domingo, 12 de setembro de 2010

As morais empresariais


PROF. MS. ROGER MOKO YABIKU


Para a doutrina liberal, os Estados nacionais devem interferir cada vez menos nas economias, deixando o mercado fluir, segundo os ditames de uma mão invisível, que tem sua lógica própria. No entanto, a liberdade econômica sem freios passa por cima de quem estiver em seu caminho, mesmo que isso signifique atropelar direitos das pessoas, principalmente as em menos condições sócio-econômicas. Engraçado dizer que um dos pais do liberalismo e um dos fundadores da economia moderna, Adam Smith, era professor de filosofia moral, ou seja, de ética, explica Amartya Sen, no livro “Sobre ética e economia”.
A economia moderna começou, então, como uma parte da filosofia moral. E, depois, com a assunção da ciência como conhecimento mais importante, em detrimento da filosofia, a economia alinhou-se mais à engenharia, aos cálculos, rumo à uma pretensa neutralidade, desvinculando-se da filosofia moral.
Assim, analisam-se os números, de maneira “racional e fria”, segundo a lógica e o modelo científico matemático, em vez de se levar em consideração as repercussões das decisões. O “filosofar” ético não é necessário. Aliás, é empecilho ao ímpeto capitalista.
Nesse mar de voracidade do capitalismo, se inserem como alguns dos principais agentes, as empresas. Não há como se falar em capitalismo contemporâneo, sem se falar em empresas. Mercados abertos e regimes liberais dão muita força a quem sabe se organizar. Grandes empresas sabem fazer isso, pois sabem do poder que têm com a acumulação e concentração de capital, formando cartéis, ou megacorporações por meio de fusões, incorporações e aquisições, alerta o sociólogo Robert S. Srour, em “Ética empresarial – a gestão da reputação”.
As novas tecnologias diminuem os custos e deveriam promover mais conforto e distribuição de renda. Mas parece que ocorre o efeito contrário. A competição é cada vez mais feroz e as empresas parecem fazer diferenciações entre os grupos de pessoas. Há grupos que devem ser agraciados, enquanto outros podem ser manipulados, pisados. Nesse cenário, Srour destaca a existência de duas morais empresariais: a moral da parcialidade e moral da parceria.

Dois tipos de tratamento



O grupo de pessoas que tem tratamento privilegiado, diz Srour, são os acionistas (por motivos óbvios), os clientes, os gestores e os trabalhadores qualificados. Já o grupo de pessoas que pode ser manipulado é composto de fornecedores, sindicatos, prestadores de serviços, comunidades locais, mídia, credores, sindicatos, governo e concorrentes.
O primeiro grupo de pessoas não convém manipular, pois pode colocar em risco os negócios. Com o segundo grupo é diferente. As diversas pessoas que compõem o segundo grupo podem ser jogadas umas contra as outras, conforme as conveniências da empresa.
Com o primeiro grupo, então, há um tratamento “decente”, idôneo, segundo algum código moral, mas também devido a uma estratégia ou cálculo de custo-benefício. No segundo grupo, se tira proveito da fraca articulação dessas pessoas, para se tirar o máximo de vantagens, salienta Srour. Aqui, o oportunismo, com contornos capitalistas e corporativistas, se converte na moral da parcialidade.


