segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Mensagens de Gichin Funakoshi

O pai do Karatê-Dô Shotokan, Gichin Funakoshi, era um homem deveras sábio. Alguns dos seus ensinamentos devem ser compartilhados e vividos para que possamos ser pessoas formidáveis, no sentido espiritual e moral, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e humana.






segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sistema de solução de controvérsias da OMC


Pode-se dizer que a resolução de disputas em comércio internacional tem duas tradições. Uma delas é a posterior à criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a outra é a do General Agreement on Trade and Taxes (GATT) 47. Antes mesmo da Rodada do Uruguai e do nascimento da OMC, cujas atividades se iniciaram em 1º de janeiro de 1995, o GATT 47 já previa um mecanismo para solver conflitos. Muitos deles, segundo Costa (2005, p. 167) eram relacionados à restrição de importação e mercadorias (tarifárias ou não-tarifárias, por imposição de quotas ou aumento das alíquotas de tributos) ou, ainda, a regulamentações internas específicas para obstaculizar a entrada de produtos alienígenas.
Algumas outras eram a respeito de medidas antidumping e subsídios, realizadas segundo, ou não, os ordenamentos do GATT 47. O GATT 47 vigorou por 47 anos (média e 2,14 disputas por ano), porém, seu contencioso não tinha tanta força para imposição de medidas. “Trata-se de um reflexo da fragilidade do antigo mecanismo, facilmente identificável na possibilidade de bloqueio dos painéis, sem a possibilidade de se impor qualquer tipo de sanção / retaliação, bem como na não adoção das recomendações dos painéis.” (COSTA, 2005, p. 168) Para Gehrke, só uma medida retaliatória foi tomada nessa época, o que demonstrava a ineficácia do sistema, enquanto que, na OMC, nos seus primeiros seis anos de existência, havia já duas providências desse tipo.
Um dos problemas encontrados no GATT 47 foi o sistema do consenso positivo. Quer dizer, todos os membros precisavam aprovar o relatório elaborado pelo painel e a implementação das recomendações. “É justamente nesse ponto que se encontrava o maior problema, ou seja, a adoção do relatório do painel e a implementação das recomendações deveriam ocorrer de maneira consensual e até mesmo o Estado, contra o qual seriam adotadas as medidas, deveria aprovar o relatório e suas recomendações, o que impedia a aplicação de medidas.” (MORENO)
Com a adoção do Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre solução de controvérsias, no anexo 2 da Rodada do Uruguai (que serviu da base para a OMC), substituiu-se o consenso positivo pelo consenso negativo. Moreno explica: “No âmbito da OMC, o consenso foi mantido, mas de maneira inversa, as recomendações do painel, somente não serão aprovadas pelo OSC se todos os membros, inclusive o que foi vencedor, decidirem pela não aplicação da decisão do painel.”
A OMC, com sede em Genebra, na Suíça, tinha 146 países como membros signatários até o final de 2003. A OMC seria um pilar jurídico, afirma Moreno, e institucional do sistema multilateral do comércio, que serve de diretriz para a os governos elaborarem suas leis comerciais e as aplicarem. Tanto é assim que o sistema de solução de controvérsias da OMC tem competência para resolver quaisquer conflitos, em matéria comercial, entre os países membros.
Há possibilidade de reclamação junto ao sistema de solução de controvérsias sempre que algum país membro violar alguma disposição de prática comercial aceita pela OMC. Porém, a efetividade se faz necessária para o cumprimento das obrigações. Por isso, o OSC, quando um país deixa de cumprir suas recomendações – após o trânsito em julgado da questão -, terá uma punição negociada pelos países membros em litígio. Em regra, trata-se da redução de tarifas do país infrator em áreas consideradas importantes para o membro violado. “Note-se que tal medida é, e deve ser, temporária. Se uma solução mutuamente aceitável pelas partes não for alcançada, num prazo de 20 dias, o membro violado poderá requerer permissão do OSC para proceder a retaliações, por meio da suspensão de concessões ou de obrigações.” (COSTA, 2005, p. 183)
Por sua vez, o órgão responsável pela condução dos problemas comerciais litigiosos entre os países membros da OMC é o OSC. A primeira etapa seriam as consultas, de caráter cogente, isto é, obrigatórias antes do estabelecimento de um Painel. Qualquer membro pode solicitar que outros “associados” lhe deem consultas relativas a medidas que considera contrárias às da OMC. A resposta deve ser oferecida em dez dias, contados a partir do seu recebimento, sob pena da instalação imediata de um Painel por parte do país autor da consulta. Caso seja acordado entre as partes, esse prazo pode ser dilatado até o máximo de 30 dias. Elas devem ser notificadas ao OSC e aos Conselhos e Comitês pertinentes ao membro que solicite as consultas.



