quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A intolerância e o predomínio da paixão na política: o começo do início ou o início do fim

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"Entendida como uma atitude ou estado de espírito, a tolerância descreve algumas possibilidades. A primeira delas, que remonta às origens da tolerância religiosa nos séculos XVI e XVII, é simplesmente uma resignada aceitação da diferença para preservar a paz. As pessoas vão se matando durante anos e anos, até que, felizmente, um dia a exaustão se instala, e a isso denominamos tolerância." (WALZER, Michael. "Da tolerância." São Paulo: Martins Fontes, 1999)
Num primeiro momento as pessoas se matam até se cansarem da carnificina. Daí, se instala a tolerância.
Haveria necessidade disso, no Brasil? Grupos se polarizaram em torno de uma "guerra santa", e cada um deles se considera o mais correto, o mais justo e o mais abençoado, tal como se cada um deles fosse o povo fustigado, porém, escolhido pela divindade para prevalecer no País.
A ideologia político-partidária converteu-se em religiões civis, não no sentido de "culto" às instituições do Estado, conforme Jean-Jacques Rousseau, mas em facções que se digladiam pelo poder, em nome de uma pretensa moralidade.
As facções se mobilizam pelas redes sociais numa velocidade espantosa, aglutinando cada vez mais indivíduos que são absorvidos pelo pensamento em rede.
Divergir é seguir contra a maré. A reflexão de ordem mais crítica torna-se ofensa. O importante é sentir-se parte de algo para disfarçar a solidão cotidiana ou mesmo qualquer tipo de frustração.
O outro, que pertence a outra facção, é o objeto do desrecalque. É nele, qualquer um que seja, que será objeto da ira e das mágoas contidas, no qual se despejará o ódio irracional canalizado em nome de uma "causa".
Em nome da pátria, ou em nome de um classe social, de uma denominação religiosa, dos incluídos ou dos excluídos, quem sejam, o desejo de descontar o ódio é muito grande.
E isso se manifesta de maneira irracional e intolerante onde quer que se passe.
Os membros das facções não toleram que não se filie a um lado ou outro. Caso assim se opte, simplesmente, utilizam o argumento de que a neutralidade é assumir "o outro lado".
Abandona-se a razão, para aderir à paixão. Paixão, num certo sentido, não seria o encantamento dos enamorados, mas, no sentido original, no grego "pathos", seria doença. Algo que ofuscaria a razão.
"Há um problema oculto no centro das atuais discussões sobre o nacionalismo, a política de identidade e o fundamentalismo religioso. Esse problema é a paixão. Os adversários desse fenômeno temem a retórica veemente, o engajamento impensado e a ira contra os opositores, que eles associam ao surgimento dos homens e mulheres impetuosos na arena política. Associam paixão à identificação coletiva e à crença religiosa - ambas as quais levam as pessoas a agir de maneira que não podem ser previstas por nenhuma explicação racional de seus interesses e que não decorrem de nenhum conjunto de princípios racionalmente defensáveis.
Os interesses podem ser negociados, os princípios podem ser debatidos e as negociações e debates são processos políticos que, tanto na prática quanto na teoria, estabelecem limites sobre o comportamento de todos os que deles participam. Mas, de acordo com aquele ponto de vista, a paixão não conhece limites e varre tudo à sua frente. Diante da contradição ou do conflito, ela exige inexoravelmente soluções violentas. A política propriamente dita, a política em sua versão razoável e liberal, é um assunto a ser discutido com calma (...). A paixão, ao contrário, é impetuosa e sem mediação; é tudo ou nada." (WALZER, Michael. "Política e Paixão - rumo a um liberalismo mais igualitário. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 161-162)
É esse tudo ou nada, nos termos de Walzer, que torna a paixão na política um barril de pólvora que tem como consequência bilhões de vítimas.
A paixão ilimitada que varre tudo à frente não conhece limites e, não raro, resolve os conflitos ou contradições na violência verbal ou física.
A elegância da política liberal, com seus argumentos pretensamente racionais, se perde diante da selvageria instalada a pretexto de se defender uma vida melhor, dentro de trincheiras imaginárias, que, invariavelmente, levam as pessoas a lutarem umas contra as outras com tamanha voracidade que relacionamentos de anos, como os de família ou de amizade, sejam destroçados em questões de segundos.
Sem a devida reflexão racional acerca dos problemas, na busca de soluções reais e concretas, pautadas na reflexão científico-filosófica, o baixo nível das discussões prevalecerá.
Já diziam os antigos gregos, como Aristóteles, que as paixões não devem se sobrepor à razão. Caso contrário, os vícios se instalariam em vez da virtude.
As formas de governo, para ele, seriam cada vez mais aperfeiçoadas quanto o fossem em nível de razão, justiça e amizade.
Hoje, parece tudo o contrário. A democracia tende a converter-se na sua forma degenerada, a demagogia, na qual impera, não a vontade racional do povo, mas a irracionalidade, a injustiça e a inimizade.
Quem sabe, pode ser o início de algo muito bom e novo. Ou, simplesmente, pode ser o início do fim.

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelo texto.
Acredito que agora, passado o fervor da disputa, os ânimos se acalmem é a sanidade retome seu lugar. Claro que grupos, de ambos os lados, se assim podemos definir, irao permanecer em luta, mas isso por não ter a capacidade de tolerar ou mesmo o anseio pela paz, optam pela luta em si, lutar por lutar.

Unknown disse...

Boa reflexão Roger parabéns pelas ricas palavras no texto, diria que são estágios a superar para a própria evolução do homem, o caminho do início de algo muito bom e novo.