terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Ética: polêmicas e classificações
Ética é a parte da filosofia, ou ciência, que tem como objeto de estudo a moral, conceituou o mexicano Adolfo Sánchez Vázques. No entanto, não há unanimidade entre os autores. Porém, ética é reflexão teórica, algo que vai além da prática moral, a desconstrói, funda-a, reformula-a, explica José Renato Nalini. No sentido normativo, salienta Nalini, a ética é normativa, porém não legislativa, pois tem a função crítica das normas.
Por relacionar-se com valores, a ética é axiológica, ou seja, uma teoria dos valores – daquilo que é o bem. Aqui se verifica um impasse. Diante do dever e do valor, qual alternativa seguir: o que é o correto segundo a norma moral ou jurídica, ou o que é considerado como valioso (conduta, riqueza, beleza, entre outros)?
Enfim, assunto para polêmicas. Ainda mais existem dois posicionamentos contrários, com relação à perenidade ou universalidade das normas morais. A corrente relativista e empirista considera a norma é mutável, convencional e subjetiva. Ou seja, varia conforme a época e o lugar, sendo fruto da vontade humana. Por outro lado, a corrente absolutista e apriorista prega uma moral universal e objetiva, ensina Nalini (p. 23).
As doutrinas morais são agrupadas em quatro denominações, ou escolas éticas, no entendimento de Eduardo García Maynez, corroborado por Nalini: a-) ética empírica; b-) ética de bens; c-) ética formal; d-) ética valorativa.
Ética empírica
De acordo com a conceituação de Immanuel Kant, a filosofia empírica é baseada na experiência, já a pura em princípios racionais. “Singelamente, ética empírica é aquela que pretende derivar seus princípios da mera observação dos fatos”, narra Nalini (p. 27). Enfatiza-se o exame da vida moral, como o homem realmente é, em seu estado natural. Mas, cada cabeça, uma sentença. Aí, resvala-se no relativismo e no subjetivismo moral.
No subjetivismo moral, cada um delineia o padrão de conduta que lhe é mais adequado, originando o subjetivismo ético individualista e o subjetivismo ético social (antropologismo ou subjetivismo ético específico). “Em outras palavras, se nada é absolutamente bom, o caminho aberto é procurar condutas que pareçam mais benéficas à sociedade e ao indivíduo, fazendo do útil o preceito moral supremo”, fala Nalini (p. 28).
As três vertentes da ética empírica são: a-) ética anarquista, b-) ética utilitarista, c-) ética ceticista.
Ética empírica anarquista
Anarquismo, do grego, significa sem governo. A liberdade incondicional humana é a tônica dessa escola. Repudia as normas e os valores, assim, comenta Nalini (p. 28): “Direito, moral convencionalismos sociais, religião, tudo constitui exigência arbitrária, nascida da ignorância, da maldade e do medo. Assim, as leis não são legítimas, sejam morais, sejam jurídicas. Elas desrespeitam a autonomia da vontade de cada um. A única regra a ser seguida é a determinação individual.”
Se o que vale é a vontade humana, livre de cerceamentos, então, predomina a vontade do mais forte, que submetem os mais fracos a si. Há também um paralelo inevitável entre o anarquismo e o hedonismo, já que apregoa a busca do prazer e a fuga da dor. Mas e se a busca do prazer constituir-se em fazer bem ao outro? O egoísmo veste a capa do altruísmo.
Frequentemente, o anarquismo combate as organizações sociais, principalmente, o Estado. Os anarquistas individualistas não são credores da violência. Acreditam que a razão progride a passos lentos e gradativos a uma forma de organização social em que o cerne da questão é a liberdade absoluta.
Os anarquistas comunistas, por sua vez, pregam que, se necessário, far-se-á o uso da violência, que encontra legitimidade na recuperação da verdadeira liberdade, principalmente com o fim da propriedade privada.
Egoísmo ao extremo? Não é bem assim. Trata-se de uma vida em cooperação e associação espontâneas, visando a excelência no desenvolvimento da individualidade. Anarquistas são diferentes dos individualistas. Estes propõem uma livre associação de egoístas, diz Nalini (p. 29), sem demonizar a propriedade privada, porém, demonizando o associativismo.