Se não houver composição amigável, num prazo de 60 dias, o próximo passo é a instalação de um Painel. No entanto, o país membro deve solicitar (artigo 6º (1) do Entendimento) a sua instalação. Os “painelistas” fazem parte de uma lista permanente de pessoas altamente qualificadas e reconhecidas internacionalmente indicadas pelos próprios membros da OMC. Cada Painel, no geral, tem três integrantes, com o impedimento de participar aquele com nacionalidade de um dos países litigantes, salvo acordo entre as partes. Se não houver consenso na escolha dos painelistas, sua escolha estará sob tutela do diretor-geral da OMC, com auxílio do diretor do Painel em questão. Os painelistas, cujos trabalhos são sigilosos, podem solicitar assessoramento técnico de qualquer pessoa ou entidade que considerarem necessárias. Os relatórios emitidos pelo Painel serão anônimos. As recomendações (decisões) dos painéis estão sujeitas a um segundo grau de jurisdição, a um recurso, por assim se dizer.
Para tal intento, há o Órgao de Apelação, da OMC, constituído de sete integrantes com mandato de quatro anos. O Órgão de Apelação examina qualquer recurso por meio de três dos seus integrantes interposto contra qualquer decisão dos painéis, num prazo de 60 dias (prorrogáveis por mais 90 dias), no intuito de reafirmar, modificar ou reverter a decisão original.

Referências bibliográficas
COSTA, Lígia Maura. A OMC tem dentes: o sistema de resolução de disputas. In: Comércio Exterior: negociação e aspectos legais. Rio de Janeiro: Petrópolis / Campus, 2005. p. 167-187.
GEHRKE, Ana Paula. A solução de controvérsias na OMC. Universidade Federal de Santa Maria. Disponível em: http://www.ufsm.br/direito/artigos/internacional/solucao_OMC.htm. Acesso em: 01 ago. 2008.
MARTINS, Eliane M. Octaviano. A sistemática de solução de controvérsias no âmbito da OMC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_40/artigos/art_Eliane.htm. Acesso em: 01 ago. 2008.
MORENO, Cláudio César Machado. A solução de controvérias do GATT à OMC. Instituto Paranaense de Relações Internacionais. Disponível em: HTTP://www.inpri.com.br/img/artigos/2.pdf. Acesso em: 8 dez. 2009.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Conto de Natal


A mesa é farta, com peru, leitoa, maionese, frutas, panetone e outras iguarias inerentes ao feriado cristão. Também há refrigerantes, vodca, uísque e outras bebidas, as mais variadas possíveis. Mas nada disso mata a fome ou a sede. Sentado numa cadeira, num canto escuro, mesmo a presença das pessoas ao meu redor não sacia a solidão. Na penumbra, o pensamento voa, enquanto encho o meu copo com uísque e três pedras de gelo. É um copo daqueles usados para embalar requeijão, com uma estampa que faz apologias ao seriado “Malhação”, aquela coisa ridícula. Não ligo, luxo ou finesse não estão no meu repertório.
Faces serenas, levemente alcoolizadas, esboçam ares de felicidade. Noite feliz, noite de amor. Mas durante aquela noite calorenta e abafada pelos vapores de chuva de verão, nem todos estão felizes. Do interior de sua cela, o detento vê a lua dentre as grades da janela. Pensa nos filhos e na mulher, que estão em algum lugar da periferia abandonada, a dedo, pelo poder público. Afinal, o pessoal de fora só presta atenção no centro, todo enfeitado. Assim, a cidade parece um fruto com boa aparência, disfarçando o miolo podre.
