoven.



(Barítono)
Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!
(Barítonos, quarteto e coro)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam 2X
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso 2X
Que fique chorando sozinho!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes 2x
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
(Tenor solo e coro)
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.
(Todos)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam 2X
Ali onde teu doce vôo se detém.
(Tenores e Barítonos)
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
(Todos)
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
(Tenores e Barítonos)
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
(Todos)
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.

Para Aristóteles, se houver amizade entre os homens, não há necessidade de justiça. Teça considerações sobre essa afirmação.


Leia mais:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. 3. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
BITTAR, Carlos Eduardo Bianca. Curso de Filosofia Aristotélica – leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003.
____; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. rev. aum. São Paulo: Atlas, 2010.
BROWN, Lesley. Platão e Aristóteles, in: Compêndio de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006.
LEITE, Flamarion Tavares. Manual de Filosofia Geral e Jurídica – das origens a Kant. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual racionalidade? São Paulo: Loyola, 1991.
MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito – dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
NEDEL, José. Ética, Direito e Justiça. 2. ed. rev. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.

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