Ética empirista utilitarista
Para saber mais sobre o utilitarismo, ou positivismo inglês, acesse e leia o conteúdo do link: http://treeofhopes.blogspot.com/2010/03/o-utilitarismo-de-bentham-etica-dos.html .
Ética empírica ceticista
O cético não crê em coisa alguma, sem se deter a qualquer dogma. Aliás, não julga, não toma partido algum, de afirmar, ou negar. De certa maneira, remonta à frase de Sócrates: “Só sei que nada sei.” Porém, duvidar de tudo sempre leva a alguma coisa?
Necessário, então, diferenciar a dúvida metódica da dúvida sistemática. Como método a dúvida é uma suspensão do juízo transitória, no intuito de se atingir a certeza. Ou seja, é algo normal que fecunda a reflexão e a pesquisa, para se tomar as decisões corretas, e não acreditar em tudo que se coloca piamente em seu caminho, as meras aparências. É uma dúvida saudável, em busca de um índice maior de certeza. Já a dúvida sistemática é característica dos que tudo duvidam, e sempre.
O ceticismo absoluto é complicado. Os céticos, aliás, verificam a necessidade de uma moral e alguns valores: o valioso se encontra na natureza, usar a moderação para satisfazer as necessidades humanas, reconhecer as leis e costumes que realmente mereçam isso e dignificar o trabalho, diz Nalini (p. 36).
O positivismo lógico, do Círculo de Viena, tem um critério empírico de signficado, no qual um enunciado não tem significado se não pode ser verificado empiricamente, por qualquer um dos sentidos. Assim, muitos desses juízos de valor seriam apenas expressões de emoções. Hans Kelsen, jusfilósofo, reforçou esse entendimento, ao separar radicalmente moral de Direito. Só pode ser apreciado o que é objetivo, a norma posta, criada pelo Estado. O resto é subjetivismo e não tem validade.
Ética empírica subjetivista
No subjetivismo ético, o indivíduo é a fonte da conduta moral. A ética subjetivista constitui, assevera Nalini (p. 39), a forma mais comum de ética empírica, já que todas as coisas são observadas pelo ponto de vista pessoal. Adota-se a conduta mais adequada com a escala de valores que o próprio sujeito construiu. Por isso mesmo, se diz que a origem do subjetivismo está no sofista Protágoras de Abdera: “O homem é a medida de todas as coisas.”
Nalini (p. 40) tece uma pertinente crítica e que corrobora com o subjetivismo individualista: “Cada homem é a medida do bem e do mal e seu próprio parâmetro. Vive-se uma época em que não é difícil demonstrar o alcance dessa compreensão do mundo. Interessante observar que o subjetivismo não só permanece na pós-modernidade, como se espraiou em todos os setores da existência humana. (...) Compreender o tsunami de subjetivismo que tomou conta do pensamento universal pode auxiliar no enfrentamento do ‘vale-tudo’ contemporâneo, em que os temas os mais diversos, desde os aparentemente singelos até os mais complexos, adquirem versões as mais díspares, a depender do ângulo de visão de quem os analise.”
Entretanto, também existe o subjetivismo social ou específico. No subjetivismo ético social, busca-se o consenso, como uma imensa enquete de “Big Brother”. Busca-se objetividade por meio do consenso, bastando a voz da maioria. Contudo, muito cuidado nessa hora. O senso comum e os preconceitos batem forte nesse momento, o que pode levar a conseqüências funestas, como a perseguição de minorias étnicas ou a conflitos de religião.
O critério utilidade é o parâmetro de objetividade do subjetivismo ético específico. “Essa reflexão se faz também em relação ao verdadeiro, ao bom, ao justo. Se algo é verdadeiro para um também é verdadeiro para outrem, ou não é verdadeiro. Existe uma relação de identidade na afirmação da mesma verdade. Assim, o verdadeiro é o socialmente verdadeiro, o bom é o socialmente bom e o justo, o socialmente justo”, ensina Nalini (p. 42).