Nas proximidades do pleito eleitoral é boa hora para começar a melhorar as coisas por aquelas bandas, dizem os políticos. Este é o método de reprodução do clientelismo: sacanagem em cima da falta de mobilização dos pobres.
O detento tem consciência de que é um cidadão de segunda classe por não poder pagar um bom advogado. Seu único crime era ser pobre e honesto. O início de sua perdição foi ter dito “não” ao defender seu direito de cidadão de não querer ser extorquido, por tubarões de costas quentes. E o pobre diabo suburbano até hoje apodrece em vida ao lado de 19 outros colegas, numa cela com espaço projetado para seis pessoas. Guarda em si o ódio e a vontade de destruir o sistema que acreditava ser justo. “No dia que sair daqui, vou botar para foder com todo mundo.”
Naquele mesmo momento, novos ricos entediados exibem seus pertences a amigos e parentes menos afortunados. Tudo é motivo de falatório seguido de exibicionismo, desde a bebida importada diretamente da Escócia ao carro importado, novinho em folha. Assim como suas vidas, seus diálogos são vazios, baseados nas aparências e na oportunidade de sentir-se melhor por meio da difamação e desgraça alheia.
Um homem negro, vestido em trapos, com uma garrafa de pinga na mão é avistado na esquina. Os anfitriões e seus convidados sentem seus estômagos, cheios de iguarias e hipocrisia, revirarem. Não suportam ver aquela figura miserável que desponta aos poucos e se arrasta pela frente da mansão. A anfitriã, indignada, desabafa aos berros: “Desgraçado, sem-vergonha! Vá vestir uma roupa decente! A Prefeitura deveria tomar uma providência a respeito disso. Coisas assim só servem para deixar a cidade mais feia!”
Nos bairros de classe média para cima, pais reproduzem em seus filhos a crença ilusória num velhinho bonachão que distribui presentes para todos que se comportaram bem ao longo do ano. As crianças aprendem a não questionar coisa alguma, na esperança de ter a visita do Papai Noel, que lhes deixará algo desejado. Desde pequenos aprendem a ser comprados, sem remorso ou reflexão. É tudo na base da recompensa.
Lá na periferia, o caçula de uma família de oito irmãos sente-se culpado por não ter recebido sequer um mísero presente. “Fui um mau menino este ano. No ano que vem vou ser um menino bom”, pensa na pequenez de seus sete anos. Ainda não sabe que com dinheiro todo mundo é bonzinho.



Não tem Papai Noel no mundo que não é de mentirinha. Uma prova é a praça central, na qual os menores aprendem a ser gente grande do jeito errado. Meninos e meninas esturricam-se de aguardente e tentam esquecer a fome, cheirando cola de sapateiro ou fumando um baseado e pedras de crack. Bem na sua frente está a Catedral. Naquela noite, o sacerdote celebra a missa dando graças a Deus por tudo que ele e os participantes receberam durante o ano. Do lado de fora, nas vielas entre o templo e um prédio, um protótipo de mulher, de 12 anos, seduz um cliente. Experiente nas artimanhas do amor pago, espera que pelo menos no Natal alguém lhe trate com carinho e lhe pague uma refeição quente. “Amém”, encerra o homem sagrado, enquanto ela segura a mão do homem com idade para ser o amigo mais velho do seu pai, com duas vezes o tamanho dela, e caminha na direção daquele pulgueiro, cujo letreiro insiste em ser classificado como hotel. Sei que verei estas cenas com mais freqüência do que imagino.
Mais uma dose de bebida destilada e surge na mente que tudo poderia ser diferente. Apago a prostituta mirim da mente e invoco os resquícios de outra uma fêmea, aquela que um dia considerei a mulher da minha vida. Se ela ao menos tivesse me dado uma oportunidade, poderia ter lhe mostrado que ainda podemos ter esperança e confiança em alguém. Queria uma chance, por menor que fosse, de provar-lhe que era diferente dos demais canalhas que a decepcionaram. Nem tudo ocorre como a gente planeja. Ainda lembro do seu toque em meus lábios e dos seus braços me envolvendo, numa volúpia ardente muito maior que a paixão.
