Os Estados modernos são caracterizados pelo monopólio do uso da força. Ou melhor, como diz o libertariano (neoliberal) Robert Nozick, detêm o monopólio de dizer quem fará uso da força. As cenas de violência que permeiam nosso cotidiano nos fazem questionar, freqüentemente, se não nos seria mais adequado tomarmos – por nós mesmos – os critérios de decisão de conflitos em nossas mãos e, assim, executarmos as penas, saciando um primitivo instinto de vingança.
Acuados e perplexos diante da impotência do Estado com relação a segurança, maquinamos várias coisas na qual revelamos nossa natureza oculta, por vezes, cruel. Carl von Clausewitz, no livro Vom Kriege (Da Guerra), salienta que a guerra é a continuação da política, numa instância em que o entendimento cessou e a decisão do conflito só será definida por quem tiver maior força, na questão de Estado para Estado. No âmbito interno, isto seria imaginável, visto que os “fora-da-lei” ou mesmo nossos desafetos seriam os inimigos.
Nestas situações, escolhemos aquilo que nos está mais próximo como padrão de humanidade e nos incluímos nele, enquanto, da mesma forma, criamos um padrão de exclusão. Resultado: o que não nos é semelhante não é humano, portanto, pode ser pisado e destruído como um animal peçonhento, mesmo que seja outro homem.
Posições generalizantes devem ser vistas com muita cautela, já que todas as verdades humanas são provisórias e, portanto, apenas reflexos imperfeitos de uma verdade maior que repousa com exatidão absoluta e perfeita somente na divindade.
Então, senhoras e senhores, se estamos tentados a todo momento pelas paixões que ofuscam nossa razão, como podemos nos apoderar do direito de dizer quem deve morrer ou de dizer que estamos totalmente corretos? Somos escravos da racionalidade instrumental, que nos informa que o imperativo da existência não é o “ser”, mas sim, o “fazer”. Nesta perspectiva, matar, difamar ou jogar o inimigo na lama é tirar uma peça que impede alcançar seus fins egoístas.
A competitividade e o individualismo relegam a moral para segundo plano. Não há mais espaço para a ética, somente para o “sucesso” a qualquer custo, seja por parte dos indivíduos ou dos grupos. Dos males, um dos que ressalta é a inveja: se não conseguimos “ser” ou “ter” o que o outro “é” ou “tem” e não nos vemos capazes de tal, sentimo-nos frustrados e queremos destruí-lo, como demônios vingadores.
Outra estratégia, quando não se vence o argumento do oponente, é desqualificá-lo, desmoralizá-lo e jogá-lo fora, de certa maneira, da dimensão humana, massacrando-o mediante a fúria da opinião pública, pela manipulação dos mídias ou dos formadores de opinião mal-intencionados. Um espetáculo grotesco, semelhante aos da política de pão e circo, do Império Romano, na qual os cristãos eram arremessados aos leões, diante dos aplausos da platéia.
O mundo atual é complexo demais para entendê-lo em sua totalidade porque existem muitos prismas da realidade. Muitas vezes não sabemos usar das artimanhas do discurso para ganhos pessoais, por causa disto, freqüentemente, somos taxados de idiotas. E nos transformamos nas oferendas para saciar os ânimos recalcados e sedentos por um bode expiatório. Justiça moral ou social? Ainda falta muito, tanto que há o risco de perdermos a esperança e mergulharmos no caos atroz e profundo da destruição.
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