Moral da parcialidade




O tratamento desigual dos dois grupos de pessoas promove uma seleção de pessoas “convenientes” e “não convenientes”. Trata-se da moral da parcialidade, na qual se diz que um pouco de desonestidade ou cinismo é necessário para se vencer no capitalismo. A fórmula, ensina Srour, seria basicamente a do “rouba, mas faz”. Ou seja, justifica o mau caráter que consegue resultados ao mesmo tempo em que diz que todas autoridades de governo são decrépitas.
É um discurso sigiloso, que não se fala em público, mas se mantém aos círculos reservados, os de “confiança”. Valoriza demais os que “tem peito” ou “prática”, contra os que tem muitos “pudores” ou são muito “teóricos”. E espelha a famosa frase de Artur Bernardes, eternizada por Getúlio Vargas: “Aos amigos tudo, para os inimigos nada, para os indiferentes a lei.”
Para a moral da parcialidade, é preciso senso de oportunismo para avançar nas linhas inimigas e conseguir resultados. Não bastaria a capacidade empresarial, mas a “malandragem”. Alguns exemplos apontados por Srour (p. 280-281): “Tal empresário sonega sim, mas gera um bocado de empregos e já paga impostos em demasia – por que culpá-lo? Tal comprador recebeu bola de um fornecedor, mas seguiu a praxe do mercado e acabou adquirindo produtos a preços razoavelmente competitivos – para que abrir mão dele? Tal empregado usou o carro e o telefone da empresa em benefício próprio, mas já deu tantos lucros que as despesas podem ficar por conta da intermediação – por que não? Tal gerente não é competente e acaba fazendo configuração, mas é parente de um cliente estratégico ou foi indicado por um amigo que transita bem nos círculos políticos – será que não vale a pena ficar com ele? Tal fiscal é um cafajeste que não sai do pé enquanto não ‘receber o dele’ para regularizar a papelada – o que custa dar-lhe uma propina para ter sossego? Tal representante de vendas passa quase duas horas por dia cuidando de seus investimentos na Internet, mas é um dos mais produtivos do setor – para que importuná-lo?”
Um pouco de jeitinhos é justificável, por que o sistema é falho e, também, ajudam a corrigi-lo aos poucos. Essa é a justificativa da moral da parcialidade, comenta Srour. E o negócio dos negócios é fazer negócios, frase da qual se depreende duas leituras, ensina Srour (p. 283): “1. o mito da amoralidade dos negócios, que pressupõe sua neutralidade – os negócios nada teriam a ver com a vida comum e as regras que vigoram em ambos os contextos seriam diferentes por sua própria natureza; 2. O mito da imoralidade dos negócios, que os qualifica como ‘sujos’ e sentencia que para ganhar dinheiro é preciso sujar as mãos.”
Assim, de acordo com a assertiva da amoralidade, os negócios têm regras próprias. Na da imoralidade, dinheiro e negócios são sujos por natureza.


Moral da parceria

Segundo Srour, a partir da década de 1990, a mentalidade começou a mudar no Brasil, também no aspecto empresarial, com enaltecimento do mérito, do trabalho, do profissionalismo e da idoneidade. Esses traços, comenta Srour (p. 294), são compostos de: “1. Senso de responsabilidade; 2. Competência técnica para agregar valor; 3. Anseio por realização pessoal; 4. Autodisciplina, persistência e assertividade; 5. Transparência e impessoalidade; 6. Isenção, imparcialidade e objetividade; 7. Habilidades interpessoais ou a capacidade de trabalho em grupo; 8. Autocontrole dos impulsos.”
Delineia-se, neste momento, a moral da parceria, com padrões de conduta nos interesses de médio e longo prazo, criticando os imediatismos. Com isso, pretende-se cumprir os compromissos para manter os laços com as outras empresas e pessoas, para sempre ganhar bem. As parcerias são cultivadas e não são dadas, daí, as relações são de convergência e de confiança.
Não há divisão das pessoas em grupo a ser privilegiado e grupo a ser pisado. E as relações para durarem devem, segundo Srour (p. 298): “1. Observam-se garantias precisas e confiáveis de desempenho; 2. Exige-se transparência e rejeita-se qualquer fraude, logro ou manipulação; 3. Compartilham-se informações, algumas estratégicas, como projetos, programações, especificações técnicas, racionalização dos processos, experiências logísticas, técnicas de prestação de serviços; 4. Implementam-se ações conjuntas que, muitas vezes, resultam em apoio mútuo em situações de crise; 5. Realizam-se de forma partilhada inovações técnicas ou de gestão; 6. Encaram-se as negociações como jogos de soma positiva, visando a ganhos mútuos; 7. Aprende-se o negócio um do outro, a fim de economizar custos e aumentar a produtividade; 8. Convertem-se as empresas e pessoas, que foram eleitas como parceiras, como extensão do próprio negócio.”
Trata-se de uma moral em plena construção, para o desenvolvimento da cidadania empresarial calcada na responsabilidade social.

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