Os cabelos lisos e cheirosos deslizavam pelas minhas mãos como fios de seda fina. Seus olhos de fêmea, com trejeitos de menina, me desarmaram. Bons momentos passei ao seu lado. Contudo, descartou-me como um pedaço de papel higiênico usado. Enfiou sua mão no meu peito e arrancou meu coração. No fundo sabia que ela era igual aos canalhas dos quais reclamava. Nosso desfecho já estava escrito, não era para ser. Ring, ring, tocou o telefone. “Meu namorado voltou ao Brasil. Não podemos mais nos ver”, deu-me a punhalada de misericórdia e sumiu como seu nunca tivéssemos existido, sem se dar conta da sangria provocada pelo seu golpe.
Esta noite era para ser especial. Planejei tudo, nos mínimos detalhes. Tanto esforço para nada, foi tudo em vão. Fui passar o Natal com a família novamente. Pego meu copo com uísque até a boca e me acomodo ainda mais em meu canto escuro. Imagino como seria se a escolha dela fosse contrária. Aos poucos vou liquidando a bebida. Volto e completo meu copo novamente. Quando o relógio anuncia a meia-noite, fogos de artifício despontam no céu. O barulho de rojões e o cheiro de pólvora empestam o ar. Recolho-me ao meu canto em sombras, mas antes trago a garrafa. Repito o ritual. Tomo um gole largo e descanso o copo no meu colo. Fecho os olhos, lentamente, e tento vislumbrar o dia em que todos seremos felizes.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O enigma de 'D'



Naquela rua de terra, o prédio tipo sobrado desponta com luzes neon e um bocado de carros estacionados na frente. Estacionamos ali mesmo, com cuidado para não tapar a saída de outros veículos e à vista o bastante para não sermos vítimas de algum tipo de emboscada. O corredor de entrada está vazio e a pintura é decadente.
– Qual o esquema da casa? – pergunta meu amigo.
– São R$ 15,00 de consumação fora o programa -, responde o leão de chácara que faz as vezes de porteiro.
Pegamos as comandas e entramos no local. Aquilo era uma discoteca. Hoje, um estabelecimento de entretenimento adulto de não tão alta qualidade. Da entrada, se caso se siga reto, há uma porta que dá para as acomodações das moças. Ao virar à direita, entra-se para o salão. Na entrada do salão, se virar à esquerda desponta uma escadaria que leva a um mezzannino com mesas, sofás e quartos. É o setor de swing, presumo, desativado, pois a escada está barrada com uma corrente.
No salão, bem ao meio uma passarela de concreto, com um cano no meio, onde elas desfilam, despem-se e se dependuram para o deleite dos olhares famintos por satisfação. Contíguo ao salão, está o bar. Não há bebidas caras. Em redor da passarela de concreto, há mesinhas e cadeiras com armações de ferro fincadas no chão. As tampas das mesas e das cadeiras são de madeira pintada e repintada de vermelho. Se não tivessem essas tampas, pareceriam “gaiolas”, brinquedos de parques para crianças.
Instintivamente, entramos no salão direto ao bar. Pegamos, cada um, uma lata de cerveja. A consumação dá direito a três. A presença alta, esquia e esbelta se aprochega ao meu lado e esboça uma conversação. De saltos altos, pernas longas e carnudas, camisa amarrada e uma discreta corrente com a letra “D” no pescoço, a loira de olhos azuis e presença espiritual me convida para sentar. Meu amigo fica recostado ao balcão.
Antes, já tinha feito a varredura visual do ambiente. Com certeza, ela é a moça mais atraente da casa. Aceito o convite. Ela me leva pela mão até um conjunto de mesa e cadeiras com tampa de madeira sobre as armações metálicas. Olho com receio para o apetrecho.
– Não tem perigo desse treco cair? - indago ironicamente.
– Se você cair, eu lhe seguro, meu anjo. – responde angelicalmente.