Ética de bens
A ética de bens, dos fins, ou teleológica, é contrária ao relativismo. Portanto, estabelece um valor fundamental, ou “télos”, um fim último que é estabelecido como parâmetro ou meta a ser atingida pelo ser humano. “O supremo bem da vida consistirá na realização do fim própria da criatura humana. Esse objetivo, na hierarquia dos bens, é o que se chama bem supremo”, fala Nalini (p. 43). E o que é o bem supremo? Nalini (p. 44) arremata: “Para se estabelecer a hierarquia dos fins, basta verificar qual deles pode ser, simultaneamente, fim e meio para a obtenção de outro fim. Quando alguém se defronta com um bem que não pode ser meio de qualquer outro, então esse é o seu bem supremo.
Ética dos bens: eudemonismo, idealismo e hedonismo
Há três matrizes fundamentais na ética dos bens, o eudemonismo, o idealismo ético e o hedonismo. Aprimoram-se as virtudes para se atingir o bem. Eudemonia, em grego, significa felicidade. Eudêmones eram habitantes da Arábia Feliz, narra Nalini (p. 44): “O eudemonismo avalia como eticamente positivas todas as atitudes que aproximem o homem daquilo que ele considera felicidade. Incluem-se nessa compreensão as doutrinas que fazem da ventura o valor supremo. Partem do pressuposto de que a tendência à felicidade é inata ao homem. (...) Todos os outros bens da vida podem ser meios para a obtenção daquele que é o eternamente apetecível em si, insuscetível de ser converter em meio para uma finalidade que fosse ainda superior a ela.”
Praticar o bem é a finalidade do ser humano, de acordo com o idealismo. O idealista, ou estóico, busca ser bom, o que pode coincidir, ou não, com ser feliz. A virtude é um fim nela mesma, e não um meio. “Impõe-se a criatura ser virtuosa, ainda que disso não se extraia prazer algum. A história do homem está repleta de modelos idealistas. No passado e mesmo no presente, ainda podem ser apontadas figuras que oferecem o seu esforço, o seu talento e a sua dedicação a uma causa”, salienta Nalini (p. 44).
O bem supremo do hedonismo é o prazer, seja na sua faceta sensual, do deleite, da atividade intelectual ou artística. Nada mais atual que o hedonismo, a busca do prazer desenfreado, sem se preocupar necessariamente com as conseqüências ou com o bem-estar ou consideração com o outro. Há várias doutrinas associadas com o hedonismo.
Essas três vertentes podem se misturar, apregoa Nalini (p. 45): “Há o eudemonismo idealista, para o qual a felicidade é o fim supremo, mas o caminho único a atingi-la é a virtude. O eudemonismo hedonista elegeu a felicidade como fim, mas o prazer como meio.”
Ética dos bens: Sócrates, Platão e Aristóteles
Ao se falar em ética dos bens, importante falar sobre os filósofos gregos, principalmente Sócrates, Platão e Aristóteles. Saiba mais sobre ele nesses links: http://treeofhopes.blogspot.com/2010/02/etica-direito-e-justica-socrates-e.html e http://treeofhopes.blogspot.com/2010/02/aristoteles-de-estagira-preceptor-e.html .
Ética dos bens: epicurismo
Após Sócrates, Platão e Aristóteles, a filosofia tomou outros rumos, principalmente, por divergir sobre a natureza do bem supremo. Dois grandes grupos surgiram: o epicurismo, para o qual o bem supremo é o prazer; e os estóicos, cujo bem supremo é a virtude.
Para Epicuro (342-270 a.C.), predomina o caos e a cegueira no Cosmos, já que o universo possui comandos mecanicistas e materialistas. Não nega os deuses, porém, prega que os homens devem perseguir o prazer e o gozo da vida, ensina Nalini (p. 53): “Pois a felicidade é o bem último da existência e consiste, exatamente, no prazer. Mas existe uma hierarquia entre os prazeres. Não se deve perseguir o prazer sensual, a luxúria, o gozo insensato. Atingi-se o prazer mediante inúmeras fruições, dentre as quais as mais elevadas são as do espírito. O sábio identificará a hierarquia dos valores e priorizará o prazer intelectual ao sensível, o sereno ao violento, o estético ao grotesco. Via Epicuro na amizade um dos gozos mais intensos e puros da vida.”
