Nem sempre a ordem jurídica positiva consegue acompanhar a velocidade das mudanças do mundo contemporâneo, principalmente com relação às que ocorrem na seara do mundo dos negócios, cuja dinâmica requer mais agilidade e versatilidade, por assim se dizer. Com a descentralização política da Idade Média, os Estados Nacionais não eram tão fortes quanto hoje, daí, as atividades mercantis eram regradas mais pelos usos e costumes e conforme aquilo que se convencionou a denominar de “lex mercatoria”.
Não se levava tão em consideração o Direito Estatutário característico da Civil Law (seja nas vertentes romana ou germânica) e o Direito Jurisprudencial da Common Law, já que as relações comerciais eram mais dinâmicas e velozes que a capacidade legislativa dos nascentes Estados Nacionais. Todavia, na atualidade, mesmo com o cenário dos Estados Nacionais solidificado, cada qual com sua estrutura executiva, legiferante e judiciária, ainda não se conseguiu superar a velocidade com que se realizam e se transformam as atividades econômicas, ainda mais com o advento das novas tecnologias da informação, que alavancaram a globalização financeira e comercial no final do século XX.
Como lidar com as novas questões comerciais, principalmente com as transações que se são pela rede mundial de computadores, cujos protagonistas podem estar em países diferentes? Daí, a necessidade de se regulamentar um novo paradigma de ordem jurídica, a exemplo da “lex mercatoria” de anteriormente.
Pode-se falar, então, de uma nova “lex mercatoria” que regulamenta – por meio de instrumentos não oriundos necessariamente do Direito Positivo – essa nova ordem comercial planetária. Por exemplo. Existem algumas transações via internet nas quais podem ser aplicadas as legislações nacionais, especialmente as que tangem às obrigações e aos contratos. No entanto, e as transações comerciais realizadas on-line? Em caso de conflito, como isso seria resolvido e qual lei seria aplicada? Não se trata somente de uma questão de conflito de leis tal como se preconiza no Direito Internacional Privado, cujo maior artífice no ordenamento jurídico nacional é a Lei de Introdução ao Código Civil.
Com a globalização exacerbada e acelerada pelas novas tecnologias de comunicação, as formas de comerciar também se diversificam numa velocidade tão estupenda quanto a de uma operação em caixa eletrônico ou na internet. Não há como os Estados Nacionais acompanharem essas mudanças “pari passu”.
Diante da inexistência de uma ordem jurídica internacional que regre esses tipos de contratos on-line, os próprios atores sociais envolvidos se encarregam de utilizar, subsidiariamente, usos e costumes, a soft law oriunda dos órgãos técnicos pertinentes a cada caso, serviço ou produto e, no que couber, as convenções e tratados internacionais. Surge, porém, uma questão. Trata-se de um verdadeiro Direito sem origem estatal e sem identificação nacional, ou de mais uma das fontes do Direito que servem para integrar a Lei diante da ocorrência de lacunas? Eis pois, a discussão acerca de quais são as fontes do Direito Internacional do Comércio diante dessa nova estrutura que se apresenta no mundo contemporâneo. Seria uma faceta da vitória do neoliberalismo e dos ditames das corporações multinacionais perante a inoperabilidade e falta de habilidade dos Estados Nacionais em lidarem com essas questões, ou seria apenas uma maneira de se suprir as lacunas da Lei, tal como se preconiza na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC)? Obviamente, que o princípio da autonomia contratual dos contratos internacionais não se sobrepõe aos ordenamentos jurídicos nacionais, inclusive, naquilo que se tem de mais importante, que são gravados como de “ordem pública”, ou seja, protegidos por normas cogentes, que não podem ser derrogadas pela vontade das partes.
No entendimento de Amaral (2007), as principais fontes do Direito Internacional do Comércio são a Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980 e a Convenção do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) para Solução dos Litígios Relativos a Investimentos sobre Estados e Nacionais de outros Estados de 1965. Fontes de Direito Positivo, ressalta-se.
No entanto, segundo a mesma autora, ainda há de se falar dos usos e costumes, oriundos da repetição de práticas comerciais durante os tempos, além das tentativas de se criar uma ordem padrão para determinados tipos de negociações, como os International Commercial Terms (Incoterms), elaborados pela Câmara de Comércio Internacional. Os contratos internacionais – principalmente aqueles estandardizados por associações comerciais -, salienta Amaral (2007), também são fontes importantes do Direito Internacional do Comércio, já que são elaborados por órgãos que possuem pessoal altamente capacitado em termos técnicos e que podem servir de referência na resolução de conflitos, tal como a jurisprudência formada nos tribunais arbitrais. Essas fontes, de acordo com Amaral (2007), formam a nova “lex mercatoria”, ou seja, um tipo de Direito que não é monopólio de um Estado Nacional, seja na sua produção (capacidade legiferante), ou aplicação (competência judiciária). Aliás, a jurisprudência arbitral tira grande parte da responsabilidade dos Estados Nacionais no tocante a essa questão, pois constituem métodos mais rápidos, sigilosos e, de certa maneira, eficientes de se resolver os litígios instaurados nessa seara.
Talvez seja precipitado falar, de início, numa nova “lex mercatoria”, já que a Lei de Introdução ao Código Civil aceita perfeitamente como fonte do Direito os usos e costumes, utilizando-os, inclusive, como medida subsidiária de aplicação do Direito às chamadas lacunas da Lei. Por outro lado, há de se verificar se essa nova ordem jurídica oriunda das práticas comerciais contemporâneas não se sobressairá às ordens jurídicas dos Estados Nacionais (até mesmo nas questões de ordem pública), tendo em vista que, muitas vezes, o econômico passa por cima do social e do político, o que gera incerteza jurídica e desconforto na tomada de decisões. Mesmo em solo nacional, muitas questões são resolvidas juridicamente com base no econômico e não no jurídico. Caso isso se alastre e se prolongue nos âmbitos nacionais e internacional, há de se falar propriamente de uma “lex mercatoria” que desafia os Países tal como se concebem hoje, devido a sua inércia na criação de mecanismos de regulamentação do comércio exterior, já que aquilo que se considerava anteriormente de ordem pública não mais o pôde ser em virtude preponderância das leis da oferta e da demanda do mercado internacional.
Referências bibliográficas
AMARAL, Ana Paula Martins. Fontes do direito do comércio internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 582, 9 fev. 2005.Disponível em:SEGRE, GERMAB. Manual prático de comércio exterior. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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