Parece que o timbre e o tom da voz dela são articulados minuciosamente, no intuito de causar encanto e ao mesmo tempo sedução. As aparências nesses lugares, como em outros, são tudo. O que importa é a primeira impressão, o que vem depois não tem mais importância, já queimou o filme.
Nesse joguete de ser e não ser, de ter e não ter, de parecer e não parecer, da vida, a inconstância é constante e tudo nada mais é que pura ilusão. É a ilusão do primeiro encontro que ela tenta simular para me abarcar diretamente para o ninho de negócios. Isso não tem a ver com amor, absolutamente. São transações comerciais, minuciosamente tratadas, com intuito de lucro, de um lado, e prazer, de outro. Não é dinheiro fácil, exige-se profissionalismo nos atos libidinosos e nas conjunções carnais. Cliente não satisfeito queima o filme do estabelecimento, não só da moça. As moças, nesse meio, são descartáveis, aliás, como tudo na vida. Mas aqui parece que se descartam as pessoas com maior facilidade, maior liquidez.
Elas falam de tudo, com naturalidade, com desenvoltura, como se acreditassem realmente em tudo o despejam em nossos ouvidos. Não estou acostumado a ouvir elogios. Quando os elogios me chegam fácil, desconfio profundamente. É a frieza que se enrijeceu implacavelmente na minha existência.
Fazemos os cumprimentos iniciais, em que cada um diz o seu nome. “D” sabe conduzir o ritmo da conversa. Não se aproxima com vulgaridades típicas de outras pessoas do ramo. É bem suave. Pergunta se sou casado, se tenho namorada, ou algo similar.
– Não. – respondo secamente.
– É que você é muito tímido. Costuma sair? – retoma.
– Não. – repito a ladainha.
- Desse jeito, como você pensa que vai se casar ou arranjar uma namorada? – repete incisivamente.
- Olha, realmente, nunca pensei nisso. Acho que nasci para ficar sozinho. E aqui, sinceramente, não é lugar para arranjar esposa ou namorada.
- Ai, como você é grosso!
Percebo a gafe e peço desculpas. Não há necessidade de se humilhar os outros, muito menos prostitutas. Dou uma passada no banheiro. Meu amigo pergunta se vou transar com a “cavala”. Digo que estou sem dinheiro. Ele disse que pagaria por mim, que o programa ficaria na faixa. Desconfio que há algo de muito errado nisso, que ele já conhece demais o esquema daquela casa, tendo como comparsas outras pessoas que já conheço. Mantenho a frieza. Retorno ao banco para conversar com a minha “amiga”.
- Você é bonito – diz “D”.
Perto do nível dos homens que estão no local, devo ser Brad Pitt mesmo. Imagino que ela deve estar acostumada com velhos carecas e gordos, ou pessoas com falta de higiene. Devem aturar muito desaforo. Algumas conhecidas, que faziam programa em tempo de vacas magras, ficavam revoltadas no dia seguinte, tratavam os homens com desprezo, como se tivessem nojo de tudo quanto é coisa que tivesse pinto. O idiota aqui sempre foi bode expiatório dessas moças. Talvez o motivo seja a minha incrível cara de imbecil, de songo, como freqüentemente me fala uma amiga.



- Nossa, acho que você deveria usar óculos, ein. Eu, bonito?
Ela dá uma gargalhada estrondosa, me mostra uma tatuagem no pescoço e me fala mais sobre sua vida particular.
- Fui caixa num hipermercado. Depois de uma semana fui promovida a atendente.
- Você tem boas qualificações, além de muito bonita é inteligente.
- Mas sempre me chamavam atenção porque eu ficava conversando com os clientes e a fila não andava – cutucou-me com uma indireta. Queria me levar para o nicho, daquele moquifo, o mais rápido possível e fazer alguma grana em cima de uma pessoa com cara de nerd, como eu.
- Cobro R$ 150,00. Faço tudo.
- Infelizmente, não vim com dinheiro para isso hoje. Saí para jantar com o meu amigo. E só isso.
- Espera um pouquinho aí, meu amor. Vou ao banheiro.