Ele dividiu os prazeres em naturais e necessários, naturais e não necessários, não naturais e nem necessários, corporais, espirituais, violentos e serenos. Os prazeres naturais e necessários, por exemplo, são a satisfação moderada dos apetites. Os prazeres naturais e não necessários podem ser exemplificados pela gula. Já os prazeres nem naturais e necessários podem ser citados na glória (no sentido de orgulho, soberba).
Qual é a finalidade dessa classificação? “O ser humano precisa renegar os prazeres não naturais e não necessários, como o excesso de bens materiais e as glórias, limitar a fruição dos prazeres naturais e não necessários, tais como a gula e a embriaguez. O ideal é conduzir-se pelo natural e necessário”, responde Nalini (p. 54).
Como se sabe, muitas vezes a dor é inevitável. O epicurismo prega que ela pode ser caminho para prazeres ainda maiores. Não se trata, contudo, de masoquismo. O homem sábio tem como virtude a prudência, que o auxiliará a escolher o caminho mais adequado, ou o melhor naquele momento. Segundo Epicuro, a ética tem duas finalidades, uma crítica (livrar os seres humanos das superstições que conduzem ao medo) e outra construtiva (demonstrar as normas ou regras que levarão o indivíduo à felicidade.
Na jornada para a felicidade, depara-se o ser humano com o medo da morte e o temor aos deuses. Não se deve temer a morte, assinala Epicuro, pois ela não é da alçada do homem vivo. “A morte nada é para nós, pois enquanto somos, ela não é e quando ela chega, já não somos. (...) Igualmente, não se deve temer aos deuses, pois, seres perfeitos e distantes, não estão preocupados com a imperfeição humana. (...) Os deuses encontram-se entregues continuamente às suas próprias virtudes e acolhem exclusivamente seus semelhantes. Consideram estranho tudo o que não é semelhante a eles”, esclarece Nalini (p. 54).
No epicurismo, a ética é individualista, pois a conduta é pessoal, e não tem âmbito coletivo. O sábio tem interesse no seu bem-estar e na sua virtude, e não na dos outros. A sabedoria tem como critério o prazer tendo no temor a preocupação. De certa maneira, comenta Nalini, o epicurismo antecipa-se ao utilitarismo. O epicurismo é uma ética eudemonista hedonista, individualista e egoísta. O filósofo, para Epicuro, não deve fazer política, mas “viver escondido”, fala Nalini (p. 55): “A justiça é o fruto de um pacto de utilidade. Cada indivíduo desiste de molestrar os demais, em troca de também não ser molestado. O Estado tem o dever de velar pelo cumprimento do contrato social e punir seus infratores.”
Epicuro receitou quatro remédios para se libertar a humanidade do medo, seja das divindades, seja da morte, seja do sofrimento, ou da dor. Trata-se do tétrapharmakon, expõe Nalini (p. 55): “I – O ser bem-aventurado e incorruptível não tem ele mesmo preocupações e não as causa em outrem; de forma que ele não está sujeito nem à cólera nem à benevolência: pois tudo isso é próprio de um ser fraco. II – A morte não é nada em relação a nós; pois o que é dissolvido não sente, e o que não sente não é nada em relação a nós. III – O limite da grandeza dos prazeres é a eliminação de toda a dor. Por toda parte em que se encontre o prazer, durante o tempo que ele dura, não há lugar para a dor, o sofrimento, ou os deuses ao mesmo tempo. IV – A dor não dura de uma maneira ininterrupta na carne, mas naquela que é extrema o tempo não é mais breve, e aquela que apenas ultrapassa o prazer corpóreo não dura inúmeros dias; quanto às doenças de longa duração, elas se acompanham para a carne mais de prazer do que de dor.”
Ética dos bens: estoicismo
A escola estóica teve três grandes períodos: estoicismo antigo (Zenon de Cítio, Cleantes e Crisipo; estoicismo médio (Panécio e Possidônio); e estoicismo novo (Sêneca, Musônio Rufo, Epicteto e Marco Aurélio). Aliás, o estoicismo foi uma das doutrinas filosóficas que mais influenciou o cristianismo. Leia mais a respeito: http://treeofhopes.blogspot.com/2010/03/prof.html .