Termino de beber o restinho de cerveja. Aprecio as belas formas da mulher. Realmente, é a mais bonita da casa. Mas tem algo de muito estranho em tudo isso. Parece uma armação. Linda. Mas ela tem pequenos pneuzinhos ao longo do abdômen - sinal de que é mulher mesmo, só travestis ou mulheres com quilometragem de cirurgia plástica têm formas perfeitas. Nisso, estou fora. Não recomendo, nem aprecio. Mulher tem que ser mulher, no original.
- Meu amor, fui com o seu santo. Fizeram uma armação para você. No quarto tem uma câmera. Você é uma simpatia de pessoa, meio tímido, mas gente boa. Queriam nos filmar fazendo amor para colocar no Youtube, da internet – revela “D”, ao sair do banheiro. – Vou escrever, num pedaço de papel, o meu MSN Messenger e o meu nome completo para você me adicionar no Orkut.
- Obrigado pela sinceridade. Não me esquecerei disso.
- Gostei muito de você, mas eu preciso ir falar com outro cliente. Ou vão dizer que fiquei uma hora inteira com você para não ter resultado algum e não me deixam trabalhar de novo aqui.
- Vai lá, faça a sua parte. Outra hora nos falamos longe deste ambiente infecto e nauseabundo.
“D” se despede de mim com um selinho. A única coisa doce que meus lábios receberam nesses dias, para barrar o amargo da cerveja de quinta categoria que bebi durante a noite. Preciso pensar rapidamente no que fazer para me livrar dessa palhaçada toda. Cansei de ser idiota, a piada da cidade. Não devo, contudo, ser precipitado. Entretanto, o sangue está fervendo. E hoje o pau vai comer. Sabia que seria revistado. Então, a arma ficou na blusa, dentro do carro. Fazer escândalo dentro da boate é besteira. Só tenho que acertar as contas com esses energúmenos sem noção de vergonha na cara.
Estava desconfiando mesmo desse povinho. No trabalho, telefonemas com obscenidades. Prostitutas pagas para me telefonarem e falarem porcarias. Tenho jeito e voz de idiota. Prefiro assim. – Songo – diz uma amiga. Tenho boa-fé. É diferente de ser songo, ou bestão. Dou uma chance para as pessoas, sempre. Mas tenho pé atrás. Não dá para saber o que se passa na cabeça dos outros, principalmente hoje em dia. Eu e meu amigo pagamos a conta. Vamos em direção ao carro.
- Você devia ter comido aquela cavala – diz ele. Sabe que eu bancava tudo.
- Fica para a próxima. Não me senti bem no lugar. Estava muito vazio, parecia que se eu subisse as escadas para comer ela, logo depois que descesse, o povo ia ficar me olhando para aplaudir.
- Impressão sua, deixa de ser encanado – completa, assim que arranca com o carro. – O negócio lá era só fazer sexo e boas.
- Bom, você que pensa.
Minha arma está carregada. Vamos nos encontrar com uma galera. O local combinado é um bar de rock, com temática de motoqueiros. Chegamos ao local com uma faixa com os dizeres: “Finalmente, perdeu o cabaço.” E ainda por cima tinha o meu nome. Estouro de champanhe e muita gritaria. Espero estacionar o carro, para entrar no bar abraçado com o meu amigo, que está com um sorriso de orelha a orelha. Entro no clima. Dou uma de idiota, para variar. Ninguém me revistou, nem nada. A festividade é me fazer de imbecil, a piada local. Cambada de gentinha, lixo humano. Ainda abraçado com meu amigo, retiro a pistola e a posiciono contra a sua têmpora. Um só disparo e pedaços de crânio e massa encefálica se espalham pelo local, em cima dos convidados, inclusive.