Ensina Nalini (p. 56) que duas fórmulas representam o estoicismo: viver de acordo consigo mesmo e viver de acordo com a natureza. Como a natureza humana se curva perante à razão, viver segundo a natureza é viver segundo a razão. A virtude é ter a razão imperando sobre os sentidos, eliminando as paixões, ou doenças da alma. Virtude é o único bem, e o vício o único mal. Viver de maneira virtuosa é viver conforme a natureza, não biológica, mas pela natureza racional.
Existe no mundo uma ordem universal que o governa. O ciclo predeterminado “o ano cósmico” é o calendário de tudo que nasce e morre. Tudo se repete, há um “eterno retorno”, como se foi aproveitado posteriormente em “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera. Diante dessa ordem, o ser humano deve agir com indeferença (apatia), ou seja, aceitar as coisas como elas são e desejá-las desse jeito, e não desejá-las de um modo que ele quer.
Deve o ser humano desligar-se do mundo exterior para atingir a apatia, libertando-se das inclinações e afetos, a patologia humana. O prazer é afeição, portanto, deve ser evitado. E a virtude é autárquica, ou seja, basta a si mesma. “A virtude é única – nisso fundam-se em Sócrates -, e entre a virtude, bem único, e o vício, único mal, não há meio-termo. Tudo o mais vem a ser eticamente indiferente – adiáforas. Esse rigorismo foi temperado pelos discípulos de Zenon, ao distinguir os bens desejáveis e os bens condenáveis. Não se confunde o desejável com o eticamente bom. Mas ostenta valor enquanto estimula a prática da virtude. O censurável, ou condenável, não se confunde com o mal, mas representa empecilho ao exercício da atividade virtuosa”, ensina Nalini (p. 56).
Ética do bem: estoicismo romano
O filme “Gladiador”, com o neozelandês Russel Crowe, foi um sucesso de bilheteria. No começo do filme, havia cenas com o Imperador de Roma, Marco Aurélio, vivido pelo ator neozelandês Richard Harris. Marco Aurélio foi um filósofo estóico. Aliás, uma ramificação romana de estóicos foi personificada por Sêneca (4 a. C. a 65 d. C), Epíteto (50 a 138) e Marco Aurélio (121 a 180). Também importante fio Marco Túlio Cícero (106 a 43 a. C.), que conjugou o estoicismo e o platonismo. Defendia Cícero um igualitarismo social estoico. “Sustenta que todos os homens têm uma essencial dignidade. Todos possuem razão e conhecem o honesto e o desonesto, conseguem distinguir o justo do injusto. É frequente em sua obra o uso da expressão ‘humanitas’, no sentido da formação humana e espiritual, signo da elevada condição do homem. Por isso é que ele alimenta generosa confiança na natureza humana. Sua influência foi grande porque durante os séculos seguintes houve disseminação de seu pensamento e das doutrinas do estoicismo, em especial no pertinente ao Direito Natural. Importante enfatizar que o estoicismo – na sua submissão às dores e ao sofrimento – está presente e é perfeitamente identificável no Cristianismo. Mesmo porque o pensamento ciceroninano alimentou a obra dos Padres da Igreja Ocidental, especialmente Lactâncio, Santo Ambrósio e Santo Agostinho”, diz Nalini (p. 57).
O ser humano, segundo essa vertente estoica, é uma criatura intermediária, que pode se tornar virtuoso, ou um viciado (o mais provável). Essa mistura entre o bem e o mal, o frágil e o forte transformou o ser humano em algo que está em constante transformação, para o aprimorar ou o deteriorar. E a ética seria o caminho para a virtude a saúde da alma ou a força da alma.
Ética formal
A ética empírica e a ética dos bens referem-se aos resultados da conduta humana. Já a ética formal, cujo principal representante é o alemão Immanuel Kant (1724-1804), preceitua que o significado do comportamento moral está na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado, e não nos resultados externos, escreve Nalini (p. 58). Aliás, magistralmente, Kant faz uma diferenciação entre moralidade (foro íntimo, liberdade interna, autonomia) e legalidade (foro externo, liberdade externa, heteronomia). Leia mais sobre Kant e a diferença entre moral e Direito: http://treeofhopes.blogspot.com/2010/02/immanuel-kant-leis-naturais-e-leis.html .