Gritaria e correria recheadas de pânico dão colorido especial ao final de madrugada. Descarrego o pente de balas, recarrego a pistola e volto a atirar. O sangue está fervendo e não quero saber se alguém é inocente, ou não. Para mim, todos os presentes nessa porcaria são culpados, sem exceção. Melhor sair logo dessa bagunça, antes que me trancafiem na cadeia e joguem a chave fora. Não quero publicidade. Esse meu trabalho noturno é discreto. Ninguém precisa saber. Nem “D”, aliás. Vou para casa, tiro completamente as roupas. Enfio no saco de lixo. Amanhã penso num lugar para incinerá-las. Ligo o computador e crio uma identidade falsa no Orkut. Deixo um recado para “D”: - Quero lhe encontrar oportunamente, de maneira discreta. Está resolvido aquele probleminha. Ninguém mais vai espiar a gente.
Cabaço é o caralho. Mas melhor que pensem assim. Ninguém iria investigar um Zé Mané como eu pelas minhas atividades de matador.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cláusula de eleição de foro e cláusula de arbitragem no Comércio Exterior


A jurisdição em matéria de negócios internacionais é de extrema importância, justamente por suscitar dúvidas, muitas vezes, dando margens para controvérsias que não seriam resolvidas de maneira tão simples. Uma das maneiras de se tentar dirimir a questão de quem decidirá alguma coisa quando houver alguma controvérsia é se incluir, nos contratos internacionais, cláusulas de eleição de foro, ou cláusula de arbitragem.
Dessa maneira, dissipa-se a dúvida, ao se definir qual será o órgão competente para decidir a lide internacional. Na cláusula de eleição de foro (choice of fórum), determina-se, no contrato, qual será o país cujo órgão jurisdicional será legítimo para decidir um negócio internacional. Automaticamente, isso implica na aceitação das leis processuais (lex fori) do país cujo tribunal terá a jurisdição sobre a causa.
No entanto, nem todos países aceitam a teoria da autonomia da vontade no Direito Internacional Privado, assim melhor escolher, nos contratos internacionais, aqueles que aceitam essa doutrina, no intuito de se evitar desentendimentos posteriores com relação à jurisdição.
Aliás, a cláusula de eleição de foro é também comum nos contratos nacionais, já que a mesma está especificada no artigo 111 do Código de Processo Civil.
A cláusula arbitral, por sua vez, remete a solução da lide internacional a um órgão de arbitragem. Trata-se de uma maneira mais célere e menos burocrática de se resolver os negócios internacionais, no entanto, não significa que se deva descuidar de meandros técnicos e outras formalidades típicas em qualquer tipo de procedimento.
As instituições arbitrais devem possuir uma regulamentação dos procedimentos baseada na rapidez possível e na simplicidade processual, de modo a atender as expectativas das partes envolvidas. E, ainda, dispor, em seu quadro de árbitros, técnicos altamente qualificados (especialistas de preferência na matéria em que irão julgar) – não necessariamente juristas – que possam dar segurança nas sentenças arbitrais.



A cláusula arbitral impede, de modo absoluto, que o poder judiciário de qualquer país tome conhecimento do conflito. O árbitro fica investido da jurisdição de decidir acerca da matéria e, inclusive, a respeito da própria cláusula arbitral.
Diante do cenário de incertezas, talvez seja recomendável redigir, no mesmo contrato internacional, a cláusula de eleição de foro e a cláusula arbitral. Nos termos do artigo 2º da Lei nº 9.307/96 e da Convenção de Nova Iorque de 1958, na cláusula compromissória se poderia escolher a lei pelas partes. Contudo, ao se escolher o foro brasileiro, há discussão premente sobre aquilo que está sujeito à ordem pública (artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil) e daquilo que se submete à autonomia da vontade em território nacional.
Dessa maneira, se as partes quiserem decidir numa seara que não seria considerada afeita à ordem pública, no Brasil, por exemplo, poderiam escolher a cláusula arbitral para resolver a lide, sem esbarrar em nulidades. Mas, desde que, é claro, uma cláusula, embora ambas sejam concomitantes, seja subsidiária a outra. Ou seja, em caso de o foro escolhido prejudicar a autonomia da vontade das partes, recorrere-se-á ao juízo arbitral.
Esta, no entanto, é uma zona cinzenta com as discussões em aberto, passíveis de vários entendimentos e aplicações, já que no universo das negociações internacionais contemporâneas, não há que se falar em verdades definitivas, mas sobre aquilo que é aplicável no momento.