Kant, em sua contribuição para a ética, retirou as idéias de prazer e de utilidade da moral. No campo moral, a conduta só é valiosa se sua motivação é o reconhecimento ao bem. No entanto, se agiu para obter algo em troca, não se trata de ação moralmente positiva. Já no Direito o valor supremo é a liberdade. “Sob influência de Cristiano Tomásio, distinguiu a moral do Direito, entendendo que a primeira se ocuparia com o motivo da ação, que deveria identificar-se com o amor ao bem, enquanto para o segundo o relevante seria o plano exterior das ações. Os direitos naturais, que identificou com a liberdade, poderiam ser conhecidos a priori pela razão e independeriam da legislação externa. O Direito Positivo, em contrapartida, não vincula sem uma legislação externa”, arremata Nalini (p. 63).
Ética dos valores
Com uma ética formal, Kant procurou evitar o relativismo histórico e o eudemonismo. Outro ponto de vista foi o adotado por Max Scheler, no entanto, com base nos valores experimentados seria possível obter a universalidade da ética. Há uma separação entre a intuição dos valores (problema epistemológico) e a existência do valor (problema ontológico). “Para a filosofia valorativa, o valor moral não se baseia na idéia de dever, mas dá-se o inverso: todo dever encontra fundamento em um valor. Só deve ser aquilo que é valioso e tudo o que é valioso deve ser. A noção de valor passa a ser o conceito ético essencial. E valor não arbitrariamente convencionado. Pois o que é valioso vale por si, ainda quando seu valor não seja conhecido nem apreciado. (...) É nossa consciência que nos adverte da existência dos valores. Mas não foram criados por ela, senão por ela descobertos. Só pode ser descoberto o que já existe”, escreve Nalini (p. 64).
Mas o que é valor? Há várias discussões a seu respeito, porém, nada fechado. Alguns tentaram ancorar tal conceito na razão prática, com base na existência de valores objetivos. Porém, outros declararam a relatividade dos valores. Assunto, então, nada pacífico, nem claro, pois os valores parecem difíceis de serem conceituados, porém, são perceptíveis, por suas qualidades. Isso é estudado principalmente pela Filosofia do Direito, que coloca em xeque, muitas vezes, o positivismo jurídico, ou a rígida separação entre moral e Direito.
Os valores existem e não possuem forma de se exteriorizar, sendo sentidos ou intuídos. Fazem parte os valores do mundo imaterial, percebido pelo intelecto. Fazem parte das idéias, e não da ordem real, do mundo material. São absolutos os valores enquanto ser e relativos quanto à apreensão, assinala Nalini (p. 67): “A consciência é a instância encarregada de confrontar os valores morais e de inspirar a ação.”
Há uma hierarquia dos valores, portanto, utilizada para escolher a ação. Segundo Scheler, para identificar os valores mais altos dos mais baixos, é preciso verificar sua maior durabilidade, menor extensão e divisibilidade, quanto mais profunda é a satisfação e quanto menos relativa é a percepção sentimental. Quanto mais permanece, mais durável é o valor. É mais elevado se há menos necessidade de dividi-lo com outra pessoa. E o valor que tem como fundamento outro valor (fundamentado) sempre inferior ao que lhe deu origem (fundamentante). “Assim, a vida, entre os direitos fundamentais, é o bem por excelência. Todos os demais direitos são bens da vida, nesta fundamentados e, portanto, inferiores à própria vida. A satisfação coincide com a vivência de cumprimento, não com o estado de prazer gerado pela posse do valor. E a escala de relatividade dos valores auxilia a aferir o grau de superioridade dele. Há valores vinculados ao agradável, os valores da vida que são relativos aos seres viventes, e há valores puros, como os valores morais, que tem caráter absoluto, não relativo. Mas Scheler esboçou uma classificação dos valores sob enfoque hierárquico, distinguindo-os em: a-) valores do agradável e do desagradável; b-) valores vitais; c-) valores espirituais; d-) valores religiosos. Ignorar ou subverter essa hierarquia é fonte de não pequenos nem simples problemas da sociedade contemporânea. O amor ocupa lugar privilegiado nessa hierarquia.”, fundamenta Nalini (p. 68). E o valor supremo é Deus.
Leia mais
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 7. ed. rev. atua. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
VAZQUES, Adolfo Sánchez. Ética. 15. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
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